Visita virtual da família dá «injeção anímica» aos doentes do hospital de campanha

No CHUA Arena, voluntários ajudam os doentes Covid e os seus familiares a manterem os laços e a esperança

Os voluntários Isilda Gomes e Filipe Bernardo – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

«Da minha parte, para vocês todos, vai um obrigada gigante! Sou muito grata a todos os profissionais de saúde!». As palavras são da filha da Dona M., uma senhora de Loures que está desde há poucos dias internada no hospital de campanha ativado no Portimão Arena pelo Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA), para dar apoio a doentes Covid.

A filha conseguiu falar com a mãe através do sistema de comunicação implementado naquele hospital de campanha e cujo funcionamento depende da ajuda de uma enfermeira, que está junto dos doentes, e de voluntários do Serviço Municipal de Proteção Civil de Portimão, instalados numa sala separada do CHUA Arena.

A comunicação utiliza o sinal de Wi-Fi do pavilhão Portimão Arena, disponível em todas as enfermarias, e é feita pelo WhatsApp, ligando um tablet especial, que anda na mão da enfermeira, ao tablet, na sala onde estão os voluntários, e aos telemóveis dos familiares.

É, no fundo, um sistema de visitas virtuais, implementado com o recurso a tablets e à colaboração de voluntários, que intermedeiam as chamadas entre os pacientes e os seus familiares e amigos.

«Só cá falhei um dia», diz a voluntária para Filipe Bernardo, dos Bombeiros e da Proteção Civil de Portimão. «Falhou não! Não pôde cá estar um dia, porque tinha outras coisas importantes para fazer!», replica Filipe.

«Hoje quantas chamadas temos?», pergunta a voluntária, instalando-se numa cadeira, frente ao tablet. «Temos 17, mas acho que até há umas pessoas novas, que já entraram hoje, que também querem falar com a família».

A voluntária enche o peito de ar, deixa o ar sair devagarinho, como que a ganhar coragem, e diz: «Então vamos lá!»

 

Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

Ao longo de quase uma hora, sucedem-se as chamadas para os familiares – filhos, filhas, netos, mulheres, afilhados, amigos. Entre os doentes internados no hospital de campanha, que entrou em funcionamento a 10 de Janeiro, muitos são de fora do Algarve. Vêm de Odivelas, Vila Franca de Xira, Loures, ou seja, da região de Lisboa e Vale do Tejo. Quanto aos algarvios, há gente de Albufeira, Almancil, Lagos, Olhão e um único doente de Portimão. São pessoas afetadas pela Covid-19, que precisam de estar internadas, mas não em Unidades de Cuidados Intensivos, nem ventiladas.

A voluntária faz primeiro a ligação para a enfermeira Monique, que está nas enfermarias com os doentes e carrega consigo um tablet especial. «Trata-se de um equipamento mais robusto, com câmara e microfone integrados, destinado a ser usado em situações de contaminação, de altas temperaturas, até pode ir à água», explica Filipe Bernardo ao Sul Informação.

Além de Filipe, a voluntária que intermedeia as chamadas nessa sala de visita virtual é Isilda Gomes, presidente da Câmara de Portimão. De máscara na cara, reduzida a um dos quadradinhos do tablet ou do telemóvel dos familiares, ninguém sabe de quem se trata, nem ela nunca diz quem é. Não é isso que interessa ali. O que importa é pôr os doentes a falar e a ver os seus familiares e vice versa, numa visita virtual que lhes pode dar mais algum alento para vencer a doença.

Na tarde desta segunda-feira, dia 18 de Janeiro, havia quase quatro dezenas de doentes Covid internados no CHUA Arena, ocupando já cerca de um terço das instalações do hospital de campanha montado em Portimão, dotado de todas as condições de conforto e assistência.

Apesar da escassez de recursos humanos, que é o que mais falta faz nestes tempos de agudização da crise pandémica, no CHUA Arena há, em permanência, equipas de profissionais de saúde que integram médicos, enfermeiros e auxiliares.

