Pedro Cabrita Reis: «esta exposição é uma luz»

O Solar das Pontes de Marchil, à saída de Faro, acolhe desde o passado sábado e até 15 de Setembro a exposição coletiva «289», um projeto de Pedro Cabrita Reis

«Esta exposição é uma luz. Pusemos uma luz no cimo de um pau e espetámos esse pau na terra. Essa luz é vista por muita gente». É assim que Pedro Cabrita Reis descreve a exposição “289”, que abriu no sábado, 14 de Julho, no Solar das Pontes de Marchil, em Faro.

O Sul Informação esteve à conversa com Pedro Cabrita Reis (PCR) e ainda com Tiago Batista e Fernando Sampaio Amaro, dirigentes da Associação 289, os três grandes responsáveis por este projeto. Foi uma conversa entre pó, barulho de martelos, com o cheiro da tinta, na sexta-feira, enquanto os artistas davam os últimos retoques nas suas peças, metade delas feitas de propósito para o espaço e tendo-o mesmo como sua tela e matéria prima.

Como é que surgiu a ideia de Pedro Cabrita Reis organizar esta mostra, que junta, como ele disse, «pessoas com carreira mais prolongadas, tem outras mais jovens e que estão a começar – não só em termos de idade e de historial de carreira, mas também em termos de criatividade»?

Tiago Batista, ele próprio com uma peça na exposição, responde: «o Pedro passou por aqui e apaixonou-se pelo sítio. Nós não perdemos a oportunidade de tentar pôr o Pedro a fazer aqui qualquer coisa, e ele, de forma muito generosa e afetiva, disse “vamos embora!”. Isto tem tudo a ver com a relação muito afetiva, amorosa mesmo, que o Pedro tem com o Algarve e nós agarrámos isso com unhas e dentes».

«Este espaço foi-nos cedido por um dos proprietários, que convenceu o outro, em regime de comodato. O senhor chama-se José Carlos Mendes, é um ceramista de Tavira que nos cedeu o solar sem custo algum. Nós só pagamos as despesas, água, luz, e combinámos com ele que todas as melhorias que façamos na casa são por nossa conta. Durante seis meses, foi com aperto de mão, agora com contrato assinado. Já várias pessoas lhe tinham vindo propor negócios. Quando nós aparecemos, dissemos: não, somos só artistas, não queremos fazer negócio. E ele gostou disso», acrescenta Tiago Batista.

Por isso, explica o artista plástico, a palavra que melhor define esta exposição é «generosidade». «Aquela peça da Fernanda Fragateiro, com a palavra “generosidade” na parede, também tem a ver com isso, com a cedência do espaço e com a generosidade dos artistas, e do Pedro em especial».

O que viu Pedro Cabrita Reis no espaço para o fazer apaixonar-se por ele? «Desde logo a arquitetura da casa», responde o artista à pergunta do Sul Informação. «Imagino que esta casa, no seu momento de maior esplendor, deve ter sido um sítio agradabilíssimo para se viver. Agrada-me a ideia de que foi um centro de lavoura, num outro tempo. Imagine o que era ouvir entrar os carros de besta por esta calçada, como acontecia na casa dos meus familiares em Messines. Quando entravam os carros de besta com a “farroba” e a amêndoa, era um barulho estridente. Eu, ao ver isto, a convite deles, senti-me em casa, novamente».

Fazendo um gesto largo com a mão, Pedro acrescenta: «no seu abandono, na melancolia de uma casa que vai morrendo com um tempo que acabou, a vivência feita pela criatividade artística, por artistas, por estes projetos, redimem-lhe a alma, resgatam-na e tornam-na outra vez numa casa luminosa. Se pudéssemos salvar o objeto que é esta casa e salvá-la do esquecimento e da tristeza e torná-la numa coisa de alegria…não se consegue virar as costas a uma coisa destas, eu não consigo!»

A forma como se começou a desenhar esta exposição também foi recordada. É que Pedro Cabrita Reis que, pela sua dimensão enquanto artista, mais do que curador, é um mentor do projeto, não conhecia muitos dos artistas que agora mostram a sua obra, até 15 de Setembro, no antigo Solar à saída de Faro. Na casa, nos seus jardins, paredes, interiores e exteriores, salas e cubículos, nas escdas, nos terraços, no telhado, nos terrenos em volta e até enterradas no chão, há obras de artistas consagrados, como o próprio Pedro, ou ainda Julião Sarmento, Pedro Calapez, Rui Chafes, Xana ou Rui Sanches, mas também outros ainda a começar ou de nomes menos conhecidos.

