Reflexão e peripécias finais das aventuras d’O Caminhante

Pensavam que as aventuras já tinham terminado? Nem por isso, como se pode ler aqui

Caminhos de Santiago. Epílogo.

Já tinha dado por terminadas as crónicas do Caminhante. No entanto, acabado de regressar ao Algarve, acho que ainda há algumas reflexões para fazer.

Parti do Cabo de São Vicente com chuva, cheguei a Santiago de Compostela com chuva. Foi o fechar de um círculo que me levou a atravessar Portugal e a calcorrear algumas terras de Espanha.

A chegada a Compostela, apesar da carga emocional que acarretou, não tem nada a ver com o Caminho.

Eu explico. Para mim, o Caminho de Santiago não é a chegada. É o próprio caminho, as experiências que se vai tendo ao longo dos 51 dias que demorou, isso é o mais importante.

As pessoas que encontrei, as paisagens e os lugares que atravessei, as noites passadas em albergues, públicos ou privados, as dificuldades físicas (e mentais), o sofrimento para chegar ao fim da etapa, a alegria de ter terminado mais uma etapa, isso sim, isso é que é a essência do Caminho.

E há uma grande diferença entre fazê-lo sozinho ou acompanhado. Tive as duas experiências e não há melhor nem pior. É diferente!

Verdade se diga que, a partir de Valença, é muito difícil ir sozinho, tal o número de peregrinos, bicigrinos, turigrinos e cãogrinos. E este é o grande perigo dos Caminhos – a massificação.

 

 

No dia em que chegámos a Santiago, o Centro de Acolhimento dos Peregrinos já tinha registado cerca de três mil.

No dia seguinte, quando andamos à volta da Catedral, as bichas para a visitar eram enormes. Tive a paciência de me meter na da tradicional visita ao túmulo e estátua do apóstolo, no fundo, o responsável por isto tudo. Dei umas palmadinhas afetuosas no seu ombro, acho que ele já tinha abraços mais que suficientes para um dia.

Ainda conseguimos bilhetes para uma visita guiada aos telhados e a uma das torres da Catedral, o que nos permitiu ver de cá de cima o número de pessoas que a circundavam.

Esta massificação está a destruir a espiritualidade do lugar, de tal forma que o Gabinete do Turismo tem funcionários a tentar desviar as pessoas de ir para aquela zona, sugerindo alternativas, mas creio que sem grande resultado prático.

 

 

Nós tínhamos uma promessa a cumprir: acender uma velinha para uma nossa amiga. Fizemos isso na Catedral e, quando parecia que a vela se ia apagar, ganhou força e ficou bem a brilhar.

Agora uma generalidade. À medida que me fui aproximando do Norte, cada vez mais se via o cuidado com os espaços públicos. Cada vez que via (e vi mesmo muitos) um simples banco colocado à sombra de um edifício ou de uma árvore, roía-me de inveja ao pensar como esta simples coisa tem sido negligenciada no nosso Algarve.

Vamos às peripécias finais. Na verdade, começaram logo no primeiro dia, quando me esqueci do dinheiro, do cartão de cidadão e do de multibanco na casa da filha.

 

 

Mas o dia da volta para Lisboa superou tudo. Começou com a avaria do autocarro que nos devia levar até ao Porto. Hora e meia de atraso e nós a pensarmos que íamos perder a ligação com o comboio. Finalmente lá arranjaram um alternativo, do Clube Deportivo Arenteiro.

Chegados ao Porto, foi comprar umas sandes à pressa para apanhar o comboio.

 

 

Resolvemos terminar o dia, já em Lisboa, num restaurante típico… coreano. Até comemorámos com uma bebida deles, uma soju.

E fomos para casa. Mete-se a chave à porta… e ela não abre. Havia duas fechaduras, a senhora da limpeza não era suposto ir lá, logo não se levou essa chave. Só que ela não conseguiu abrir a porta e, em vez de deixar essa segunda fechadura como estava, trancou-a. A empresa da limpeza não atendia, a solução era bombeiros mais polícia, que só chegaram por volta da meia noite.

Nesta altura, o pequeno corredor junto ao apartamento era um caos de seis mochilas, nós sentados ou deitados no chão. Entretanto abre-se a porta do elevador e surge um vizinho. A cara de surpresa que ele fez ao ver aquele cenário foi indescritível. Já recomposto ofereceu ajuda, que foi aproveitada em termos sanitários.

Finalmente chegou a polícia e os bombeiros. Tivemos que sair de lá para não sabermos o que eles iam fazer para abrir a porta.

Dez minutos depois, eles também desciam, dizendo que não tinham conseguido abrir a porta e foram-se embora.

Fase seguinte, seguro de perda de chaves. Não resultou. Contactadas empresas de fechaduras, a conclusão era destruir a porta, mas àquela hora já não podiam fazer barulho.

Entretanto surgiu a oportunidade de conseguir a chave que estava na empresa de limpeza… mas só de manhã.

 

 

Noite dentro, qual a solução? “Acampar” no chão, junto à porta. Os escuteiros desenrascaram-se e dormiram. Os mais velhos também, com as mochilas a servir de travesseiro, mas o corredor era estreito e os mais compridos mal se podiam esticar.

Eu aproveitei o tapete de entrada e, segundo o meu relógio esperto, dormi 5h35. Em chão duro, mas os peregrinos têm muita resiliência e foi uma experiência única.

Finalmente, na manhã seguinte, apareceu a chave e entrámos em casa. Banho? O termoacumulador não funcionava, logo foi banho frio.
De seguida, abalámos para o Algarve. Dormimos no comboio, mas, entretanto, ao colocar as mochilas na bagageira por cima dos bancos, abre-se uma garrafa e demos banho a um passageiro.

Finalmente, chegámos a casa!!!

 

 

Leia mais um pouco!
 
Uma região forte precisa de uma imprensa forte e, nos dias que correm, a imprensa depende dos seus leitores. Disponibilizamos todos os conteúdos do Sul Infomação gratuitamente, porque acreditamos que não é com barreiras que se aproxima o público do jornalismo responsável e de qualidade. Por isso, o seu contributo é essencial.  
Contribua aqui!

 



Comentários

pub