Dos sacos que transporta, um de cada lado e outro atrás, presos a um cinto e a alças, o João vai retirando, à vez, os pequenos medronheiros e sobreiros que está a plantar, no terreno já preparado, seguindo as curvas de nível, numa encosta da Serra de Monchique, no sítio de Monte Velho, que ardeu em 2018, no grande incêndio.
Por cada quatro pequenos medronheiros, o João planta um sobreiro. Depois de retiradas dos sacos, as plantas são postas num tubo, pelo qual deslizam até ao solo.
Basta uma pressão no tubo, que termina numa espécie de bico, para que a futura árvore fique plantada.
Por dia, o João e todos os seus colegas têm de plantar 336 plantas (seis caixas, cada uma com 56 plantinhas), numa proporção de quatro medronheiros para um sobreiro. Mas noutros locais já plantaram castanheiros ou mesmo carvalhos-de-Monchique.
Entre Setembro e Março, é este o seu trabalho. Calcorreiam as encostas da serra, tentando contribuir para recuperar a floresta destruída pelo grande incêndio de 2018, tornando-a mais resiliente ao fogo.
O mais difícil, diz João, nem é a plantação, tanto mais que o uso do tubo evita que tenha de andar o dia todo a dobrar-se. «Lindo é quando temos de carregar os fardos de palha, encosta acima ou abaixo», ironiza.
E para que servem estes fardos de palha? Destinam-se a ser usados na técnica de mulching, que passa por cobrir com palha o local onde as pequenas árvores são plantadas, de modo a «manter a humidade do solo e também a proteger as plantas no Verão», explica Miguel Jerónimo, coordenador do projeto Renature Monchique. «É uma das técnicas usadas no restauro ecológico».
Uma técnica que tem ajudado a que, neste projeto em curso na serra de Monchique desde 2019 (no ano a seguir ao grande incêndio), a taxa de sobrevivência das árvores plantadas seja de 60%, apesar dos anos de seca que se têm vivido.
Todo este trabalho árduo de reflorestação insere-se no projeto Renature Monchique, que tem como objetivo restaurar áreas devastadas, apoiar a comunidade local na recuperação após a destruição causada pelos incêndios e mitigar os impactos futuros das alterações climáticas, mudando a paisagem com espécies mais resilientes ao fogo, promovido e gerido pelo GEOTA (Grupo de Estudos do Ordenamento do Território e Ambiente), com o apoio financeiro da companhia aérea irlandesa Ryanair.
Ora, na passada quinta-feira, o GEOTA pôde partilhar uma boa notícia: que a Ryanair vai apoiar mais um ano de plantações e de gestão, com 400 mil euros. Uma nova tranche de financiamento que permitirá à low-cost irlandesa totalizar 1,8 milhões de euros de apoio ao Renature Monchique.
O anúncio foi feito numa conferência de imprensa no alto da Fóia, o ponto mais alto (902 metros) da serra de Monchique, que contou com representantes dos parceiros deste projeto: Américo Ferreira, da direção do GEOTA, Elena Cabrera, da Ryanair, Paulo Alves, presidente da Câmara de Monchique, André Gomes, presidente da Região de Turismo do Algarve, e ainda António Miranda, do ICNF.
No total, são já 1400 hectares plantados, com 383 mil árvores de espécies autóctones, em terrenos de 77 proprietários privados, na área que foi devastada pelo fogo, em 2018. Neste que será o sexto ano de projeto no terreno, o objetivo é plantar mais 125 mil árvores até Fevereiro próximo, atingindo assim o objetivo das 500 mil árvores plantadas.
«É impossível recuperarmos todos os 28 mil hectares da área ardida em 2018, mas estes 1400 hectares já têm muito significado», salientou Miguel Jerónimo na conferência de imprensa que serviu para apresentar o novo apoio da Ryanair.
Como o projeto trabalha com alguns proprietários há seis anos, alguns deles «já estão a colher, literalmente, os benefícios económicos», nomeadamente os que plantaram medronheiros, que começaram a produzir.
O GEOTA tem uma equipa permanente e profissional de 12 pessoas, como o João, a trabalhar na serra de Monchique, «de Setembro a Março, de segunda a sexta-feira». «O ciclo completo de reflorestação é feito por esta equipa», explica Miguel Jerónimo, sem custos para os proprietários.
