Demolições voltam ao Parlamento com um histórico de polémica associado (com fotos)

Vítor Gomes tinha uma providência cautelar na mão e garante tê-la mostrado aos responsáveis pela Sociedade Polis, mas, mesmo assim, […]

Foto Carlos Filipe de Sousa
Foto Carlos Filipe de Sousa

Vítor Gomes tinha uma providência cautelar na mão e garante tê-la mostrado aos responsáveis pela Sociedade Polis, mas, mesmo assim, por pouco não viu a casa que a sua mulher herdou na zona nascente da Praia de Faro demolida.

O derrube da habitação só não se consumou porque o proprietário se colocou dentro dela, numa altura em que esta já havia sido destelhada pelas máquinas. No final, ficou apenas com o “esqueleto” da habitação e com um papel do tribunal na mão, que, no mínimo, deveria adiar a demolição.

Semanas depois, também  Liliana Vairinhos se barricou dentro da sua casa, para tentar impedir o avanço das máquinas. Neste caso, o Tribunal Administrativo de Loulé já havia negado o pedido de Providência Cautelar que a proprietária da casa tinha apresentado. No final, a casa acabou mesmo por ser derrubada.

As demolições nas ilhas-barreira da Ria Formosa estão a avançar e a deixar atrás de si um rasto de descontentamento. E se houve muitos que não contestaram a avaliação feita pela Polis, que determinou que as suas casas eram de segunda habitação e, como tal, “alvos a abater”, uma parte (minoritária) dos visados tentaram parar o derrube das casas no Tribunal.

Vítor Gomes: “O Estado criou todas as condições para as pessoas viverem aqui e, agora, tira-lhes o tapete”

Os casos que já se viveram na Praia de Faro e nos ilhotes da Ria Formosa, onde começou o processo de demolições, já fizeram correr muita tinta e chegaram, há muito, à Assembleia da República. Na próxima sexta-feira, o assunto volta ao Parlamento, com a diferença de que, desta vez, em vez de ser apenas discutido, serão votadas propostas das cinco forças políticas representadas neste órgão de soberania.

As da oposição pedem a suspensão das demolições e uma abordagem diferente ao processo, já em curso, mas as da maioria parlamentar deixam de fora esta possibilidade, focando, ao invés, o futuro das ilhas e a garantia da sua requalificação ambiental.

Esse momento é, para ilhéus como Vítor Gomes e o seu vizinho José Custódio, e, principalmente, para os proprietários de casas consideradas de segunda habitação nos núcleos do Farol e dos Hangares, na Ilha da Culatra, uma luz ao fundo do túnel.

A Sociedade Polis  já marcou datas para a tomada de posse administrativa das casas destes dois núcleos da Culatra, um processo que, na Praia de Faro, motivou queixas de prepotência e, até, «má fé», na atuação da entidade responsável pela execução do Polis Ria Formosa.

 

Providência Cautelar não chegou para impedir começo de demolição

Vítor gomes no que restou da sua casa
Vítor Gomes no que restou da sua casa

Vítor Gomes não poupa críticas aos gestores do programa Polis. Isto porque, apesar de ter mostrado um documento que lhe foi entregue pelo Tribunal de Loulé, que certificava a entrada de uma providência cautelar para aquele lote, ao próprio presidente da Sociedade Polis Sebastião Teixeira, isso não impediu que esta entidade tentasse deitar a casa abaixo, na mesma.

Segundo este proprietário, a abordagem direta à equipa do Polis e ao seu presidente impediu que as obras avançassem, num primeiro momento. Mas, no dia a seguir, às 7 horas – «duas horas antes do que é habitual»-, as máquinas voltaram, para consumar a demolição. «Para mim, isto prova que a Sociedade Polis está a agir de má-fé», defendeu Vítor Gomes, em declarações ao Sul Informação.

Da parte da Sociedade Polis Ria Formosa, chega a garantia de que, na altura em que a operação avançou, os responsáveis pelo programa de requalificação desta zona lagunar não haviam sido notificados formalmente. «Eu não me lembro de ter visto qualquer papel, nem faria diferença. Temos de ser notificados oficialmente», assegurou Sebastião Teixeira.

Vítor Gomes alega, por seu lado, que os pescadores que ali construíram as suas casas, há décadas, foram «empurrados» para lá pelas autoridades e «com a autorização da autarquia e, na altura, da Capitania». Entretanto, foram instaladas diversas infra-estruturas, como «uma escola, redes de água e luz e os passadiços, para que as pessoas cá pudessem viver».

«Após estes anos todos, vêm dar o dito por não dito e alegar que, afinal, as casas são ilegais, apesar de pagarem Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), água e luz. O Estado criou todas as condições para as pessoas viverem aqui e, agora, tira-lhes o tapete», alega.

Estes argumentos, que têm sido repetidos pelos que estão a ver as suas casas demolidas, não vingam junto da Sociedade Polis, que alega estar apenas a colocar no terreno o que foi estipulado pelo Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) do Sotavento.

 

Onde acaba a primeira e começa a segunda habitação?

José Custódio
José Custódio

Sebastião Teixeira garante que a entidade que dirige está a cumprir escrupulosamente a lei, mas isso não impede que haja uma animosidade crescente entre os proprietários das casas e a Sociedade Polis. Até porque há quem defenda que os critérios utilizados pela entidade, para decidir quais são as casas de primeira e segunda habitação, são injustos.

José Custódio é vizinho de Vítor Gomes, no extremo da chamada «Ilha de Baixo», designação dada pelos locais ao núcleo habitacional Poente da Praia de Faro. Vive na casa que já era do seu pai e que, garante, é a única casa que tem.

«Os mesmos critérios que servem para salvar uns, servem para matar outros, embora estejam na mesma situação. Não quero que prejudiquem ninguém, antes pelo contrário. Mas quero ter o mesmo tratamento dos outros», disse.

É por isso que este Tenente-Coronel dos Paraquedistas na reforma não pensa em deixar a sua casa, a não ser que «todos saiam daqui». «Quando toda a gente sair, eu saio, mas por opção própria. E não preciso que me deem nenhuma casa, eu cá me arranjarei!», disse.

Neste caso, os argumentos apresentados foram aceites pelo Tribunal de Loulé, que deferiu o pedido de Providência Cautelar apresentado por José Custódio.

Este proprietário garante não ter nenhuma outra casa e que a razão dada pela Sociedade Polis para considerar a sua casa como sendo de segunda habitação, são registos de que terá recebido cartas noutra morada, há alguns anos. E mostra uma carta que recebeu da Polis, onde essa é, de facto, a única razão avançada.

Este e outros casos são a base da contestação dos partidos da oposição às demolições nas ilhas-barreira da Ria Formosa. A discussão e posterior decisão sobre o futuro dos núcleos habitacionais segue na sexta-feira, na Assembleia da República.

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