Chovam estrelas!

Há já algum tempo que um livro não me sai da cabeça: “O Triunfo dos porcos” de George Orwell: “Os […]

Há já algum tempo que um livro não me sai da cabeça: “O Triunfo dos porcos” de George Orwell: “Os que se encontravam lá fora olhavam do porco para o homem, do homem para o porco e novamente do porco para o homem, mas era já impossível distinguir uns de outros.” Assim termina o pequeno livro que, mais do que uma sátira à União Soviética, é, infelizmente, um retrato geral e intemporal da evolução da espécie humana enquanto ser social.
Gonçalo Ribeiro Telles, em entrevista à última edição verde da Visão, afirma que “a política tem-se desviado (…). Tem desenvolvido nas pessoas não o sentido de servir o público, mas a sua situação individual. Há uma ruptura e o ter passou a dominar o ser”. E aqui, afirmo eu, começamos a perder identidade.

Ribeiro Telles avalia ainda a situação do ordenamento do território como “um desastre total”, onde as câmaras estão mais interessadas em fazer dinheiro com os territórios do que geri-los, “do que criar uma paisagem que ofereça um ambiente favorável às pessoas”.

E eis que homem e besta se confundem e a ministra Assunção Cristas anuncia que “a Reserva Ecológica Nacional vai desaparecer”. Já em 2010, numa das “discussões públicas” sobre a proposta do Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, marcou-me a manipulação do povo pelos autarcas algarvios. Autarcas que gritavam de braços no ar: “Abaixo a Rede Natura”! Ali, também eu deixei de perceber se os rostos eram de homens ou de suínos! E hoje, estes mesmos autarcas devem estar já a celebrar a doce vitória que parece avizinhar-se.

Com a nova reforma da legislação ambiental, cai por terra o que até aqui foi conseguido em termos de Ordenamento de Território e que ainda nos permite falar de “Turismo de Natureza” e “Sustentabilidade”.

Com este perigo iminente de que os municípios e as tutelas resolvam autonomamente as alterações a realizar à antiga Reserva Ecológica Nacional (REN), abrem-se as portas a homens, porcos quero eu dizer, que, sedentos de ter, terão nas suas mãos territórios que deveriam ser encarados como muito mais do que simples moeda de troca, a troco de nada. Uma alteração de lei como esta não pode ser oferecida a homens não-pensantes, que desconhecem a palavra razão e têm, na sua maioria, representado a mesquinhez e pequenez que há em todos nós…se deixarmos a razão perder-se na ilusão do ter.

Há uns anos, marcou-me uma aula tida com Sousa Lara, que exerceria papel predominante para a eliminação do “Evangelho segundo Jesus Cristo”, de Saramago, de uma lista de livros propostos para o Prémio Literário Europeu. Ensinando-nos ele sobre política, falou-nos nos “Políticos estrela cadente”. Eram aqueles que mal entravam saíam, ao ver que não conseguiam abdicar dos seus próprios valores em nome de partidos ou leis (não ele, como o provou no caso Saramago). Na altura, com 20 anos, o que mais me alegrou e ficou foi a ideia de que, na política, ainda havia quem tentasse a sorte por valores mais nobres, mesmo que nos iluminassem apenas como “estrelas cadentes”. Havia uma centelha de esperança!

Hoje, espero que o nosso país se ilumine com uma chuva enorme de políticos estrelas-cadentes, que enterrem de vez o obscurantismo para o qual caminhamos em nome de um ter que é mera ilusão! E que quem caia por terra sejam estes porcos que se mascaram de gente!

E que a transformação constante que Ribeiro Telles vê nos seus jardins, e está presente em toda a natureza, tenha um final feliz.

 

Autora: Ana Carla Cabrita é licenciada em Comunicação Empresarial, com especialização em Comunicação Interna pela Escola Superior de Comunicação Social. Está a fazer uma pós-graduação em “Turismo Ativo no Meio Natural” na Universidade Pablo de Olavide, em Sevilha. Proprietária e guia na empresa Walkin’Sagres.

 

Comentários

pub