«Tudo isto foi um processo, foram aparecendo vários nomes. Às tantas, outros artistas diziam-me: conheces o trabalho de fulano de tal? Eu dizia não, não conheço bem, e eram-me trazidas as imagens e informação e eu fui escolhendo. No fundo, o processo de construção deste objeto é um processo de convergências de muitos afluentes», diz ainda PCR.

«Melhor do que qualquer outra coisa, importa a espinha dorsal de como isto foi construído: isto não é um museu, nem há aqui curadores, é o desenrolar de um esforço coletivo».

Pedro Cabrita Reis confessa que uma das muitas coisas de que gosta nesta exposição é «a diversidade dos seus autores e do trabalho, que nunca construiu fossos e ruturas, antes pelo contrário, há a construção de um corpo comum, feito pelas diferenças».

«Há muitos trabalhos de diferente natureza, há pintores em tela, há fotógrafos, há pessoas que fazem intervenções diretas na parede, há ali ao fundo a Armanda [Duarte] que está a construir um objeto que desaparece debaixo de terra. Há aqui uma diversidade bastante grande, profunda e enriquecedora, não só dos trabalhos, como das trajetórias pessoais», acrescenta.

Tiago Batista salienta, por seu lado, que está patente «tudo o que cabe no âmbito da arte contemporânea: desde a performance, à escultura, à pintura, ao desenho, à instalação sonora».

Esta exposição apresenta «o simples desenho em papel, clássico, até um projeto que virá a Vanda Madureira fazer, um desenho-ação, mescla de performance e desenho [apresentado na inauguração]. Temos som e silêncio. Há uma mira telescópica a olhar para o campo, temos de tudo», conclui Pedro Cabrita Reis.

«As linguagens aparecem todos os dias, novas ou transvestidas de outra forma, como resultado de uma evolução ou de qualquer coisa que é descoberta do zero», acrescenta.

Tirando partido do espaço e da força desta casa secular, Tiago Batista sublinha que «uma boa dose dos 80 artistas que participam neste projeto, talvez metade, fizeram obras especificamente para este espaço».

E Pedro Cabrita Reis logo recorda: «fizemos uma primeira viagem exploratória, viemos de Lisboa de camionete, há uns dois ou três meses, e a camionete vinha cheia, éramos quarenta e tal. A Câmara recebeu-nos, organizou um almoço para nós na cidade antiga e viemos aqui ver. As pessoas andavam aí a deambular, a conhecer e intimamente já a conceber o que podiam fazer, mas também o lugar onde podiam instalar a sua obra». Foi desse diálogo interior que nasceram as obras que agora podem ser vistas ou mesmo ouvidas.

E em Setembro, quando a exposição acabar (termina no dia 15), as obras irão manter-se ali? «As intervenções feitas na casa vão ficar: enquanto as conseguirmos manter, vão ficar. O Julião Sarmento ali dentro, o Paulo Mendes, a Fernanda Fragateiro, o Bertílio Martins», responde Tiago Batista.

«A pele de um corpo, nas suas cicatrizes, no seu envelhecimento, é a história desse corpo. À associação 289, competirá decidir, em conjunto com os autores individuais, se as coisas permanecem ou se querem pintar a parede de branco», junta PCR.

«Aqui, a única coisa que é verdadeiramente interessante é o movimento de transformação, que é permanente, perpétuo e não integra hierarquias. Num momento, há umas propostas, outras se seguirão. Se for preciso pintar isto tudo de azul para outra exposição, assim será. E os artistas sabem disso», acrescenta.

A abertura da exposição, no passado sábado ao fim da tarde, que integrou muitos momentos únicos de performance (desde logo a performance do próprio Pedro Cabrita Reis, a falar de megafone na mão, lá do alto do terraço), contou com a presença de muitos responsáveis locais e regionais, como o presidente da Câmara de Faro.

Fernando Sampaio Amaro, professor do curso de Artes Visuais da Universidade do Algarve, fotógrafo, artista, dirigente da Associação 289, chama a atenção para a importância da participação do Município neste processo: «quando a autarquia tem a pretensão de se candidatar a Capital Europeia da Cultura em 2027, é preciso acarinhar este tipo de projetos, para criar as dinâmicas criativas».

Pedro Cabrita Reis remata: «isto vai ser importante em muitos aspetos. Um deles é que vai criar um território para as pessoas que têm responsabilidade na administração local, no plano da cultura, económico, turístico, em todas essas coisas que compõem o bom governo da regiões. Essas pessoas podem perceber que há material, há massa crítica, há inteligência, há disponibilidade, e, acima de tudo, essas pessoas vão perceber e, porque não dizer, vão aprender que, contando com os esforços das comunidades que integram o local, neste caso esta associação 289, pode imaginar-se e fazer-se muitas coisas».

