As Câmaras de Portimão e Lagoa, em conjunto com o Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática (CNANS), estão a preparar a candidatura “Musealização dos achados arqueológicos do fundo do Arade (arqueologia subaquática)” no âmbito do Programa Regional do Algarve 2030.
O aviso para a apresentação da candidatura, que foi publicado a 30 de Setembro, tem uma dotação disponível de 2 milhões de euros, financiada a 60% pelo FEDER, correspondendo a um total de 3,3 milhões de euros de investimento.
A duração do projeto é de três anos, devendo a candidatura ser submetida até 15 de janeiro próximo.
Este projeto pretende, segundo o que consta do aviso publicado pela entidade gestora do Algarve 2030, «apoiar os trabalhos arqueológicos subaquáticos, de escavação e prospeção, o registo e conservação dos bens arqueológicos provenientes de contextos existentes no estuário do rio Arade, e a posterior musealização e exposição em espaços culturais de Portimão/ Lagoa, promovendo a valorização turística de recursos histórico-culturais».
Pretende também dar resposta a algumas das medidas previstas na Declaração de Impacte Ambiental (DIA) do Projeto de Aprofundamento e Alargamento do Canal de Navegação do Porto de Portimão, um mega projeto que se destina a permitir a entrada de navios de cruzeiros de maior porte, naquele porto, situado no estuário do rio Arade.
Mas o que é que tudo isto quer dizer, de facto? O Sul Informação foi falar com alguns dos intervenientes na futura candidatura, para perceber melhor do que se trata.
Isabel Soares, chefe da Divisão de Museus, Património e Arquivo Histórico da Câmara Municipal portimonense e, na prática, diretora do Museu de Portimão, explicou que, entre as três entidades envolvidas «será desenvolvida uma estratégia, a gestão financeira e a realização dos trabalhos arqueológicos, de conservação e valorização» do património que for descoberto pelas escavações arqueológicas subaquáticas que vão ser feitas no estuário do Arade, para permitir o avanço das obras portuárias.
«Considerando a vocação do Museu de Portimão enquanto repositório patrimonial do estuário do Arade e a experiência acumulada nesta matéria, a autarquia de Portimão pretende requalificar o núcleo de arqueologia subaquática da exposição permanente do Museu, participar numa exposição no território, reforçar os seus meios humanos nos domínios da conservação e da arqueologia subaquática, bem como capacitar o laboratório e as reservas do Museu para tratar bens arqueológicos provenientes de meio subaquático no âmbito dos futuros trabalhos», acrescentou aquela responsável.
A intervenção do Museu de Portimão, disse ainda Isabel Sores, terá «em conta o nosso knowhow e a experiência que temos na área da arqueologia subaquática».
Por seu lado, o CNANS «irá dar grande apoio na parte das escavações arqueológicas», mas ainda há que pensar «na conservação das peças que vão ser retiradas e no seu tratamento e acondicionamento, bem como na conservação a longo prazo. Não é só retirar e colocar dentro de tanques».
«Estas peças, que vêm do fundo do rio, têm uma especificidade muito grande, em termos de tratamento e conservação. São precisos tanques especiais, sendo um processo muito moroso», salientou a diretora do Museu de Portimão, lembrando que «há uma ânfora das últimas escavações que ainda está num processo de dessalinização».
«As pessoas pensam que se retira do fundo do rio e vai para a vitrine. Mas não. Neste caso específico, o tratamento é muito específico e é moroso. E é preciso ter também uma equipa técnica que possa acompanhar».
Haverá igualmente a «questão de comunicar e de investigar toda essa informação que é retirada do fundo do rio, através das peças e do registo». E essa comunicação poderá passar pela criação de um «núcleo museológico, uma estrutura, que possa acolher e dar a conhecer esses materiais».
Portimão tem condições para criar esse novo núcleo museológico?, quis saber o Sul Informação.
«Há várias hipóteses. Há a possibilidade de criar um núcleo novo para acolher as peças, mas também temos salas de exposições temporárias muito boa», respondeu Isabel Soares.
«Segundo a experiência que temos, e do que o próprio CNANS nos diz, esta vai ser uma das maiores campanhas de escavações subaquáticas a nível nacional». Por isso, «tendo em conta o que aconteceu em campanhas anteriores, espera-se que haja uma grande quantidade de material».
Ora, a responsável pelo Museu de Portimão considera que «vai haver material para todos: vai haver material para fazer um núcleo museológico. E há-de haver material para uma exposição temporária, de longa duração, que pode passar daqui para Lagoa. Ou até mesmo, se Lagoa efetivamente tiver um espaço e entender fazer um núcleo museológico».
Criar um museu ou um núcleo museológico na zona junto ao rio Arade é precisamente um objetivo da Câmara de Lagoa, que desde o início integrou este projeto.
Luís Encarnação, presidente da autarquia, considera mesmo que «o que está no Arade é partilha dos dois municípios, é também de Lagoa».
«O projeto museológico que temos para o concelho passa também por podermos ajudar a conservar, a preservar e, se possível, também dar a visitar as evidências arqueológicas que temos no nosso território, incluindo no rio Arade».
«A nossa perspetiva museológica é um bocadinho fora da caixa, porque nós não temos aquele museu tradicional. Estamos a meio da construção da Casa da Cidadania, que é um museu que, no fundo, é a base de tudo. É um museu dos movimentos sociais e não propriamente um museu onde se expõem peças, nomeadamente arqueológicas», acrescentou Luís Encarnação.