A partir desta segunda-feira, estas equipas estão a ser reforçadas por alunos de Medicina e de Enfermagem da Universidade do Algarve. Porque todos os profissionais disponíveis são poucos, a própria presidente do Conselho de Administração do CHUA, Ana Castro, acumula as suas funções de gestão com as de médica, de serviço no Arena.

«Enfermeira Monique? Vamos agora para o senhor J., do B3», diz a voluntária Isilda. «Este senhor está um bocadinho mal, mas os familiares sabem, já falámos com eles, e querem na mesma vê-lo», explica a enfermeira. Quando a neta aparece no ecrã, o senhor J. mal se mexe, mas a neta chama-o: «Avô? Avô?». Os olhos da voluntária Isilda enchem-se de lágrimas. «Pronto, obrigada. Até amanhã!»

 

Hospital de campanha CHUA Arena – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

Os doentes e as famílias sucedem-se. Nas salas do hospital de campanha, a enfermeira Monique, toda protegida com o equipamento que a faz parecer um astronauta, não conseguiria ser ela a carregar no écrã do tablet para fazer as chamadas. Daí a ajuda preciosa dos voluntários na sala à parte, que tratam disso. A enfermeira transporta o tablet, fala com os doentes a explicar-lhes o que vai acontecer, ajeita-lhes a roupa ou o cabelo para aparecerem bonitos na imagem, por vezes responde a perguntas dos familiares, tenta dar alento a todos.

A filha de um dos idosos internados no CHUA Arena começa a chorar, mal o pai aparece na imagem. «Não chore, olhe que ele está bem aqui», diz a voluntária Isilda. «Encontre força para não chorar à frente dele», acrescenta a enfermeira. E lá conseguem conversar um bocadinho. «Já estou farto de aqui estar», diz o pai. «Olha, eu também não posso sair de casa, estamos outra vez em confinamento», responde a filha.

Por vezes, quando a ligação não está muito boa e as palavras mal se ouvem, restam as imagens. Doentes de um lado, familiares do outro, trocam beijinhos, enviados com um gesto de mão, dizem adeus uns aos outros. Fica um nó na garganta.

Uma doente, mais animada, brinca com a filha e os netos: «Isto é um hotel de 5 estrelas, tratam muito bem de nós». Depois vira-se para a enfermeira e diz: «É preciso rir por fora, mesmo que o corpo não esteja para risos».

Este ritual acontece desde o início da semana passada e tem lugar todas as tardes, quando um voluntário cria as condições técnicas para que os familiares e amigos dos internados no CHUA Arena tenham a possibilidade de fazer uma visita virtual ao paciente que está internado neste hospital de campanha. Apesar de se encontrarem geograficamente distantes, acabam por se aproximar de modo virtual.

Ao fim de uma hora de ligações, algumas delas falhadas, porque os familiares não atendem, a longa lista de contactos chega ao fim. «Monique, obrigada por hoje! Ficamos por aqui e até amanhã!», diz Isilda Gomes, recostando-se na cadeira e fechando os olhos por breves instantes.

«Isto é muito gratificante, porque este estreitar de laços funciona como uma poderosa injeção anímica para o paciente, que fica bastante agradado por poder estar, mesmo que virtualmente, com a sua família», comenta. «Mas para mim isto é duro. Sei bem o que é querer estar ao pé de um familiar doente, que se ama muito, e não poder…», acrescenta, com a voz embargada.

Para quem acha que os políticos andam sempre em campanha, no caso de Isilda Gomes, a crítica não se lhe pode aplicar. Esta segunda-feira, 18 de Janeiro, de todos os cerca de 40 doentes internados no CHUA Arena, apenas um era residente no concelho de Portimão. Não é, por isso, pelos votos que Isilda Gomes tem tirado, todos os dias, mais de uma hora do seu escasso tempo para ali estar, a ajudar pacientes de Covid e seus familiares a manterem os laços e a esperança.

 

Chegada de doentes Covid ao CHUA Arena

 

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