No início do projeto, até havia alguma desconfiança por parte dos proprietários. Mas agora, ao fim de seis anos no terreno e já com resultados palpáveis, até há lista de espera de proprietários interessados. «Asseguramos que os proprietários que não têm capacidade, por si só, de investir e recuperar, depois de um desastre como o de 2018, têm esta hipótese».
O objetivo principal é restaurar as áreas afetadas pelo incêndio, mas numa perspetiva de sustentabilidade ambiental, social e económica. Por isso mesmo, como explicou Miguel Jerónimo, este é um projeto «muito orientado para a cortiça e para o medronheiro, de modo a haver sustentabilidade económica».
Assim, 80% da área intervencionada foi plantada com sobreiro e medronheiro, e os restantes 20% com castanheiros e carvalhos-de-Monchique, mas, no caso desta última espécie, só «em zonas residuais, com mais de 700 metros de altitude, viradas a norte e com mais humidade».
O carvalho-de-Monchique (Quercus canariensis), aliás, é uma espécie autóctone, que só existe na serra que lhes dá o nome e nos vales da bacia do rio Mira, e da qual só se conhecem 250 árvores adultas, o que a coloca «criticamente em perigo». Ora, desde o início do Renature Monchique, já foram plantados 3000 carvalhos-de-Monchique, já havendo «árvores com três a quatro metros de altura».
Trata-se, segundo Miguel Jerónimo, de uma ação «muito simbólica na preservação daquilo que é uma relíquia da região, o carvalho-de-Monchique».
E depois de Fevereiro do próximo ano, será que o projeto vai continuar? Tudo depende da continuidade do financiamento.
Elena Cabrera, da Ryanair, afirmou: «é um projeto em que já estamos a trabalhar há seis anos, gostamos muito dele, é para continuar».
Poderá haver, portanto, boas notícias para o futuro.
O que eles disseram:
Américo Ferreira, da Comissão Executiva do GEOTA: “Este projeto nasceu da necessidade urgente de restaurar áreas devastadas, apoiar a comunidade local na recuperação da destruição causada pelos incêndios e mitigar os impactos futuros das alterações climáticas. Até agora, conseguimos plantar mais de 383 mil árvores e apoiar 67 proprietários e suas famílias. Ao plantar mais 125 mil árvores e a apoiar mais 10 proprietários estamos a realizar um esforço conjunto e contínuo para devolver à Serra de Monchique a sua vitalidade ecológica e social”.
André Gomes, presidente da Região de Turismo do Algarve: “O projeto Renature Monchique é uma iniciativa exemplar na recuperação e preservação da serra de Monchique, consolidando o Algarve como destino de Turismo de Natureza. Através da reflorestação com espécies autóctones, estamos a regenerar uma área profundamente afetada pelos incêndios de 2018, protegendo a biodiversidade e enriquecendo a experiência dos visitantes. Este esforço conjunto, liderado pelo GEOTA, com o apoio da Ryanair, do ICNF, do Município de Monchique e do Turismo do Algarve, reflete o nosso compromisso com um turismo sustentável que valoriza o património natural e reforça a ligação entre a comunidade local e a natureza que nos distingue”.
Paulo Alves, presidente do Município de Monchique: “O projeto Renature Monchique promove a recuperação ecológica das áreas afetadas pelo incêndio de 2018, incentivando a recuperação do seu potencial produtivo, sem esquecer a necessidade de incentivar a conservação das espécies autóctones tão caraterísticas da Serra de Monchique, e que tão bem representam a sua riqueza ambiental e singularidade regional. Envolve diretamente os proprietários, impulsionando uma gestão mais ativa e informada das suas propriedades, o que, a médio prazo, se irá traduzir na geração de valor ao nível das produções florestais mais tradicionais, como o sobreiro e o medronheiro. Mas também potenciando a renaturalização de algumas áreas com espécies de elevado valor para a conservação, como são o caso do carvalho-de-Monchique e do castanheiro”.
António Miranda, diretor regional adjunto do Algarve do ICNF: “O ICNF reconhece a importância do projeto Renature Monchique para fortalecer a biodiversidade e a capacidade de recuperação da serra de Monchique, promovendo um ambiente mais sustentável e equilibrado. Esta iniciativa convida a sociedade civil a participar ativamente na preservação e na gestão dos espaços naturais. Desde o início, colocamo-nos à disposição para colaborar e contribuir para o sucesso deste projeto”.
Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação e GEOTA
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