É que, defende o artista, «a melhor política é aquela que é feita da base para o topo da pirâmide e não ao contrário. É preciso recolher a iniciativa e a criatividade da base e ir transformando isso para fazer parte do bom governo da região».

«Mas, para isso, é preciso apoiar, é preciso estar presente, é preciso desenhar estratégias de implementação de projetos. Esta é uma experiência prática, no terreno, feita por uma associação que não tem fundos europeus milionários, vive do esforço e da dedicação de cada um, desde logo intelectual e criativo, depois técnico, prático e financeiro».

«Com um pouco, ainda menos que pouco, com quase nada, construiu-se uma exposição que tem 80 artistas e que acederam com entusiasmo a participar», frisa Pedro Cabrita Reis.

«Não queria ser ainda mais arrogante do que aquilo que as pessoas já sabem que sou, mas esta exposição é uma lição para a comunidade, para se perceber como se pode fazer coisas!», garante.

No entanto, sublinha, «todas as coisas de grande qualidade, de pequenas ou de grandes dimensões, não podem ser exclusivamente baseadas no voluntarismo, têm que ser integradas numa política geral de administração de fundos e de alavancamento das coisas. Não é só: ah, os gajos são criativos, eles fazem e a malta vai lá à inauguração».

PCR faz questão de salientar que, «desta autarquia, tivemos até à data um apoio inequívoco e claro. Sabemos que há um divórcio entre a comunidade artística e criativa e a administração, mas, neste particular, a Câmara Municipal de Faro, desde o princípio do projeto até ao final, em Setembro, quando for lançado o catálogo que está a ser feito, estabeleceu com a Associação 289 um entendimento, que tem aspetos tão prosaicos como pôr 70 pessoas a dormir em Faro na época alta, o que não é fácil, agenciar fundos para financiar a produção do catálogo, mandar vir máquinas da Câmara para limpar entulho ou o terreno para podermos ter estacionamento, arranjar o catering».

A mostra «289», que ficará patente até 15 de Setembro, é já é a quarta exposição no espaço do Solar das Pontes de Marchil, local onde, durante décadas, funcionou a sede da Associação de Comandos. Tiago Batista anuncia que «há já mais duas mostras marcadas, mais calmas, porque esta foi muito intensa, não só para a 289, mas para o panorama nacional. Vamos ter a seguir, a 15 de Outubro, o Gustavo Jesus. Depois, em Janeiro, vamos fechar para descanso, porque este sítio é muito agreste no Inverno, são menos 5 graus que em Faro e estamos aqui a 800 metros. E em Março inauguramos com uma individual do Pedro Cabral Santo».

A exposição «289» estabelece um padrão de qualidade para as iniciativas futuras? «O padrão é alto e a altura desse padrão faz com que as pessoas que estão a olhar para isto de fora tenham de elevar os seus padrões de compreensão e perceber que isto não é meia dúzia de lunáticos, é uma comunidade com determinados objetivos, composta por pessoas diferentes, mas que estão juntas para promover estas coisas que aqui se fazem. Isto não é uma entretenha de moços, é uma casa que lança energia para a rua e quer ser tida em conta e respeitada como tal. Isto tem de fazer parte não dos problemas, mas das soluções».

Por isso, PCR defende que «uma potencial candidatura da CMF à Capital Europeia da Cultura tem que ter em conta que isto é uma realidade e que há outras parecidas na cidade, no concelho e na região. A interação destas plataformas todas juntas é uma força e esta força tem de ser tida em conta. E o poder local tem que olhar para esta força como um aliado e não como um peso desagradável. Isto é uma parte do diálogo!».

Em jeito de conclusão, Pedro Cabrita Reis faz questão de afirmar que este é um «projeto de alegria». «Há palavras que parecem cair em desuso numa sociedade demasiado massificada pelo consumo. Por exemplo, a palavra “Alegria”. É uma palavra muito importante, não tem a ver com sentimentos, não tem a ver com patetices, tem a ver com um estado interior de plenitude, de reencontro do indivíduo consigo próprio e de reencontro com os outros., A alegria é essa espécie de sítio sem medidas e sem uma grande fisicalidade. Ora, este projeto é um projeto de alegria. Sem ter quaisquer mistificações de índole ideológica ou religiosa, esotérica. É a pura e simples alegria de partilhar energias, de juntar esforços, de estar juntos, de fazer uma coisa que queremos que fique bem».

A exposição poderá ser vista, até dia 15 de Setembro, de quarta-feira a domingo, das 17h00 às 21h00, no Solar das Pontes de Marchil, à beira da EN125, na saída de Faro para Loulé.

 

Inauguração da exposição 289 em Faro:

 

 

Fotos: Gonçalo Dourado (da entrevista e da montagem da exposição) e Hugo Rodrigues (da inauguração)

 

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