A Orquestra de Jazz do Algarve comemora, no domingo, 6 de Outubro, os seus 20 anos de existência e dez de residência em Lagoa, com um concerto dedicado a Count Basie, marcado para as 17h00, no auditório municipal de Lagoa.
O trompetista Hugo Alves, diretor e fundador da Orquestra de Jazz do Algarve (OJA), disse, em entrevista ao Sul Informação, que o concerto vai apresentar, pela primeira vez no Algarve (e provavelmente no país) todo o disco «Basie Straight Ahead», lançado por Count Basie e a sua orquestra em 1968.
«É um disco que é um marco», até por ser «o álbum que marca a primeira colaboração entre Basie e o seu orquestrador Sammy Nestico».
Além disso, «quando em 2004, neste preciso dia 6 de Outubro, a Orquestra fez o seu primeiro ensaio, em Lagos, a primeiríssima linguagem que apresentei aos músicos, e que serviria como base de trabalho, foi a música de Count Basie», recordou o diretor da OJA.
Há poucos meses, a sugestão veio do pianista da Orquestra, Diogo Russo: «…e porque não fazer o Basie Straight Ahead completo?». E é assim que a OJA vai «tocar um repertório que já fizemos aos poucos ao longo dos anos, mas nunca todo junto», acrescentou Hugo Alves.
«Iremos assim interpretar um dos maiores marcos em matéria de registos discográficos: em 1968, Sammy Nestico compôs e orquestrou todos os temas para este disco da Orquestra de Count Basie. Um disco intemporal, que se tornou histórico, central na história das Grandes Orquestras, central na história do Jazz, e que marca uma colaboração de décadas entre os dois músicos».
Mas o prato forte destes dias está a ser a presença no Algarve, para três concertos, da norueguesa Silje Nergaard, uma das vozes incontornáveis do jazz europeu.
Somando mais de 30 anos de atividade, Silje começou a sua carreira aos 16 anos e já conta com 16 álbuns publicados e uma invejável soma de prémios.
«Pioneira nos seus trabalhos, conseguiu criar um som distinto, onde a suavidade da sua voz, e estilo, são preponderantes», explica a Orquestra da Jazz do Algarve.
A sua relação com orquestras de Jazz não é nova, destacando-se a colaboração com a Metropole Orchestra (Países Baixos), que lhe valeu a nomeação para um Grammy, ou ainda, a colaboração com a WDR, uma das maiores Orquestras de Jazz na Europa (Alemanha).
Neste encontro com a formação algarvia, «vamos apresentar um repertório de originais da cantora, aqueles que mais representam a sua carreira, com arranjos originais», revelou ainda Hugo Alves.
A cantora norueguesa, depois de já ter passado pelo Cineteatro Louletano, em Loulé, com casa esgotada, no dia 29 de Setembro, vai ainda apresentar-se em Lagoa (19 de Outubro) e em Lagos (centro Cultural, 24 de Outubro), no âmbito da terceira edição do Algarve All jazz, programação que junta a OJA àqueles três municípios, com o apoio da DGArtes.
Aproveitando a estadia de Silje Nergaard na região algarvia, no dia 22, às 18h00, haverá também, no Centro Cultural de Lagos, a Masterclass Sound Capsules, dirigida a músicos e estudantes de música.
Em Dezembro, a Orquestra de Jazz do Algarve convida de novo Carlos Guilherme, tenor do Teatro de São Carlos, que até tem ligações a Lagoa.
Estão assim programados quatro concertos, nos dias 14 (Lagoa), 15 (Silves), 21 (Lagos) e 22 de Dezembro, na Igreja Matriz de Monchique.
No site da OJA, assinalando o seu 20º aniversário, Carlos Guilherme comenta: «Jamais esquecerei a prestação que me foi solicitada e cumprida com excelentes músicos que me proporcionaram uma incursão no mundo do Jazz. Sendo tenor lírico em São Carlos, foi uma experiência altamente enriquecedora». Uma experiência que irá agora repetir.
Na sua entrevista ao Sul Informação, o diretor da Orquestra de Jazz confessou que, no meio do muito trabalho que a OJA tem, as comemorações do 20º aniversário não representam um ponto de chegada, mas antes «uma continuidade».
