Retalhos da vida dum destino turístico

Lembrei-me de Fernando Namora, a propósito do dia-a-dia de todos os que fazem a indústria do Turismo em Portugal e […]

Lembrei-me de Fernando Namora, a propósito do dia-a-dia de todos os que fazem a indústria do Turismo em Portugal e no Algarve, e que têm que ir assistindo às mais interessantes formas e maneiras de destruição de valor.

Alguns exemplos rocambolescos:

>>RTA/ATA – Turismo Cultural – em reunião com a Direção Regional de Cultura do Algarve, vem a Presidência da RTA manifestar a sua aposta no turismo cultural. Esotérico. Era já só o que faltava, depois do birdwatching, do cicloturismo e do turismo acessível.

O Algarve não tem orçamento promocional que se veja e tem a oferta praticamente toda colocada em Sol e Praia (felizmente, pois este é o maior segmento da procura mundial). Diversificar tem custos de oportunidade incomportáveis. Além disso, somos um resort turístico, não uma cidade de turismo.

Cultura? No Algarve? Qual o orçamento de Andaluzia, Canárias, Baleares, Côte d’Azur, Riviera Italiana em cultura? Não percam tempo e não desbaratem fundos. Foram célebres a mandar o Allgarve abaixo, e esse ainda tinha budget cultural que se visse, e agora volta-se a bater nessa tecla? Espero que tenham sido somente palavras de circunstância

>>RTA/ATA – Nomeações de quadros – até prova em contrário, todos merecem o maior respeito, e as nomeações e cargos recentemente distribuídos na RTA e ATA também. Além disso, é sempre difícil nomear quem não se conhece e as nomeações via CRESAP (não aplicável a estes casos) também não têm produzido nada de jeito no nosso sector, nem sequer tendo conseguido arranjar um técnico de 1ª linha com conhecimentos sólidos na área para liderar o TP.

Mas teria sido muito importante que nesta fase em que o país descobriu o Turismo, e continuando o Algarve a ser o maior destino do país, que se tivesse conseguido dar um exemplo de profissionalização deste(s) organismo(s), oxigenando-o com players de elevada craveira, peso político, conhecimentos actuais e capacidade disruptiva.

A ver pela amostra, perdeu-se uma belíssima oportunidade para avançar. Apoiei Desidério para a Presidência daquela que considero a mais importante e mais influente instituição do Algarve. Este apoio responsabiliza-o mais. Considerei que fez um belíssimo trabalho em Albufeira e é isso que espero ver, em muito maior escala na RTA/ATA.

Essa é a sua obrigação e teria que ter conseguido rodear-se dos melhores, mesmo que não fossem algarvios (até o Banco de Inglaterra já nomeia Governadores canadianos, pelo que…) e mesmo que não fossem do aparelho partidário a que pertence. Não o conseguiu. Resta-nos agora esperar um golpe de sorte, para ver resultados diferentes, a partir de inputs humanos idênticos.

>>RTA/ATA – Sazonalidade – Estou curioso para ver a apresentação dos resultados do programa de combate à sazonalidade na época baixa, no Algarve. Os benefícios e os custos. Interessam-me resultados, não volume de receitas ou de clientes (e por favor descontem a operação não-recorrente da Mercedes, que em boa hora para cá veio).

Disse e reafirmo que o Algarve só tem uma forma de combater a sazonalidade de maneira que produza resultados visíveis: é aumentando-a! Como? Aditivando procura nas épocas intermédias. Custa menos dinheiro e esses clientes pagam mais, logo o contributo para o PIB será maior.

Assim, o período Abril a Outubro conseguirá “pagar” as contas de todo o ano. Apostar em dessazonalizar por via da época baixa é um desbaratar de fundos, por mais que se pense o contrário. O mundo está cheio de boas intenções e ideias, com retornos nulos ou mesmo negativos. Fico atento, para ver se não é o caso.

>>LOULÉ e novo elenco camarário – Apoiei Helder Martins. Era o presidente certo, no momento certo, no município certo (aquele que tem os melhores turistas de todo o país, assim como a melhor oferta turística nacional, com Quinta do Lago, Vale do Lobo e Vilamoura). Seria alguém à altura do potencial da região.

Sou liberal, apesar de nem sempre PSD (e nunca CDS), mas respeitei o resultado das eleições e Aleixo há muito se mantinha no pipeline. Aprecio sempre quem é resiliente. Fez por merecer.

O que já não apreciei foram as primeiras decisões e declarações: descontinuou a política de turismo do Município (que era “português suave”, mas existia), e o Turismo nem sequer tem honras de pelouro (pelo menos no site da Câmara não indica).

Depois, descontinuou a liderança da Inframoura, que levou essa entidade a demonstrar ao país inteiro como, tanto pela lado da oferta como pelo da procura, se aumenta índices de competitividade turística e se cria relevância, centralidade e vibração. Tudo com contas em dia e modernidade de gestão e visão.

Deveria sim tê-la incentivado e multiplicado/replicado esse modelo. Ser-se competente nunca é suficiente…

Um passo atrás, que custará caro (independentemente ou não da qualidade dos sucessores)! Aleixo está no seu direito, mas é seu dever criar valor e não destrui-lo.

Ainda por cima, a região elege-o para presidir ao Conselho Regional da CCDR, onde se decide o PO Algarve 21. O Algarve (como o país) sempre teve uma inexplicável propensão para dar tiros nos pés.

 

Tal como o(s) médico(s) do romance de Namora sofria, também o dia-a-dia em Turismo é pesado. Há que encará-lo com espírito de missão, qual médico de província, para não ter um ataque de nervos ou mesmo um ataque cardíaco.

 

Autor: Mário Candeias é Gestor Hoteleiro

 

 

 

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