Para o observador comum, é apenas mais uma alga, como tantas outras com as quais nos cruzamos ocasionalmente nas praias. Mas, para os investigadores do grupo MarBiotech do Centro de Ciências do Mar do Algarve (CCMar), é um valioso instrumento de trabalho e a matéria prima de uma linha de investigação relacionada com o combate às células cancerígenas.
Os cientistas do centro de investigação associado à Universidade do Algarve deram um passo importante, no trabalho que desenvolvem, ao ver um artigo da investigadora Catarina Vizetto-Duarte e colaboradores ser publicado «em tempo recorde», pela conceituada revista Phytomedicine.
«O trabalho foi publicado 15 dias depois de ter sido aceite e com elogios da editora. Nunca tinha tido um artigo a ser aprovado tão rapidamente», confessou ao Sul Informação, orgulhoso, João Varela, coordenador do Marbiotech, .
O artigo em causa, cujo título é «Isololiolide, a carotenoid metabolite isolated from the brown alga Cystoseira tamariscifolia, is cytotoxic and able to induce apoptosis in hepatocarcinoma cells through caspase-3 activation, decreased Bcl-2 levels, increased p53 expression and PARP cleavage», ainda não está disponível por ter sido aceite só esta semana.
Mas os interessados podem ler o trabalho que o precedeu, sobre a mesma alga castanha, existente nas nossas águas, «que é aparentada com o sargaço», «Can macroalgae provide promising anti-tumoral compounds? A closer look at Cystoseira tamariscifolia as a source for antioxidant and anti-hepatocarcinoma compounds», que pode ser consultado na íntegra online.
«Esta alga tem propriedades citotóxicas [capacidade de destruir células] e testámo-la em tumores, in vitro. Nas experiências que fizemos, desfez totalmente os tumores, sendo tóxica para as células cancerígenas», descreveu João Varela.
Os investigadores identificaram quais são as células cancerígenas que se encontram em proliferação com um marcador florescente (na figura), o que lhes permitiu observar, ao longo do tempo, o efeito de um extrato citotóxico que impeça a sua divisão celular e assim a formação de um tumor. Grosso modo, explicou o investigador algarvio, os compostos químicos que a alga contém podem não só promover a auto-destruição da célula cancerígena, mas também inibi-la de se replicar, tornando-a inativa.
Para já, esta linha de investigação ainda está numa fase preliminar, até porque se terá de estudar como é que se pode chegar a um fármaco que cause o mesmo efeito, no corpo humano. Mas há outras linhas de investigação do MarBiotech que já estão numa fase bem mais avançada.
Além desta alga castanha, são ali estudadas muitas “primas” dela, algumas das quais nem sequer são visíveis a olho nu. Mas isso não impede que encerrem dentro de si o potencial de mover carros, camiões e até aviões, sendo, igualmente, candidatas a fornecer compostos que permitam criar novos fármacos.
«O nosso foco, enquanto grupo de investigação, é a biotecnologia marinha, e começámos por trabalhar, apenas, com microalgas. Uma delas, a mais importante, era a Dunaliella salina, que cresce em salinas e é uma das principais fontes de beta-caroteno natural», enquadrou.
Mais tarde, «juntaram-se ao nosso grupo duas pessoas muito importantes, a Luísa Barreira, que é química, e Luísa Custódio, que está ligada a bioatividades». A partir daqui, o grupo começou a estudar algas macroscópicas (macroalgas), ervas marinhas, plantas da Ria Formosa, e até invertebrados marinhos, como a lesma-do-mar, o que alargou as linhas de investigação.
«Um dos focos da nossa investigação é uma microalga que resiste a praticamente tudo. Foi isolada por nós perto de uma ETAR e resiste a concentrações salinas tanto elevadas, como baixas. Também aguenta temperaturas entre os 4 e os 50 graus. Isto é inédito», explicou.
Além de ser feito “para a guerra”, este microorganismo também produz grande quantidade de lípidos.
«Isto é muito importante, pois há uma grande procura por espécies ricas em lípidos, para serem utilizadas na produção de biodiesel e também bioquerosene. Nos Estados Unidos, está em curso um grande programa financiado pela Força Aérea que visa produzir microalgas, para os tornar independentes de fontes externas para produção do combustível para os seus aviões», explicou.
Assim, a investigação feita no MarBiotech também tem uma dimensão ambiental. Isto porque as microalgas surgem como uma alternativa ao cultivo intensivo de algumas espécies de plantas terrestres, para transformação em biodiesel.
No caso dos microorganismos aquáticos, além de não se colocar a questão dos efeitos nos solos e da utilização de água doce, há uma vantagem extra, já que muitas das espécies promovem o sequestro de dióxido de carbono, contribuindo para combater o aquecimento global.
Outra potencial vantagem ambiental poderá surgir daquela que é a maior dificuldade da criação de microalgas: a disponibilidade de nutrientes, «nomeadamente fosfatos». A solução passa por «tentar utilizar as águas residuais para fazer crescer microalgas, pois são muito ricas em nitratos e fosfatos, que têm de ser retirados antes das águas serem despejadas no mar ou nos rios, sob pena de causarem um grande impacto ecológico», diz o investigador algarvio.
O MarBiotech do CCMar e a Águas do Algarve estão a tentar lançar um projeto piloto de produção de microalgas numa das Estações de Tratamento de Águas Residuais geridas pela empresa algarvia. Ou seja, no futuro, além de água mais limpa, poderão sair das ETAR da região (e não só) microalgas cheias de lípidos, para serem transformadas em biodiesel. Porém, um dos problemas a resolver é a questão do seu financiamento, «que tarda a surgir».
A riqueza e potencial dos organismos existentes na Ria Formosa e nos oceanos levam João Varela a salientar a importância de se preservar o ambiente, nomeadamente nas zonas costeiras, sob o risco de se estar a destruir espécies que podem ser determinantes para salvar vidas, no futuro.
No caso das algas castanhas, «nunca se deve tentar recolhê-las no seu ambiente natural», não só porque isso pode colocar em perigo a sua disponibilidade, mas também porque «é proibido, à luz de uma lei recente, que impede que sejam recolhidas quaisquer espécies na área de influência do Parque Natural da Ria Formosa sem autorização prévia».
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