«Sinceramente não há muito tempo para estar a olhar muito para trás e tentar fazer uma resenha histórica. Claro que há alguns pontos que são muito importantes e sobretudo também a justificam». No seu site, aliás, a Orquestra está a reunir depoimentos de músicos, portugueses e estrangeiros, bem como de fotógrafos e outros agentes culturais, e ainda de representantes de instituições, sobre estas primeiras duas décadas de vida.
Voltando aos primórdios, Hugo Alves recorda que o que o influenciou foi «o clima do jazz, que ainda assim sendo pouco no país, existia cá no Algarve pelos anos 70, 80. Caso contrário, talvez eu não tivesse sido músico de jazz».
Marcaram-no «a existência de um primeiro clube de jazz em Lagos, que era o Navegador, mais tarde o Stevie Rays, o Barroca, o Barimbar, também ainda nos anos 80, que foi bastante importante, onde tocaram os primeiros músicos de jazz portugueses. Depois também a colherada que o Manuel Guerreiro deu em Lagoa, primeiro com o Caldeirão, em Ferragudo, depois com o Manoel’s Club, no Carvoeiro.
«Tudo isto fez com que um grupo restrito de pessoas, que eu não considero elitista, que gostam de jazz, acabassem por ter alguns sítios onde pudessem estar juntos e cultivar este tipo de música», recordou.
«Isto é uma primeira fase que é, digamos, a pré-história do jazz do Algarve. Sem isto, não teria sido possível haver estruturas como a nossa», que começou mesmo por se chamar Orquestra de Jazz de Lagos.
«E depois foi, de facto, a sorte que tivemos de ter um festival em Lagos, que era o Lagos Jazz. Naquele ano, tínhamos tido um apoio pontual da DGArtes, o que permitiu fazer um workshop muito maior e com isso ter um grupo grande de alunos. Foi daí que surgiu a Orquestra de Jazz, com alunos», acrescentou Hugo Alves.
«Há ainda um clique fundamental, que foi o Duarte Costa, que era o meu colega e meu irmão da música de toda a vida. Numa pergunta que surgiu em conversa com a doutora Joaquina Matos [que era então vereadora da Cultura da Câmara de Lagos], que gostava muito da ideia de ter uma formação permanente em Lagos, deu-se esse clique, entre nós os três. O Duarte acabou por aparecer no dia seguinte com uma lista de músicos, a Câmara apoiou e eu estava lá para dar a continuidade e os ensinamentos que eram necessários para acontecer».
A partir daí, lembrou o músico, «a orquestra foi criada e foi criada com uma posição muito clara de se tornar profissional. Ainda tivemos alguma resistência e incompreensão por parte dos músicos, que não percebiam qual é a diferença entre uma estrutura amadora e uma estrutura profissional. Mas pronto, conseguimos começar aí a nossa caminhada e cá estamos, vinte anos depois».
Um passo importante na carreira da Orquestra de Jazz do Algarve foi o protocolo com a Câmara de Lagoa, há dez anos, que lhe permitiu usar como quartel general uma antiga escola no concelho.
«Desde 2006 que a Orquestra tem tido apoios da DGArtes. Mas 2014 é uma data importante, que é quando vamos para a Lagoa, o concelho que mais nos apoia e que é fundamental em todo este processo de consolidação», salientou.
«Um pouco depois, conseguimos dar o salto para os apoios sustentados da DGArtes, que melhoram substancialmente» as verbas com que a OJA pode contar, para programar toda a sua atividade.
Com base nesses apoios sustentados da DGArtes, o diretor da OJA conseguiu «chamar um pouco a região a apoiar a Orquestra. Hoje colecionamos, não sei bem de qual é o número exato, mas são 12 ou 13 apoios que incluem a maioria dos Municípios e também já há algumas Juntas de Freguesia».
E quanto a apoios de empresas privadas?
«Nós temos todos os pergaminhos nesse sentido, temos direito ao mecenato cultural, temos declaração de elevado interesse cultural, somos instituição de utilidade pública, mas, de facto, recebemos mais apoio inclusive através do IRS, das pessoas que querem contribuir, do que propriamente das empresas. As empresas, em Portugal, de uma forma geral, estão pouco viradas para este tipo de forma de atuar na sociedade. No Algarve, que é uma zona turística que precisa de animação, não há essa prática de apoio ou de mecenato, infelizmente».
