Portimão recorda a sua história do século XX através do olhar de dois fotógrafos

«As pessoas, hoje, tiram muitas fotografias, mas poucos sabem realmente fotografar». As palavras são de Francisco Oliveira, um dos fotógrafos […]

«As pessoas, hoje, tiram muitas fotografias, mas poucos sabem realmente fotografar». As palavras são de Francisco Oliveira, um dos fotógrafos portimonenses cuja obra é homenageada na exposição que, no sábado, abriu no Museu de Portimão.

Tanto Francisco Oliveira, de 93 anos, como Júlio Bernardo, de 95 anos, os dois homenageados na mostra “Uma Cidade, 2 Fotógrafos”, estiveram presentes na abertura da exposição, como sempre invadida por um mar de gente.

Um e outro, acompanhados por familiares e amigos, viram as fotos agora expostas em tamanho bem grande, comentaram os objetos que recordam o seu percurso e trabalho de décadas, reencontraram pessoas que em tempos surgiram nas suas imagens, ou os seus filhos e netos.

No fim, quando as dezenas de visitantes começaram a sair, Júlio Bernardo e Francisco Oliveira percorreram a exposição lado a lado, comentando as fotografias e as peripécias da vida um do outro.

A exposição, feita a partir do material fotográfico e outras peças do espólio de Júlio Bernardo e Francisco Oliveira – um espólio que integra a coleção do museu, depois de ter sido comprado pela Câmara Municipal – foi concebida e concretizada pela equipa do Museu de Portimão.

A exposição “Uma Cidade, 2 Fotógrafos revela os seus diversos modos de olhar Portimão, durante a década de 50 até aos finais dos anos 70 do século XX. Mas são olhares diversos que têm a ver com a história da vida de cada um deles.

Os prémios, os rolos e as máquinas de Júlio Bernardo

Júlio Bernardo fotografava por prazer e dedicava-se ainda a outras artes, como o cinema, a pintura e a cenografia, mas ganhava a vida como comerciante.

Francisco Oliveira, por seu lado, era o fotógrafo oficial de Portimão, tendo, como disse ao Sul Informação, perdido a conta ao número de casamentos que fotografou ou aos retratos que tirou, a gente de todas as idades, origens e condições sociais, no seu estúdio, primeiro situado perto da Igreja Matriz, e depois um pouco mais abaixo, na rua do Hotel Globo.

A exposição apresenta os olhares destes dois fotógrafos, patentes nas fotografias a preto e branco, colocadas dos dois lados da sala, num percurso paralelo, por vezes coincidente nos temas, mas diverso no olhar.

Logo a abrir, há duas fotografias do dia 2 de fevereiro de 1954, quando um inusitado nevão cobriu o Algarve. «Esta fotografia foi tirada na Casa Inglesa já ao entardecer, com as luzes todas acesas. Vê-se o escorrimento da neve no chão e o estacionamento dos táxis. E, no outro dia de manhã, foi muita gente ver a neve à Serra de Monchique, e eu também fui», comentou Francisco Oliveira, a propósito da sua foto.

A imagem da autoria de Júlio Bernardo, apesar de o motivo ser o mesmo, é diversa no tema e no olhar. «Para aproveitar a neve, levantei-me o mais cedo possível. Eram para aí umas nove ou dez horas quando tirei esta fotografia. Fui para a zona que batia quase todos os dias, era a minha zona preferida, por causa dos barcos, da pesca, dos pescadores».

A boneca de papelão da AGFA no estúdio do senhor Oliveira

Mas, além do espólio fotográfico de ambos, a mostra apresenta ainda o estúdio de Francisco Oliveira, com as suas bonecas de papelão gigantes da Agfa, a máquina fotográfica de fole onde as imagens surgiam invertidas (e havia quem ficasse zangado,  em especial as senhoras, porque pensavam que assim as saias lhes caíam para a cabeça e mostravam o que não deviam…), as luzes de estúdio, a porta do laboratório, a cadeira genuflexório onde eram fotografados os meninos e meninas que faziam a 1ª Comunhão. Na parede, umas dezenas de fotografias tipo passe a preto e branco dos anos 60 e 70, a mostrar os rostos de gente mais ou menos anónima que passou pelo estúdio do senhor Oliveira.

Do outro lado da sala, Júlio Bernardo é apresentado nas suas diversas facetas, não só como fotógrafo e cinegrafista premiado, mas também como pintor e cenógrafo, ligados aos Carnavais de Portimão e ao teatro. E, num ecrã, podem também ver-se excertos do seu premiado filme “Há peixe no cais“, que mostra imagens de uma cidade de Portimão inteiramente dedicada à pesca, hoje desaparecida.

Patente na Sala de Exposições Temporárias e com entrada livre, “Uma Cidade, 2 Fotógrafos” pode ser visitada até 29 de abril próximo, às terças-feiras das 14h30 às 18h00 e de quarta-feira a domingo das 10h00 às 18h00, numa organização da Câmara Municipal, através do Museu de Portimão.

Francisco Oliveira

Natural de Estombar, onde nasce em 1918, passa a residir em Portimão a partir de 1922, tendo encontrado na fotografia de estúdio a profissão que viria a exercer.

Após um período de aprendizagem, com alguns dos mais antigos fotógrafos de Portimão, entre os quais o retratista “Dias Fotógrafo” e o paisagista Luís Urbano Santos, abre o seu próprio estúdio em 1940, junto da Igreja Matriz, onde se inicia nos retratos.

Em 1948, muda-se para o seu estabelecimento de fotografia, na rua 5 de Outubro, composto por loja, estúdio, laboratório e no qual permanecerá até ao final da sua atividade.

Assumindo-se como fotógrafo profissional de estúdio, tirou inúmeros retratos, fotografias “tipo passe”, sendo constantemente requisitado para casamentos, batizados, comemorações e eventos oficiais diversos.

Embora tenha sido o retrato de estúdio o género fotográfico que mais o motivou, não deixou de captar a atmosfera urbana de Portimão e arredores, ao longo de mais de 30 anos.

 

Júlio Bernardo

Nasce em 1916, na freguesia de Ferragudo, e desde cedo manifesta gosto pelo desenho.

Aos oito anos muda-se para Portimão com os pais e destaca-se na escola do professor José Buísel através dos desenhos que aí faz dos seus colegas e do próprio professor.

Dotado de uma personalidade artística multifacetada, Júlio Bernardo revela-se para além do pintor e desenhador, um talentoso fotógrafo, cenógrafo, e cineasta.

A sua inserção nos grupos e coletividades da cidade levam-no a colaborar em eventos diversos, nomeadamente na criação de cenários para festas e para os grupos de teatro amadores locais e na decoração dos carros alegóricos do Carnaval de Portimão, na década de 50.

Mas será como fotógrafo e cineasta que Júlio Bernardo mais se destacaria, áreas em que foi reconhecido com vários prémios nacionais e internacionais.

Da sua filmografia, com cerca de trinta filmes de formato reduzido (de 8mm, super 8 e 16 mm) é de realçar o “Há peixe no cais”, um importante documento que dá a conhecer a azáfama e o movimento da descarga do peixe no antigo cais, enquanto símbolos da identidade local.

 

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