Esperanza Fernández, diva do flamenco, une música sacra à poesia de Saramago

Serpa será a próxima localidade do Baixo Alentejo a receber o Festival Terras sem Sombra, após Almodôvar, Odemira, Santiago do […]

Serpa será a próxima localidade do Baixo Alentejo a receber o Festival Terras sem Sombra, após Almodôvar, Odemira, Santiago do Cacém e Castro Verde. Uma porta aberta para conhecer a margem esquerda do Guadiana, que só se integrou definitivamente em Portugal no tempo de D. Dinis.

O festival defende um programa de excelência na área da música sacra e tomou a peito desvelar as histórias de palácios, igrejas e outros monumentos das povoações, estabelecendo pontes entre o património imaterial e material. A realização de ações de voluntariado para a salvaguarda da biodiversidade é outra das suas marcas.

Todos os concertos decorrem em igrejas recuperadas ao longo dos últimos anos, mas Serpa constituirá a exceção: o espetáculo terá lugar na praça principal da cidade, no dia 6 de Maio, às 21h30.


Escutar a alma do cante jondo

O flamenco na sua dimensão pura chega ao Alentejo por uma das mais belas e expressivas vozes da atualidade, a da cantaora Esperanza Fernández, acompanhada pelo grande guitarrista Miguel Ángel Cortés e, na percussão, por outras referências da música andaluza: Jorge Pérez «El Cubano», Dani Bonilla e Miguel Junior.

Temas profundamente religiosos, como o Agnus Dei, o Kyrie ou o Cordero de Dios, vertidos na liturgia popular em ritmos de soleá, petenera ou siguriya, alternam com outros inspirados por José Saramago, a quem a cantaora sevilhana do bairro de Triana dedicou um disco, intitulado Mi voz en tu palabra.

Pouco conhecida entre nós, a não ser no aspeto folclórico, a devoção andaluza estabelece notáveis pontes entre a espiritualidade e a arte.

Revisitando a herança espiritual de Sevilha a partir do cante jondo, Esperanza evoca a religiosidade do povo cigano, a que pertence, e aproxima-a com encanto da poesia de José Saramago.

Deste diálogo entre o Divino e o Humano, vertentes indissociáveis da alma meridional, nasceu a síntese que é interpretada pela cantaora com uma autenticidade emotiva e uma vida interior que provocam calafrios e transportam os espectadores ao coração do bairro de Triana, aí onde a alma da Andaluzia se manifesta em toda a verdade. O dramatismo flui na voz de Esperanza como um rio a caminho do mar, ora serenamente, ora com a vertigem de algo que fulmina.

A realização deste espetáculo em plena Praça da República de Serpa, a poucos metros da antiga Porta de Sevilha, outrora rasgada nas muralhas desta cidade, é um sinal bem expressivo da abrangência, em clave ibérica, com que o Terras sem Sombra encara as relações entre a música religiosa e a sociedade dos nossos dias.

Na verdade, ajusta-se como uma luva à 13ª edição do festival, que tem como fio condutor “Da Espiritualidade na Arte”. Sente-se aqui o eco da abertura do património sacro traçado por D. Manuel Falcão, o bispo de Beja que defendeu e quis tornar acessível a todos essa dimensão maior da identidade do Alentejo.

 

Um tesouro alentejano: o palácio dos Marqueses de Ficalho

A tarde de sábado é consagrada a uma visita ao centro histórico de Serpa, que se inicia às 14h30, junto à Câmara Municipal, e terá por fulcro o palácio dos Marqueses de Ficalho. Este notável edifício, residência particular da família Ficalho e classificado como Monumento Nacional, abre ao público as portas, excecionalmente, nesta ocasião.

Sito na zona alta de Serpa, o palácio insere-se no conjunto das muralhas. Foi erguido por D. Francisco de Mello, alcaide-mor da povoação, em finais do séc. XVI. A obra seria completada pelos seus filhos, D. Pedro, governador do Rio de Janeiro, e D. Martim Afonso de Mello, bispo da Guarda. Trata-se de um exemplar erudito da arquitetura civil maneirista, fiel aos princípios da tratadística italiana de Quinhentos, e que chegou quase inalterado à atualidade.

A fachada principal, orientada para um terreiro, apresenta uma estrutura de grande sobriedade, ao gosto «chão». Interiormente, o palácio é dividido em salas amplas, intercaladas por galerias, cuja estrutura austera se conjuga com a «gravitas» exterior. Pouco depois de terminada a parte residencial, foi construído sobre o pano da muralha um aqueduto, destinado a abastecê-la. Viveu neste palácio o célebre botânico e escritor Conde de Ficalho (1837-1903), cuja memória perdura inalterada.

 

Proteger a biodiversidade da Serra de Ficalho

Na manhã de domingo, com partida de Serpa às 10h00, a Serra de Ficalho será o alvo de uma ação de salvaguarda da biodiversidade que tem por centro o olival tradicional. Atingindo 518 metros de altura, é a elevação mais relevante da vasta mancha de terrenos metamórficos que se estende desde a fronteira até Montemor-o-Novo, constituindo um relevo de rochas carbonatadas no seio de uma matriz xistosa. A existência de matagais densos e fechados permite o abrigo de muitas espécies de mamíferos, nomeadamente o lince ibérico.

A diferenciação do património natural desta zona verifica-se também ao nível do uso do solo e, especialmente, da vocação da serra para a cultura do olival, de cariz tradicional, com muitas variedades locais (Cordovil de Serpa, Galega, Verdeal Alentejana, Carrasquenha, Bico de Corvo, Cornicabra, Gama e Maçanilha).

Partindo de Vila Verde de Ficalho, será realizado um percurso de descoberta do território raiano nas componentes geológicas, biológicas e da sua riquíssima tradição olivícola.

Todas estas atividades – visita cultural, concerto e iniciativa de voluntariado pela biodiversidade – são gratuitas e não necessitam de inscrição.

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