Que país?

O empenho de alguns jornalistas em desvalorizar os efeitos da greve e a insistência em destacar as suas consequências “nocivas” […]

O empenho de alguns jornalistas em desvalorizar os efeitos da greve e a insistência em destacar as suas consequências “nocivas” é um exercício de submissão que sinceramente me ultrapassa.

Já fiz greve. Farei greve tantas vezes quantas as necessárias e sempre que entenda como oportuno. Contudo, vejo colegas meus referindo-se ao protesto de hoje – como o fizeram anteriormente – em tom jocoso, quase sarcástico, como se o que se está a passar não fosse socialmente relevante.

As pessoas têm o direito de fazer ou não fazer greve. E têm o direito a ser respeitadas nessa opção.

Sei que muitos dos que hoje não vão trabalhar fazem-no condicionadas pelo não funcionamento das redes de transportes públicos. Mas também sei – ou pelo menos suspeito – que entre aqueles que não fazem greve está uma grande percentagem de gente que, aterrorizada por patrões sem escola – daqueles que ainda acham que empregado é inimigo – ou com a corda no pescoço, optam por deixar que este seja um dia normal.

A situação do país é aquela que todos nós conhecemos. Os tempos são os mais difíceis desde há muitas décadas. É uma questão de gestão de expectativas. Criámos ilusões na nossa cabeça. O Estado criou ilusões na sua própria “cabeça” e com isso contribuiu para a dormência coletiva que nos levou durante anos.

Quando aqui disse na semana passada que temos que nos ajustar, falava exatamente disto: um regresso à realidade.

Fizemos asneira. E agora, necessariamente, teremos que resolvê-la (e que se discuta a forma de o fazer).

Fomos e somos mal governados por políticos de nota 10, que nunca precisaram de gerir um orçamento familiar com poucos dígitos, que no supermercado não precisam de se curvar para apanhar os produtos das prateleiras mais baixas.

Para mim, que não sou economista (apesar de achar que os economistas são quem menos percebe de economia), o caminho está errado. Está errado porque um Estado que não pensa primeiro nas pessoas, não está a pensar bem.

O Estado não o é por si mesmo, para o ser apenas pelos cidadãos que lhe dão forma. Cidadãos, não contribuintes.

Vivemos a ditadura dos números. Os números do desemprego, os números do défice, os números da dívida, os números dos impostos. Nós próprios temos um número. E reduzimos tudo a isso, como se fosse possível sermos apenas isso.

Estou a ser demagógico? Um pouco. Mas caramba, é uma demagogia necessária, daquela que vale a pena.

Eu não sou de direita nem de esquerda. Não sou pelo governo, pelo Gaspar ou pelo Portas.

Sou por mim e sou por Portugal (e com isto faria um slogan de campanha). E não sou pela caridade. Sou pela solidariedade. Entre uns e outros e entre o Estado e todos nós, sempre que precisarmos.

Mas também sou pelo possível. Não se pode pedir mais do que aquilo que nos pode ser dado, porque achar o contrário é perpetuar a mentira que nos venderam e que nós, com alguma ingenuidade, comprámos.

Hoje é dia de greve geral. Se estivesse em Portugal (e não estou porque faço parte dos muitos milhares de portugueses que escolheram – ou foram obrigados a escolher – viver num sítio onde possam, efetivamente, viver) desligaria o computador.

O problema do nosso país é ele mesmo e somos nós. Ajustemo-nos, sim. Mas primeiro, antes de nos ‘ajustarmos’, temos que pensar e responder à pergunta que ninguém tem coragem de fazer, talvez por não saber a resposta: Que Portugal queremos?

 

Autor: Nuno Andrade Ferreira, jornalista

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