Ninguém se alimenta de casas vazias

Depois de alguns passos atrás como a morte sistemática do centro da cidade, o município de Portimão dá um pequeno, […]

Depois de alguns passos atrás como a morte sistemática do centro da cidade, o município de Portimão dá um pequeno, mas importante, passo em frente com a criação de um espaço destinado às hortas urbanas. Portimão junta-se assim a outras cidades algarvias, nomeadamente Faro e Loulé.

Portimão foi uma cidade que nos últimos anos andou “pendurada” na ideia de que a construção e o turismo eram os únicos fatores de desenvolvimento e agora vê-se a braços com uma situação económica complicada com dezenas de casas vazias.

Esta situação a que se chegou, não apenas em Portimão, faz-me pensar que os decisores imaginam ou imaginaram que o ser humano, eles incluídos, se alimenta da construção ou do turismo.

Com esta afirmação, não estou a desprezar estes dois sectores e reconheço desde já a importância destes para a economia regional. O que tento aqui demonstrar é que estes sectores por si só não garantem a subsistência do povo algarvio, nomeadamente no que diz respeito às necessidades alimentares, tendo de ser apoiados pelos sectores primários da agricultura e das pescas.

É aqui que a questão das hortas sociais pode ter um papel fulcral. Como afirma Ribeiro Telles, muitas vezes apelidado de louco, “as hortas urbanas são o sinal de mudança levado a cabo pelas pessoas, que pode e deve levar ao surgimento de formas de estruturação rural mais complexas que garantem a sustentabilidade e a consequente dignidade humana. Não podemos importar alimentos e exportar parafusos”.

As hortas sociais são uma temática bastante antiga que Ribeiro Telles tem defendido na cidade de Lisboa e que se tem estendido a todo o país, chegando finalmente a Portimão, cidade que se encontra no litoral, mas que, possuindo grande parte da área do concelho agrícola, tem vindo a perder a sua identidade agrícola.

Estas hortas sociais podem ainda assumir o papel de elo de ligação no que diz respeito à interface cidade-campo, nomeadamente pela sua localização, no Cabeço do Mocho (em colaboração com a DRAP).

Não podemos continuar a tratar a cidade como um sistema dissociado do campo, devemos sim tratar estes dois subsistemas como um único sistema, pois a cidade e o campo possuem funções únicas que são complementares entre si, procurando a sustentabilidade ecológica e cultural destes dois sistemas e sobretudo a dignidade humana.

A existência de uma quinta pedagógica nesta cidade pode constituir um complemento a estas hortas, pela possibilidade de criação animal, estando a sua localização bastante perto do local das hortas sociais a criar.

As famílias que enfrentam as maiores dificuldades financeiras têm agora uma pequena ajuda, podendo cultivar os seus próprios alimentos e utilizando as hortas sociais como um meio de pedagogia, levando os mais novos a brincar nestes espaços, ensinando-lhes as artes da terra, para que percebam que os alimentos não vêm da prateleira do supermercado porque no fim de contas ninguém se alimenta de casas vazias, mas sim do que a terra nos dá.

 

Autor: Tiago Águas é licenciado em Arquitetura Paisagista pela Universidade do Algarve

 

 

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