«Mas a questão da arqueologia também está prevista no nosso projeto museológico, que tem vários núcleos e pontos de interesse. Estamos muito interessados em preservar a nossa memória identitária relacionada com o vinho e com a adega, também com as questões da pesca e das atividades ligadas a essas atividades ribeirinhas».
Quanto ao espólio que será retirado do fundo do rio Arade com a futura campanha de escavações arqueológicas subaquáticas, o autarca garante que o Município de Lagoa está a planear criar um espaço para o acolher, preservar, tratar e expor.
Não querendo ainda revelar tudo, Luís Encarnação disse ao Sul Informação que a sua autarquia está «a trabalhar na recuperação de um espaço que já é do Município», perto da zona ribeirinha da margem lagoense do Arade. «Estamos a estudar e a avaliar a possibilidade de reestruturarmos e requalificarmos um edifício que é municipal, para o transformarmos num local quer de depósito dos materiais arqueológicos, quer também para depois tratarmos as peças e trabalharmos a parte expositiva e de visitação».
E de que edifício se trata? O presidente da Câmara de Lagoa não levantou a ponta do véu e revelou apenas que «é perto do local onde estes materiais vão ser estudados».
Naquela zona, o Município lagoense é proprietário do Pavilhão do Arade. Poderá ser a este edifício que o autarca se refere, embora não o tenha confirmado nas suas declarações ao nosso jornal.
E os dois milhões de euros deste aviso para a candidatura chegam para concretizar todos esses projetos?
Luís Encarnação responde, de pronto: «Não chegam seguramente! Os dois milhões mal chegam para aquilo que é preciso fazer de investigação e de primeiro tratamento, quanto mais para construir uma estrutura. Vai sempre ser necessário um investimento por parte do Município, mas nós temos a consciência disso, isso também faz parte da nossa estratégia».
A intervenção arqueológica no estuário do rio Arade destina-se a evitar o que aconteceu sobretudo nos anos 70 do século passado, quando obras no porto de Portimão levaram à destruição de importante património subaquático.
Agora, apesar de muitas cidades da Europa – como Veneza, Barcelona e Marselha -, bem como nos Estados Unidos da América, até estarem a limitar o número de cruzeiros ou, pelo menos, o tamanho dos navios, em Portimão desde há cerca de uma década que há o projeto para alargar o canal de navegação e a bacia de manobras, no interior do estuário. Essas obras destinam-se precisamente a permitir a entrada de navios de cruzeiro ainda maiores.
Esta intervenção portuária foi sujeita a avaliação do impacte ambiental, tendo a Agência Portuguesa de Ambiente, após consulta pública, emitido, em Julho de 2022, uma Declaração de Impacte Ambiental favorável, mas condicionada, ao projeto de “Aprofundamento e Alargamento do Canal de Navegação do Porto de Portimão”, destinado a permitir a entrada de grandes navios de cruzeiro.
Antes que avancem esses trabalhos, da responsabilidade da Administração dos Portos de Sines e do Algarve, é preciso garantir que as páginas do passado que o leito do rio ainda guarda sejam registadas, investigadas e preservadas, dentro do possível. Daí a abertura deste aviso para a candidatura aos fundos do Algarve 2030.
«Aquilo que interessa e que é o nosso propósito é salvaguardar o que lá está, da melhor forma possível. E realmente tentar fazer com que as coisas, desta vez, fiquem mesmo bem feitas», concluiu Isabel Soares, diretora do Museu de Portimão.
O Sul Informação tentou, ao longo de mais de uma semana, mas sem êxito, falar com o Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática (CNANS), o organismo do Estado que vai coordenar os trabalhos de arqueologia subaquática.
Algarve 2030 também financia Descarbonização do Porto de Portimão
O Programa Regional Algarve 2030 também procedeu à abertura do aviso de candidatura destinado à descarbonização do Porto de Portimão a desenvolver pela Administração dos Portos de Sines e do Algarve, com uma dotação de apoio de fundos europeus no valor de 8 milhões de euros, com uma taxa máxima de cofinanciamento de 60%.
Este financiamento «reafirma o compromisso do Algarve 2030 com um futuro sustentável, em linha com um dos pilares estratégicos do Programa do Governo para a Legislatura 2024-2028, de apoiar a Transição Energética dos Portos, bem como com as metas nacionais e europeias de descarbonização», salienta a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) em nota de imprensa.
«Alinhado com o objetivo estratégico do Algarve 2030 que visa reforçar a proteção e preservação da natureza, a biodiversidade e as infraestruturas verdes, inclusive nas zonas urbanas, e reduzir todas as formas de poluição, serão apoiadas medidas que melhorem a qualidade do ar e do ruído, bem como a sua monitorização, reduzindo os níveis de exposição à poluição atmosférica e ao ruído ambiente, através de intervenções de melhoria de desempenho e descarbonização de infraestruturas portuárias com foco em vias navegáveis e zonas logísticas que promovam a qualidade do ar das zonas adjacentes, enquadradas pela Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição causada por Navios (MARPOL) e pelos compromissos nacionais de redução de emissões e da melhoria da qualidade do ar», acrescenta.
Como projeto prioritário, estão previstas intervenções de adaptação e reconversão energética da infraestrutura portuária para reduzir as emissões de carbono, com a implementação de tecnologias de energia limpa, que permitam o acolhimento futuro de navios movidos a energias renováveis, forneçam energias limpas aos navios em porto e a melhoria da qualidade do ar nas zonas urbanas adjacentes.
O Programa Regional Algarve 2030 tem como objetivo promover a sustentabilidade, a descarbonização e a preservação da biodiversidade na região, garantindo um desenvolvimento inclusivo e resiliente até 2030.
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