«Os museus são para a gente se divertir. Todo o museu deve ser para a gente se sentir bem e não enfastiado. Para estar ali, uma, duas horas, não é para passar o dia inteiro no Louvre, porque isso é uma chatice». As palavras são de Luís Negrão, médico neurologista no Hospital da Universidade de Coimbra, mas com fortes raízes familiares em Alcantarilha, no Algarve.
É por isso que «Parque de Diversão» é o título da exposição de cerca de 80 das 400 obras de arte portuguesa contemporânea que compõem a sua coleção, numa mostra que vai abrir no sábado, 28 de Setembro, no Museu de Faro.
«No parque de diversões, como nas feiras, há muita cor. E na exposição também, até por causa das peças em cerâmica da coleção que também serão mostradas. É uma exposição muito variada, com formas de pintar muito diferentes, com cores e texturas muito diferentes», descreveu o colecionador, em entrevista exclusiva ao Sul Informação.
Uma pequena parte da coleção «Luís Negrão e Família», que foi sendo construída ao longo dos anos, até já foi mostrada, no ano passado, na terra natal dos seus pais, em Alcantarilha.
Em Faro, no Museu Municipal, Luís Negrão vai apresentar «um conjunto mais vasto de obras, que interagem entre elas, de diferentes artistas, fases e temáticas», numa exposição com curadoria de Hugo Dinis, um curador da Culturgest que tem colaborado com o médico na organização da sua coleção.
Nas paredes do Museu, estarão assim perto de 80 obras, de Ana Hatherly, Ana Vidigal, António Dacosta, António Palolo, António Vasconcelos Lapa, Cristina Ataíde, Cruzeiro Seixas, Isabel Madureira Andrade, João Jacinto, João Queiroz, Jorge Martins, José Loureiro, José Pedro Croft, Júlio Pomar, Júlio dos Reis Pereira, Manuel Caeiro, Marcelino Vespeira, Maria José Cavaco, Mário Cesariny, Mário-Henrique Leiria, Menez, Nikias Skapinakis, Patrícia Garrido, Pedro Calapez e Vítor Pomar.
«É um conjunto de peças que abarca quase cem anos de vida cultural portuguesa em termos de artes plásticas. Começamos com Júlio dos Reis Pereira, que é da década de 1930, e vamos até 2020», acrescentou Luís Negrão, na sua entrevista ao nosso jornal.
A exposição será apresentada na capela do antigo Convento de Nossa Senhora da Assunção, onde funciona o Museu Municipal de Faro. Ou seja, um espaço que já foi de oração e recolhimento volta a abrir-se à arte contemporânea de um colecionador privado, que, num «gesto de nobreza», como salienta Marco Lopes, diretor do Museu, se dispõe a mostrar as obras de alguns dos artistas contemporâneos portugueses mais importantes que integram o seu acervo pessoal.
Mas como é que Luís Negrão, médico que mora em Coimbra e tem raízes familiares em Alcantarilha, chegou a Faro?
É que, antes desta nova mostra, além da exposição de Setembro do ano passado, que abriu o Centro de Exposições de Alcantarilha, com uma pequena seleção de pintura, Luís Negrão ainda recentemente ali mostrou parte da sua coleção de 30 fotografias de Eduardo Gageiro.
Aliás, foi no dia em que voltou a Alcantarilha para desmontar essa exposição que o Sul Informação lá foi, para o entrevistar. E uma das primeiras coisas que quisemos saber foi a razão de agora ir expor em Faro.
A explicação é simples: «Silves não tem realmente nenhum espaço para uma exposição com quase 80 obras».
Por isso, Luís Negrão lembrou-se do Museu Municipal de Faro. «Fiz o contacto através do antigo vereador da cultura de Faro, o engenheiro Augusto Miranda, que me apresentou o Marco Lopes, diretor do Museu. Ele foi muito agradável, muito simpático, muito acessível. E conversámos. Mostrei o que já tinha sido feito, os autores que fazem parte da coleção». E assim nasceu esta exposição.
A mostra «Parque de Diversão» abre às 17 horas de sábado, 28 de Setembro, e depois poderá ser vista até 29 de Dezembro. A abertura inclui o lançamento do catálogo, que o colecionador considera ser «muito importante numa exposição».
É que, como sublinhou, «no Algarve já se fizeram muito boas exposições, mas se não houver um catálogo, não fica nada» quando elas são desmontadas.
Apesar de estar muito contente com a organização desta mostra em Faro, o sonho de Luís Negrão é criar «um Centro de Arte Contemporânea em Silves».
Mas voltemos às raízes familiares do reputado médico neurologista do Hospital Universitário de Coimbra: «Os meus pais são de Alcantarilha e os antepassados dos meus pais são de Alcantarilha. As minhas irmãs nasceram em Alcantarilha e a minha vida de infância, adolescência e até entrar na vida profissional foi passada em Alcantarilha, principalmente durante os períodos de Verão, nas férias», recordou, na sua entrevista ao Sul Informação.