A cultura, salientou Hugo Alves, «também faz parte da animação e do entretenimento», mas isso pouco parece interessar às empresas algarvias ou que operam na região.
E nem sequer podem alegar que o jazz não interessa ao público. «Nós fazemos repertórios muito variados, que vão dos jazzes mais ecléticos até coisas mais comerciais», recordou.
Além disso, «o facto é que as nossas previsões de público anuais, nos relatórios, andam à volta das 35 mil pessoas, mas os números acabam por rondar os 50 mil».
«Era interessante que a indústria do turismo percebesse qual é o valor cultural que nós trazemos e acrescentamos à região. Nós e todas as entidades da cultura, obviamente, que trabalham e funcionam no Algarve. Porque, se não houver este produto na rua quase diariamente, que felizmente as Câmaras Municipais colocam, o panorama seria muito diferente».
Apesar dos orçamentos sempre apertados, a Orquestra de Jazz do Algarve mantém a sua «teimosia» de ir gravando discos. «Os mais recentes são com a Jane Monheit, anteriormente com o Rick Margitza e Vânia Fernandes, e vamos por aí fora. Já é uma série de edições, que estão todas disponíveis nas redes de música digital. Fisicamente, os discos também estão disponíveis até terminarem, porque hoje já não há muita gente que utiliza CD. Sim, continuamos a fazer discos, ainda temos essa teimosia»
Certo é que, admite o diretor da OJA, «a nossa influência na região é bastante grande, estamos a falar de 20 e tal a 30 concertos por ano, com a formação de Orquestra. Depois, também temos as pequenas formações que fazem cerca de 40, 50 concertos. E temos de juntar os workshops. É assim: não há semana nenhuma, em média, em que não aconteçam uma ou duas atividades».
Quanto à programação, tem de ser preparada com muita antecedência, porque não é fácil conseguir trazer ao Algarve grandes nomes do jazz português ou internacional, se assim não for.
«Às vezes, solicitam-nos concertos ou outras atividades que não conseguimos dar, por ser em cima da hora. A nossa agenda é marcada com muita antecedência», explicou. Além disso, a Orquestra está sempre a trabalhar em várias frentes, o que traz dificuldade acrescida ao seu trabalho.
«Dou o exemplo do que está a acontecer agora: nós estamos há mais de um mês a preparar os concertos da Silje Nergaard, mas agora, no meio, temos o concerto com a música de Count Basie para fazer. E depois voltamos de novo aos concertos com a Silje. E isto não é uma novidade para nós, acontece-nos muitas vezes durante o ano. Portanto, nós normalmente trabalhamos ao mesmo tempo dois, três repertórios. Eu tento que não seja mais do que isso, porque temos de manter a nossa sanidade artística. Não é fácil, mas às vezes tem de ser. Por causa de questões de agenda, dos artistas, dos convidados ou das próprias datas que nos são solicitadas».
Quanto ao público, que há dez anos teria mais estrangeiros que portugueses, «agora essa situação está invertida».
«Os portugueses também já nos conhecem e seguem, o que é muito bom. Assim como os estrangeiros residentes. No Verão, obviamente temos os turistas, sejam portugueses ou estrangeiros, mas durante todo o ano são os nossos algarvios que vêm aos concertos da orquestra, participam e gostam. Temos sempre muitos comentários nas publicações sobre isso», disse.
Apesar de a Orquestra não sair muito do Algarve para atuar noutras regiões – nem é que não tenha convites, é sobretudo porque a logística e a despesa de fazer deslocar uma formação com 24 músicos é difícil de suportar – Hugo Alves recorda que há igualmente «as pessoas que vêm cá passar o fim de semana, aproveitam e vêm conhecer a orquestra». Isto significa que a OJA «já é bem conhecida, pela sua qualidade, pelos repertórios que escolhe».
E assim se espera que possa continuar pelo menos por mais vinte anos.
A programação completa da Orquetra de Jazz do Algarve pode ser consultada aqui.
Comentários