A política industrial tem vindo a ganhar destaque no debate público, político e académico. Após décadas de relativo esquecimento, as principais economias estão a relançar as suas estratégias de política industrial.
Hoje existe um consenso crescente de que novas indústrias precisam de apoio para se estabelecerem e crescerem. Reconhece-se que ecossistemas inovadores necessitam de estímulos para florescerem, já que é nesses ambientes que a inovação se torna um verdadeiro motor do crescimento.
Que setores tecnologicamente avançados, de elevado valor acrescentado, enfrentam elevados níveis de incerteza, que exigem intervenções públicas para mitigar riscos e criar condições de contexto para o seu desenvolvimento.
“Se não for agora, quando?”
A questão é de Ha-Joon Chang, um dos mais reconhecidos economistas industriais, Professor da Universidade de Londres, no lançamento do IPSA (Industrial Policy Strategic Assessment), projeto que coordena, promovido por um conjunto alargado de entidades públicas, o IAPMEI, o PlanAPP, o GPEARI e o GEE, e que foi apresentado em Lisboa.
As recomendações do recente Relatório Draghi intitulado The future of European competitiveness – A competitiveness strategy for Europe sublinham como a União Europeia tem de se tornar mais competitiva em setores industriais estratégicos, propondo medidas para melhorar a sua posição, particularmente face aos EUA e a China.
Também por isso o IPSA é particularmente oportuno. Este exercício pretende avaliar e reformular a política industrial de Portugal, apresentar um novo quadro estratégico, com um modelo de governação e respetivos mecanismos de monitorização e avaliação.
Portugal desenvolve políticas industriais desde o Estado Novo, sendo os Planos de Fomento um exemplo. Com o advento da democracia esta importância desapareceu, principalmente pela adesão ao espaço comunitário, onde a prioridade foi a criação de um mercado único europeu.
No entanto, no contexto dos fundos estruturais, muitos instrumentos têm uma clara vocação industrial, como são os sistemas de incentivos em programas operacionais ligados à economia, como foi inicialmente o PEDIP – Programa Específico para o Desenvolvimento da Indústria Portuguesa nos 1990s e hoje é o COMPETE 2030.
Ainda que tenham existido e existam experiências interessantes em Portugal, como o designado Relatório Porter que comemora 30 anos ou as estratégias de especialização inteligente (RIS3) em implementação desde 2014, subsiste a necessidade de repensar a política industrial nacional – ambiciosa, capaz de responder aos desafios económicos atuais e futuros.
“E se for agora, como o fazemos?”
Para um desenho e implementação eficaz, a política industrial deve assentar em alguns princípios fundamentais. A política industrial deve ser seletiva, concentrando-se em domínios com maior potencial de inovação, crescimento e competitividade, escolhidos a partir de análises robustas baseadas em evidências e da colaboração entre os setores público e privado.
Os investimentos públicos em áreas estratégicas precisam gerar benefícios adicionais aos que seriam alcançados apenas pela iniciativa privada, criando sinergias que amplifiquem os impactos, a designada super-adicionalidade. Além disso, é essencial uma articulação integrada de diversos instrumentos – fiscais, financeiros e regulatórios – para garantir uma abordagem coesa e eficaz.
Para que uma nova política industrial em Portugal possa ser resultar é essencial ter em conta, entre outros, alguns aspetos fundamentais da realidade nacional:
O posicionamento importa: É crucial definir claramente prioridades. Quais os setores, empresas e territórios que a política industrial em Portugal vai priorizar. Devemos perguntar: quais são os domínios estratégicos que poderão liderar a transformação da economia portuguesa? Atividades ligadas à digitalização, aos recursos do mar, às energias verdes? Outros? Também é importante esclarecer o papel do turismo: deverá ser considerado uma indústria como as demais, a incluir na política industrial, ou um setor catalisador de procuras para outros setores industriais?
Os lugares importam: A política industrial deve considerar as especializações regionais e as vantagens competitivas de diferentes territórios do país, algumas delas bem desenvolvidas no contexto da implementação das RIS3. Portugal possui hoje áreas de excelência que podem ser potenciadas através de uma política industrial bem desenhada, alinhada com as capacidades regionais e as diferentes intensidades industriais.
O conhecimento científico importa: A criação e a exploração do conhecimento científico são elementos centrais num sistema de inovação dinâmico e competitivo. A política industrial deve promover a transferência de conhecimento entre universidades, centros de investigação e empresas, garantindo que a ciência nacional, que se consolidou nas últimas décadas, se traduz em inovação tecnológica e social.
A combinação de instrumentos importa: Os investimentos, particularmente em infraestruturas, previstos no Plano de Recuperação e Resiliência e noutras iniciativas no quadro do Portugal 2030 devem estar alinhados com as necessidades da política industrial. A implementação e monitorização destes investimentos deve garantir que contribuem para o fortalecimento dos setores considerados estratégicos.
As pessoas importam: O diagnóstico das necessidades em termos do mercado laboral deve ser aprimorado, com especial atenção para as tensões que decorrem da reindustrialização, das migrações e da agenda de trabalho digno. O desenvolvimento de políticas de formação e requalificação da mão de obra será essencial para alinhar a oferta de trabalho às necessidades das indústrias do futuro.
Provavelmente, não existe nenhum tipo de política que gere tanta controvérsia entre economistas como a política industrial. Importa clarificar que a defesa de uma política industrial não é sinónimo da rejeição dos benefícios atribuídos ao funcionamento dos mercados.
A política industrial pode coexistir com os princípios de uma economia de mercado, desde que implementada de forma estratégica e criteriosa. As políticas industriais desempenham um papel crucial no estímulo na transformação, sistémica e de longo prazo, nas economias.
Ajudam a moldar a composição setorial de um país. Além disso, impactam diretamente na diversidade da base económica, determinando a capacidade para competir globalmente e garantir uma economia mais resiliente.
A política industrial é por isso uma necessidade estratégica de longo prazo em Portugal, transversal aos diferentes governos. Não é um instrumento que deva estar dependente de fundos comunitários ou de respostas avulsas aos ciclos económicos.
É uma política de Estado, com visão e compromisso, para orientar Portugal rumo ao futuro que se escolher.
Autor: Hugo Pinto é economista, professor de Economia Regional e Urbana da Faculdade de Economia e Investigador do CinTurs – Centro de Investigação em Turismo, Sustentabilidade e Bem-estar da Universidade do Algarve.
Nota 1: O conteúdo deste artigo não reflete a posição, da Faculdade de Economia, do CinTurs, do IPSA ou da DR da Ordem dos Economistas. A opinião expressa é da inteira responsabilidade do autor.
Nota 2: artigo publicado ao abrigo do protocolo entre o Sul Informação e a Delegação do Algarve da Ordem dos Economistas
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