«Os meus pais, a partir do meu primeiro ano de vida, passaram a viver em Coimbra e vinha-se ao Algarve na altura das férias. Por um motivo muito particular, porque os meus pais herdaram algumas terras e havia a necessidade de vir cá abaixo, fazer a colheita e depois a venda dos produtos da terra, os figos, as amêndoas, as alfarrobas».
«E essa era a principal razão para nós virmos para cá. Isso foi ali por 1960, 61, quando o turismo no Algarve estava ainda a começar. Depois, veio o grande boom turístico, sobretudo em Albufeira, e, para mim, juntava-se o útil ao agradável: eu vinha acompanhar os meus pais para essa atividade profissional extra, mas também ia para a praia».
Por causa dessas «boas memórias de infância e adolescência», e apesar de toda a sua vida profissional ter sido feita fora da região, Luís Negrão faz questão de salientar que mantém «uma ligação muito afetiva, muito sentimental, com o Algarve».
Naquela altura, recordou, «Alcantarilha era uma vila muito dinâmica, era um centro agrícola importante, antes do aparecimento do turismo, que transferiu muito do movimento para Armação de Pêra. A GNR, o Centro de Saúde da altura, os Correios, desapareceu tudo daqui. Tudo isso tirou o movimento de Alcantarilha, que entrou numa fase de recessão grande», lamentou.
«Já passaram muitos anos, e, neste momento, estamos a ver se conseguimos fazer renascer Alcantarilha. Eu dou um contributo muito pequeno, mas as pessoas de cá têm outra responsabilidade. Não será fácil, mas é preciso dar-lhe uma vida diária, comunitária, grande, com alguma atividade», defendeu.
Uma dessas tentativas de «reintroduzir uma outra dinâmica, que é a dinâmica cultural» tem sido tentada «pela atividade e trabalho» desenvolvido pela ALDEPA Associação de Defesa do Património Cultural e Natural de Alcantarilha, da qual Luís Negrão faz parte.
As duas exposições com obras de pintura e fotografia da sua coleção que já fez no Centro de Exposições de Alcantarilha são, na sua opinião, exemplo do dinamismo da ALDEPA.
Quanto ao Centro de Exposições, «é um espaço maravilhoso, mas peca por ser pequeno. Mas para a vila também não precisa de ser maior», admitiu Luís Negrão.
Apesar da pequenez do espaço, o médico revelou ao Sul Informação que já está a programar, «para o ano que vem, uma série de exposições com a Câmara Municipal de Silves, aqui, com cerâmica da minha coleção, de António Vasconcelos Lapa, e depois também de pintura».
Essas exposições poderão mesmo ser alargadas a outros espaços, na cidade de Silves, como o foyer do Teatro Mascarenhas Gregório.
O colecionador garantiu que, das conversas que tem tido com responsáveis pela autarquia, há interesse em «apostar nessa nova vertente, nessa nova dinâmica cultural», que passa pela arte contemporânea.
«No campo da arte contemporânea, em Silves, tem havido algumas coisas esporádicas. E a ideia agora é fazer uma coisa sustentada e que seja um ponto de referência», na região e até no país.
No fundo, acrescentou, o projeto passa por criar um «Centro de Arte Contemporânea em Silves, porque não há, no Algarve, uma estrutura com esta natureza».
«A ideia é criar uma coisa em permanência que tem que ter uma ligação óbvia com os autores e os artistas locais e naturais do concelho, onde caberão naturalmente exposições temporárias, de autores locais e de autores convidados. Mas tem que haver um núcleo central, um centro», explicou ainda.
Esse «centro», essa «base», «seria a minha coleção, que é conhecida pela sua qualidade», acrescentou Luís Negrão. «Mas o centro estaria aberto a todas as outras contribuições», até porque Silves foi berço de «vários nomes das artes contemporâneas, como Maria Keil, Fernando Conduto, Rocha de Sousa, Mário Rita».
Luís Negrão considerou que «o Algarve tem sido enriquecido, ultimamente, pela redescoberta do seu património histórico e arquitetónico, muitas vezes valorizado por museus de muita qualidade, como o de Vila do Bispo, Faro, Portimão».
Mas, na sua opinião, «o que também faz falta numa região como o Algarve, que tem um foco muito turístico, é ter uma onda semelhante àquela que acontece nos outros países mediterrânicos, onde a arte contemporânea está muito presente. E isso seria mais um foco de atração para os estrangeiros, para o turista que vem cá».
«É nesse projeto que começámos a trabalhar, vamos ver se o conseguimos levar a bom porto», exclamou, cheio de entusiasmo.
Ao que o Sul Informação apurou, até poderá já haver um local, na baixa de Silves, que teria condições para acolher o sonhado Centro de Arte Contemporânea. Mas ainda muita água terá de passar debaixo das pontes do rio Arade até que a ideia possa ao menos tornar-se projeto.
Enquanto isso não acontece, quem se interessa por arte portuguesa contemporânea e quer descobrir esta coleção privada poderá ir visitar, no Museu de Faro, o «Parque de Diversão».
Comentários