Albufeira: limpar a lama, secar os sapatos e preparar o fogo-de-artifício

Uma semana depois das chuvas que inundaram a Baixa de Albufeira, os habitantes e comerciantes resignam-se a trabalhar para limpar […]

baixa7
Uma semana depois das chuvas que inundaram a Baixa de Albufeira, os habitantes e comerciantes resignam-se a trabalhar para limpar a cidade e poderem retomar a normalidade o mais depressa possível, com os olhos postos na passagem de ano. Entretanto, centenas de voluntários pegaram em pás, vassouras, mangueiras e baldes e puseram mãos à obra.

Um grupo de comerciantes chineses, de poucas palavras, está a limpar com uma mangueira, em frente à loja, sapatos e sandálias enlameadas.

Hermínia Ramiro está na Baixa de Albufeira com a família para aproveitar o que sobra das cheias que afetaram a cidade no dia 1 de Novembro e aproveita para levar sacos e sacos de sapatos que as lojas deitaram fora. Conta o líder da família, José Ramiro, que as barracas do acampamento onde vive, ao pé da Marina de Albufeira, «eram só lama» depois da tempestade do passado domingo. Perderam muito do pouco que tinham. «As pessoas só querem saber da Baixa, mas ninguém quer saber de nós e das nossas barracas», lamenta-se.

pescadores1 (Small)Albufeira recupera das cheias que inundaram o centro, atingindo proporções que surpreenderam os seus habitantes e comerciantes. Depois da enxurrada que destruiu um dos principais acessos ao centro da cidade, que deixou sem água e sem luz durante horas os moradores da zona e que destruiu grande parte do comércio térreo na Baixa, a cidade tenta regressar à normalidade.

No Pau da Bandeira, um ponto alto da cidade com vista para a Praia dos Pescadores e para a Avenida 25 de Abril, artéria muito fustigada pelas cheias, dois casais pedem a um transeunte para tirar uma foto com a cidade de pantanas em pano de fundo. António Madeira e a mulher são do Barreiro, dois «habitués» de Albufeira: «Como temos casa em Ferreiras [localidade próxima da cidade], ficámos um pouco preocupados e viemos cá hoje para ver o que se tinha passado», contam.

Nas escadas rolantes inativas que dão acesso à praia, encontra-se um grupo de turistas de Sevilha. Andrea, uma das visitantes de uma excursão de 50 pessoas no total, explica que resolveram marcar a viagem à cidade na passada sexta-feira. Mas não teriam sabido do que se passara? Sim, já tinham «ouvido algo» sobre o que se tinha passado, conta, «mas os rumores são às vezes verdadeiros e outras vezes falsos, sabe».

Na praia cheia de marcas de caterpillars na areia, viam-se algumas pessoas que aproveitavam o calor do segundo fim-de-semana de Novembro. Helen, uma turista inglesa, brinca com o neto debaixo de uma sombrinha na Praia dos Pescadores, juntamente com a filha. Chegaram à cidade na segunda-feira e souberam do que se tinha passado mal entraram num táxi. «O taxista contou-nos como as cheias tinham sido devastadoras», diz, mas admirou-se com a rapidez da recuperação da Baixa. «Na quarta-feira, estava muito melhor, com as pessoas atarefadas a limpar os destroços. Foi fantástico o que fizeram, há uma diferença enorme».

brunoferreira2 (Small)
Bruno Ferreira

Bruno Ferreira, natural de Albufeira, dirigente do agrupamento 714 de Albufeira do Corpo Nacional de Escutas, coordena as equipas de voluntários escuteiros que estão na cidade a apoiar os trabalhos de recuperação. Com o apoio de duas dezenas de corporações do Algarve, grupos de escuteiros ocupavam-se a varrer as ruas, a limpar a lama e a deitar fora os destroços.

Por coincidência, estava marcado um encontro regional de escuteiros entre os 18 aos 22 anos para este fim-de-semana em Albufeira. As atividades lúdicas previstas foram substituídas pela limpeza e pela assistência aos comerciantes e voluntários. Naquele momento, conta Bruno Ferreira, estavam presentes na cidade 120 jovens e 20 dirigentes divididos em grupos de seis, munidos de pás, vassouras e outro material fornecido pela Câmara Municipal de Albufeira e pela Proteção Civil.

