A teoria dos jogos pode ajudar a resolver o paradoxo da Biodiversidade

Um dos maiores quebra-cabeças da ecologia é perceber como centenas, por vezes milhares de espécies, coexistem, apesar de o número de recursos diferentes disponíveis ser muito limitado

Cientistas em Lisboa desenvolveram agora uma promissora abordagem matemática para esta questão, que poderá permitir resolver um paradoxo de longa data e ter importantes implicações para a conservação da biodiversidade – um dos mais prementes desafios atuais.

Há décadas que os especialistas tentam explicar como é possível que recursos limitados consigam sustentar a multiplicidade de espécies que vivem na Terra.

As primeiras tentativas teóricas para perceber a biodiversidade conduziram a uma conclusão que não passava o teste da realidade: a teoria previa que o número de espécies tinha de ser igual ao número de tipos de recursos disponíveis no meio ambiente, algo que claramente não corresponde ao que vemos à nossa volta.

O contraste entre a teoria e a observação experimental é tão flagrante que tem sido qualificado de paradoxal.

Este paradoxo é frequentemente conhecido como “paradoxo do plâncton” porque é muito bem ilustrado pelas propriedades dos ecossistemas de plâncton. Nos oceanos, existem menos de dez recursos que sustentam o crescimento destes organismos, tais como luz, azoto, carbono, fósforo, ferro, etc. Contudo, mesmo nestas condições, centenas de espécies diferentes de plâncton conseguem coexistir de forma estável, sem que nenhuma delas leve as outras à extinção.

Apesar de recentes avanços, este enigma da biodiversidade ainda não foi esclarecido. Mas agora, cientistas do Centro Champalimaud, em Lisboa, desenvolveram um novo modelo matemático que o poderá resolver.

Os seus resultados foram publicados na revista Proceedings of the Royal Society B.

Segundo Andres Laan, o primeiro autor do estudo, liderado pelo investigador principal Gonzalo de Polavieja, os modelos clássicos de competição pelos recursos prevêem que cada recurso irá sustentar a espécie que o consuma com mais eficiência, conduzindo, portanto, as espécies concorrentes à extinção. Mas esta correspondência unívoca não acontece na natureza. Pelo contrário, a ordem de grandeza do número de espécies que vivem na Terra é muito maior.

Os cientistas decidiram procurar uma nova solução para o paradoxo do plâncton. A novidade neste estudo é que, para explicar o paradoxo da biodiversidade, utilizaram modelos de agressão inspirados numa área da matemática chamada teoria dos jogos.

“Partimos de um cenário teórico onde só tínhamos duas ‘espécies’: falcões e pombos”, explica Laan. “Os falcões são carnívoros e estão sempre dispostos a lutar. Os pombos são pacíficos e tendem a partilhar os recursos ou a fugir da luta. Segundo a teoria dos jogos, no final, nem os falcões puros, nem os pombos puros se tornam dominantes – pelo contrário, as duas ‘espécies’ coexistem.”

A seguir, quiseram saber o que aconteceria se várias espécies entrassem neste jogo dos falcões e dos pombos, competindo por muitos tipos de recursos em simultâneo.

Para cada recurso, cada espécie podia escolher entre ser falcão ou pombo. “Este rico conjunto de escolhas gerou uma diversidade combinatória que resultou num grande número de potenciais espécies. E tal como tinha acontecido no caso simples de duas espécies, as múltiplas espécies acabaram por coexistir e não por se extinguir mutuamente”, diz Laan.

Conforme o seu modelo, a biodiversidade aumenta de facto exponencialmente com o número de recursos. “Com um recurso, duas espécies conseguem coexistir; com dois recursos, quatro espécies; com quatro recursos, 16 espécies; e com dez recursos, obtemos mais de 1000 espécies a coexistir. O crescimento exponencial é muito rápido, fornecendo, portanto, uma boa forma de manter a biodiversidade”, explica ainda o cientista.

Esta teoria, dizem os autores, também faz um certo número de previsões que foram confirmadas experimentalmente. O modelo estima precisamente a abundância de cada espécie em ecossistemas reais. Nestes ecossistemas, existem poucas espécies mais abundantes, mas, no entanto, representam uma fração desproporcionalmente elevada da biomassa total do sistema.

“Isto é semelhante ao que acontece com a desigualdade da riqueza nas sociedades humanas, onde os ricos possuem uma parte desproporcionalmente grande da riqueza total”, diz Laan.

Os autores pensam que o facto de resolver este paradoxo poderá fornecer a chave não só para perceber a biodiversidade, mas também para melhor compreender a extinção de espécies e prever possíveis direções futuras da evolução animal.

“Estas ideias ainda são em grande parte teóricas e precisamos de testar até que ponto os mecanismos de competição propostos no nosso artigo descrevem corretamente o que se passa na competição entre espécies reais, mas estes primeiros resultados parecem bastante promissores”, conclui Laan.

 

Autor: Centro Champalimaud
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

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