Todos os cidadãos são iguais perante a lei?

A mim e aos cerca de 99% dos cidadãos normais, o que vale qualquer coisa como 9 milhões de pessoas, […]

conceição-branco1A mim e aos cerca de 99% dos cidadãos normais, o que vale qualquer coisa como 9 milhões de pessoas, é quase tão fatal como o destino ser-se multado, penhorado, preso ou pelo menos condenado, ainda que com pena suspensa, isto se não se cumprir a lei que, na sua maioria, se desconhece, pela linguagem hermética e porque todas as leis têm alçapões por onde fazer desaparecer certas coisas que só os advogados caros conhecem.

Tiram-nos a casa se houver uma prestação à Segurança Social em atraso, ou caso não se pague as portagens, com o Estado a cobrar juros de usurário de 4,5%, quando a taxa de indexação à Euribor não atinge sequer o 1%.

A falha da mensalidade ao Banco, ou da letra do carro, por desemprego ou degradação das condições de trabalho, expressão que na prática significa trabalhar mais por menos dinheiro, acaba em penhora pela certa.

A polícia de trânsito anda à coca de quem pise um risco, não tenha o colete normalizado para vestir em caso de acidente (não pode ser o da loja dos chineses). Uma taxa moderadora do Serviço Nacional de Saúde não paga é cobrada a 100 vezes o seu valor, uma usura ainda maior que a das finanças.

Um cartão de cidadão custa 30 euros, a renovação da carta de condução mais de 60 se contarmos com o exame médico necessário, embora se tenha o BI e a autorização de condução ainda no prazo legal.

Para um normal cidadão, a lista não acabaria mais entre taxas, taxinhas, multas, impostos, notificações, perseguições e esvaziamento constante dos bolsos tão parcamente fornecidos.

A lei exige e permite que o cidadão seja multado, extorquido pelo próprio Estado e suas instituições, perseguido pelas penhoras, e por vezes preso e condenado, como aconteceu à mulher que apanhou 15 anos de cadeia por passar cheques sem fundos e que a ministra elogiou, numa visita à cadeia sobrelotada de Tires, por ter conseguido tirar o 9º ano na prisão.

Agora, a quem pertencer ao núcleo exclusivo de 1% dos cidadãos excecionais (o contrário de normal), pode acontecer retirar cinco mil milhões para parte incerta através de um dos tais alçapões na lei.

Se tiverem o azar de ser descobertos, têm obviamente direito a uma Comissão de Inquérito na Assembleia da República, muito badalada nas televisões. Aí compõem a expressão, um ar pesaroso, atiram as culpas para o estado dos mercados, admitem compungidos terem sido derrotados pela crise, apesar da sua grande dedicação e do grande esforço para salvar a economia nacional.
Declaram-se de consciência tranquila e prometem colaborar com a investigação.

Aos jornais, o Banco de Portugal expressa dúvidas sobre se, e quando intervir e o que fazer. O Presidente da República vem muito prestimosamente à televisão, assegurar que tudo vai bem e não há problema nenhum, neste ou naquele banco titulado pelos seus amigos do peito.

Por via das dúvidas, outros tantos milhões foram entretanto guardados cautelosamente na Suíça (talvez em investimentos imobiliários na Praia da Coelha em Albufeira). Mais sofisticadamente, fazem negócios em Angola, desses que são a fundo perdido e com capitais alegadamente irrecuperáveis, se calhar usam um paraíso fiscal, que os há para todos os gostos.

Com estes ingredientes, a coisa vai demorar a apurar, sorte que não têm os desempregados, os pensionistas, ou os beneficiários do Rendimento Social de Inserção, a quem cortam logo 10% da dita pensão. Afinal, a quem fazem falta 17 moedas, se eles vivem com 170 euros?

Por isso, os cidadãos excecionais esperam sentados pela justiça. Para aliviar o stress, bebem uísque de trinta anos, ou muito patrioticamente, um porto de reserva. E nessa dolce vita perfumada de aromas exclusivos e fatos de marca, contratam por quantias milionárias escritórios de advogados cujos titulares, só por acaso, vejam lá que coincidência, acumulam a defesa com funções de deputados na Assembleia da República, de onde saem leis à medida e a gosto do freguês.

Há tempo para preparar a defesa, que as fugas de informação com quebra do segredo de justiça são muito úteis e surgem a tempo de se ocultarem papeladas e fazer desaparecer factos.

Continuam a viver numa das suas vistosas casas, que nunca são penhoradas, apesar das dívidas milionárias ao fisco e a comer o que sempre comeram, a vestir o que sempre vestiram, a andar nos jatos privados e nos carros de luxo, clamando serem alérgicos a porcarias.

Oh deuses! Castigai-os primeiro a eles e não a nós!

 

Autora: Conceição Branco é jornalista

 

 

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