Câmara de Lagoa investe no restauro do frágil espólio da Misericórdia de Estômbar

Dois projetos de salvaguarda do património foram apresentados pela autarquia. Mas há mais em curso

«Nunca tivemos em mãos uma escultura tão fragilizada devido ao ataque xilófago», de térmitas. As palavras são de Daniela Morgadinho e Milene Santos e dizem respeito à imagem do Cristo Jacente (ou Senhor Morto) da Igreja da Misericórdia de Estômbar (Lagoa).

Estas duas conservadoras-restauradoras são responsáveis pelo difícil trabalho de recuperação da escultura, que, sobretudo devido ao ataque de térmitas, «já não tem uma mão e está oca».

A revelação foi feita durante a apresentação do projeto de “Conservação e restauro de bens culturais da Igreja da Misericórdia de Estômbar”, que teve lugar a 30 de Outubro, na Quinta ARVAD, perto daquela vila.

A intervenção, promovida pela Santa Casa da Misericórdia estombarense, é inteiramente paga pela Câmara Municipal de Lagoa, que investe neste projeto de recuperação do seu património 77.750 euros.

Vítor Santos, provedor da Misericórdia de Estômbar, recordou que a igreja é «um dos mais antigos edifícios religiosos do concelho», mas sublinhou que «enfrenta acentuada degradação, sobretudo devido ao bicho da madeira». Por isso, agradeceu à Câmara de Lagoa, já que a Misericórdia, por si só, «não teria dinheiro» para esta operação.

Pedro Gago, conservador-restaurador da antiga Direção Regional de Cultura, hoje integrada na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, destacou «o enorme património que a Santa Casa da Misericórdia de Estômbar tem e que urge preservar e conservar».

Depois de sublinhar o «património singular» das Misericórdias, Pedro Gago referiu a boa qualidade do projeto: «foi feito o mapeamento de todas as patologias, a intervenção começa naquilo que é mais urgente (o Cristo Jacente), sendo escalonada no tempo».

«Há todo um trabalho invisível de conservação e restauro que às vezes não se percebe, mas é tão importante», concluiu.

 

Pormenor dos estragos no Cristo Jacente

 

Os bens culturais a restaurar incluem o seu arco triunfal e capela-mor, que oferecem pinturas do séc. XVIII (1767), com o retábulo do altar em talha dourada, o crucifixo de madeira com o “resplendor da glória”, duas imagens de roca representando Nossa Senhora da Soledade e São João Evangelista, possivelmente originárias da segunda metade do séc. XVII, uma escultura do Senhor Morto sob o altar, 14 bandeiras da Irmandade, nove varas de mando, entre outras imagens religiosas e objetos litúrgicos e o expurgo/ fumigação da Igreja e sacristia.

Aliás, a fumigação de todo o espaço e de todo o espólio já foi feita, seguindo-se a aplicação de um biocida.

Em todas estas intervenções em peças feitas de madeira, além de trabalhos de remoção de sujidades ou de repintes, há um denominador comum: parar e tentar reverter os estragos feitos pelas térmitas. Não é uma batalha fácil.

Mostrando fotografias do estado em que encontraram o Cristo Jacente, as conservadoras-restauradoras salientam que a escultura, relativamente pequena (cerca de 1.35 metros de comprimento), terá de ser tratada no ateliê da sua empresa de conservação, em Torres Vedras.

Para isso, foi toda coberta com papel japonês, de modo a proteger a frágil peça carcomida pelo bicho, e transportada numa caixa especialmente construída para a acondicionar em segurança.

Na fase de restauro, «o grande desafio será o preenchimento do suporte, porque já tem muitas lacunas», explicam, adiantando que terão de ser feitas «reconstituições volumétricas», nomeadamente da mão que falta, do ombro e do nariz do Cristo. Ou seja, onde faltarem pedaços da escultura, estes terão de ser feitos de novo, em madeira, e postos no sítio, para devolver o aspeto original à peça.

«O restauro não será feito aqui, sob o olhar das pessoas, porque temos de levar a escultura para o nosso ateliê. É muito importante ir fazendo as atualizações, mantendo as pessoas informadas, para gerir as suas expectativas».

 

 

No caso das restantes peças – altar-mor, mobiliário da sacristia, as catorze bandeiras e as duas imagens mais pequenas -, a sua recuperação será feita in situ, no local.

As bandeiras da Irmandade eram utilizadas na procissão do Senhor dos Passos, «mas desde 2015 nunca mais saíram», explicaram Ana Rita Monteiro e Ana Carvalho, as outras duas conservadoras-restauradoras que têm a seu cargo estas peças.

As bandeiras, de face dupla, são do século XVII, sendo pinturas a óleo representando as 14 obras da misericórdia. Uma 16ª bandeira já tinha sido intervencionada em 2003 pela Fundação Gulbenkian.

Entre as patologias encontradas, destaque para o grande desgaste das telas, o facto de três das bandeiras já não serem as originais, sujidade superficial, oxidação da pintura, que se tornou muito escura, algumas lacunas (rasgões, por exemplo), e, mais uma vez, ataque dos xilófagos, neste caso, nas grades de suporte, que terão de ser substituídas.

Os trabalhos de Conservação e Restauro do Património Móvel e Integrado da Igreja da Misericórdia de Estômbar já começaram em Outubro passado e deverão prolongar-se ao longo de um ano, até Outubro de 2025.

Entretanto, para ir mantendo a população a par do andamento dos trabalhos, «durante o ano de 2025, haverá mais momentos de apresentação pública dos resultados», anunciou Ana Martins, vereadora da Cultura da Câmara de Lagoa.

 


Lagoa vira atenções para o património
«No centro da nossa estratégia cultural para o concelho, está a Casa da Cidadania, que é um museu diferente», disse Luís Encarnação, presidente da Câmara de Lagoa, na apresentação pública dos projetos de salvaguarda “Estudo e caracterização patrimonial e arqueológica do Ilhéu do Rosário” e “Conservação e restauro de bens culturais da Igreja da Misericórdia de Estômbar”.Da Casa da Cidadania (já em construção, no antigo edifício dos Paços do Concelho), «sairá um roteiro museológico e cultural, ao encontro da identidade de Lagoa», acrescentou o autarca.No que diz respeito ao património religioso, Luís Encarnação recordou o investimento feito pela autarquia no restauro do órgão da Igreja Matriz de Lagoa, que ainda recentemente passou a integrar o Festival de Órgão do Algarve.

«Era uma peça que estava esquecida e abandonada, apesar de ser um instrumento único, fabricado em Itália», recordou.

Além dos trabalhos em curso na Igreja da Misericórdia de Estômbar, também a Matriz desta vila, único monumento nacional do concelho de Lagoa, foi alvo de conservação, seguindo-se, «em breve, a Capela de Santo António, na Mexilhoeira da Carregação», revelou o edil.

«Cabe ao Município de Lagoa, no âmbito das suas atribuições e competências, assegurar a preservação e recuperação do património cultural, e é isso que iremos fazer, mais uma vez. Temos muito orgulho do nosso passado, da nossa cultura e património e queremos perpetuá-lo no tempo, dando-o a conhecer às gerações mais novas», afirmou Luís Encarnação, presidente da Câmara Municipal de Lagoa.

 

 

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