«Trabalhar com e não para os jovens», ouvi-los e absorver as suas ideias para fazer uma adenda à Carta do Porto Santo: este foi o principal objetivo da residência que o concelho de Loulé acolheu, entre os dias 3 e 6 de Novembro, dinamizada pelo Plano Nacional das Artes juntamente com outros parceiros.
Às 10h00 desta quarta-feira, numa sala do Palácio Gama Lobo, em Loulé, cerca de uma dezena de jovens de vários países europeus afinavam os últimos detalhes do relatório que permitirá melhorar a Carta do Porto Santo, que desde 2021 serve de mapa orientador de princípios e recomendações para aplicar e desenvolver um paradigma de democracia cultural na Europa. A ideia partiu do Plano Nacional das Artes, mas conta com o envolvimento da Organização dos Estados Iberoamericanos, UNESCO, e muitos outros parceiros nacionais.
Mas o que trouxe estes jovens até aqui?
Criada em 2021, a Carta do Porto Santo tem recomendações para três setores – para quem faz as políticas culturais, para as instituições educativas e culturais e para os cidadãos no geral.
«Depois de assumida, demo-nos conta de que não tínhamos ouvido os jovens acerca disto e, por isso, o Plano começa um processo, a partir de 2021, de auscultação ao nível da Europa, para ouvir o que para os jovens é importante ao nível da cultura. Esta auscultação já aconteceu: em Novembro do ano passado, fizemos uma conferência nas Caldas da Rainha, e estes jovens que aqui estão são uma espécie de mensageiros de todos os outros.Com as suas vozes, estão aqui para construir uma adenda à carta», explica ao Sul Informação Ana Bela Conceição, coordenadora intermunicipal do PNA.
Pedro Manuel, um jovem de 19 anos natural de Loulé, foi um dos escolhidos para fazer parte deste grupo.
Tratando-se também de uma iniciativa de descentralização cultural, acharam que o seu contributo seria essencial para o debate.
Apaixonado por música, desde que se lembra, o jovem lamenta que as artes ainda sejam vistas com algum estigma e espera que esta adenda à Carta «mude mentalidades».
«Acho que faltam ferramentas para percebermos e valorizarmos a cultura – e acho que isso vem muito da escola, em que o currículo planta crenças em nós de que a cultura é uma perda de tempo e uma coisa para certo tipo de pessoas, mais elitista, por vezes, mas não, a cultura popular, por exemplo, também é importante», salienta Pedro, em conversa com o nosso jornal, apontando para uma peça de empreita que está exposta no Palácio Gama Lobo.
«Este espaço é um bom exemplo disso. Se calhar, os jovens não se sentem convidados a entrar, esse também é um tema que temos discutido aqui: que é o facto de os espaços parecerem estar fechados, assim como a ideia de que artes é um curso sem futuro. Mas se as artes forem mais valorizadas pela sua importância, isso mudará», continua o jovem.
As ideias (mal) enraizadas na sociedade não são, porém, apenas essas. Outra, também mencionada por Sara Brighenti, sub-comissária do PNA, é a de que os jovens de hoje em dia não se preocupam com nada.
«O que se passou aqui nestes dias mostra exatamente o contrário. O mais impactante foi ver que tivemos aqui um grupo muito comprometido, muito inteligente, que sabe divertir-se, pensar em conjunto, e que foram os primeiros a aparecer para começar o trabalho. Portanto, houve aqui uma inteligência coletiva que ligou as pessoas, tanto neste prazer de estarmos juntos, como no prazer de trabalharmos juntos para uma finalidade comum», confessou a sub-comissária ao Sul Informação.
Além disso, Sara Brighenti afirmou que «os jovens consideram que os negligenciam demasiado», mas que querem mostrar que são «uma força do presente».
«A primeira reclamação é: usem a nossa sabedoria, que é diferente da vossa, mas ela existe. Confiem em nós, nós queremos participar, nós não queremos ser um agente passivo, como se fôssemos um pote para encher de conhecimento, nós não somos isso, nós somos uma chama viva que quer participar», continuou.
E a vontade de participar sentiu-se, de acordo com a organizadora, desde o primeiro ao último dia. Nas atividades mais teóricas, mas também nas mais dinâmicas, nos jantares, nos almoços e até no passeio a Querença.
Loulé foi, aliás, o sítio escolhido para este encontro devido às suas características geográficas, mas também à importância que já dá à cultura.
«Quando pensámos em fazer este encontro, pensámos que tínhamos de o fazer num sítio descentralizado, onde pudesse surgir algo de novo e diferente do que é habitual. Ir para Loulé e Querença, estar em contacto com a natureza, e podermos estar neste lugar absolutamente inspirador, de relação com a nossa identidade, foi a escolha. Loulé dá corpo aos princípios que esta Carta também nos traz e sentimos todo o apoio por parte da Câmara, que nos quis apoiar em todos os níveis e a ler o conjunto de propostas que saem daqui», rematou Sara Brighenti.
O Plano Nacional das Artes, que está agora na segunda fase de implementação, tem, de acordo com Sara Brighenti, trabalhado muito, nos últimos cinco anos, a ideia de que a cultura, sendo um pilar da educação, também é um pilar da escola como espaço de fusão, de diversidade e pluralidade.
«Estes primeiros cinco anos foram o momento em que apresentámos essa forma de ser escola diferente. E que agora eles estão a implementar. Começámos com 65 agrupamentos e, neste momento, temos mais de 525. Portanto, agora temos aquelas escolas que já estão connosco há cinco anos e são muito maduras e que já podem ensinar outras escolas a fazer. E o Algarve nisso é um exemplo porque é a região onde chegamos a mais escolas».
Nestas escolas, a sub-comissária do Plano Nacional das Artes afirma que houve efetivamente uma mudança.
«Percebeu-se que não são só os professores das artes que têm de cuidar das artes, são todos os professores, toda a comunidade educativa. Em alguns projetos culturais, houve um grande envolvimento da comunidade, dos pais e daqueles que fazem o tecido cultural educativo daquela região, daquele território, e isso é muito importante», salientou, reforçando ainda a importância que foi abrir a escola aos intervenientes de fora.
«Por isso, passámos a trazer para as escolas os mediadores culturais, diretores de museus, técnicos das bibliotecas, os vereadores da cultura, os decisores políticos daquela região, pais, artistas, enfim, aqueles que, na verdade, se quiseram comprometer com o plano cultural daquele agrupamento. Esta mistura entre o que está dentro da escola, a comunidade escolar e a comunidade extraescolar trouxe muitas mudanças e trouxe muitas oportunidades, porque, por vezes, os recursos surgem destas parcerias que são feitas», finalizou.
Ainda assim, Sara Brighenti admite que há «um longo caminho a percorrer» e frisa que, «tal como a Carta do Porto Santo, que é aberta», o PNA está sempre a evoluir e a adaptar-se com os contributos de todos.
Fotos: Mariana Carriço | Sul Informação
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