 

«Não tive vagar de calcular os prejuízos»

Na zona que engloba a Avenida da Liberdade, Avenida 25 de Abril e o Largo Engenheiro Duarte Pacheco – conhecida simplesmente como Meia-Laranja – amontoavam-se sacos e sacos à porta das lojas, enquanto ainda se tentava salvar o que podia ser salvo.

spicy1 (Small)
Loja Spicy

Na loja de artesanato e quinquilharias Spicy, uma empregada sentada num banco à entrada lavava com água pequenas peças de artesanato de porcelana, como miniaturas de casas típicas algarvias ou de andorinhas. A proprietária da loja, Ondina Macedo, na Baixa há 24 anos, estava em casa no passado domingo quando as chuvas se abateram sobre a cidade. Só na segunda-feira é que conseguiu ter acesso à loja. Encontrou-a com a cave inundada e a parte superior com água quase até chegar a um metro.

«Foi tudo para o lixo, o que estava na cave. Era lama. Cá em cima, o que dá para aproveitar-se, aproveita-se.» Prejuízos, já calculou? «Não tive vagar», diz Ondina Macedo. A prioridade é reabrir a loja o mais depressa possível, com previsão para esta terça-feira, conta. Francisco Carvalho, marido de Ondina, exalta-se quando fala das «obras mal feitas», que já teriam começado antes das intervenções do Programa Polis. Mas é otimista: «estamos todos agora com o coração na mão. Mas vamos lutar pela vida outra vez».

bardec1 (Small)
Bruno Cardoso

Bruno Cardoso, gerente do bar D&C há seis anos e morador em Albufeira há 16, já viu muitas cheias na cidade «mas nunca nenhuma assim». Conta, com os assentos das cadeiras pendurados numa corda a secar como pano de fundo, que chegou ao bar às 11 da manhã de domingo e mandou fechá-lo mal a água começou a subir. Saíram depois dos avisos dos bombeiros pelos próprios pés, «já com água pela cintura». Quando viu bares com água pelo teto na rua em frente percebeu que os prejuízos iam ser muito avultados. Só no caso do seu bar, contabiliza, «estarão acima dos 250 mil euros». Mas quer voltar à atividade antes da passagem de ano.

Dois metros de água, lama até ao teto… «Se tivesse acontecido um mês antes, com certeza teria havido vítimas. Por sorte era dia 1 de Novembro, o fim da época, em que 80% dos bares fecham. Não havia empregados, nem clientes. Quase toda a gente conseguiu sair a tempo», conta Bruno Cardoso.

Os comerciantes elogiam o trabalho da Câmara Municipal de Albufeira na ajuda à comunidade da Baixa e dos grupos de voluntários, que distribuem sanduíches, fruta e bebidas a quem está na rua a trabalhar. Carlos Silva e Sousa, presidente da autarquia, conta ao Sul Informação que «os ânimos estão elevados». Estima que mais de 500 pessoas estejam na rua a trabalhar para reabilitar o centro.

O edil «não se importaria» que fosse aceite o pedido de estado de calamidade pelo Governo – que foi recusado – mas mostra-se otimista relativamente aos três fundos disponibilizados pelo Estado, de emergência municipal, de socorro social e da conta de emergência, esperando «que sejam adequados» face às necessidades.

Os comerciantes poderão apresentar os danos junto do Gabinete de Emergência da Câmara Municipal de Albufeira, criado na sequência dos eventos do passado domingo, e uma comissão avaliará cada caso para a distribuição dos fundos, explica Carlos Silva e Sousa.

Sobre a passagem de ano, um evento tradicionalmente importante para a cidade, que atrai milhares de turistas só para a noite de 31 de Dezembro, Carlos Silva e Sousa é categórico: «Nunca se pôs em dúvida a passagem de ano em Albufeira. Não alteramos rigorosamente nada no programa da passagem de ano». Uma cidade em contrarrelógio para poder ver, já reabilitada e mais tranquila, Anselmo Ralph em palco em frente ao mar.

 

Albufeira, uma semana depois da tempestadeFotos: Pedro Garcia|Sul Informação

Comentários

pub