A preocupação não é de agora, mas intensificou-se quando muitos pais tentaram, nos meses de Abril e Maio, matricular os filhos no ensino pré-escolar público e não conseguiram vagas. Até agora, muitas das situações já foram resolvidas, mas há crianças que, a poucos dias de começar o ano letivo, continuam sem escola ou tiveram de ser inscritas no ensino privado ou Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS).
Patrícia Oliveira foi uma das mães que, a 12 de Julho, decidiu organizar uma manifestação junto à Câmara Municipal de Loulé devido à falta de vagas no Pré-Escolar neste concelho.
Com o encerramento de salas deste nível de ensino, nomeadamente, no caso de Quarteira, da Origami e Fundação António Aleixo, uma grande parte das crianças com 3 anos não conseguiu colocação no ensino público e, por isso, os pais juntaram-se para apelar a que a situação fosse resolvida até Setembro.
Em entrevista ao Sul Informação, Patrícia explica que, tal como outros pais, fez logo a inscrição no público nas datas que é suposto, porque já sabia que as salas da escola onde o filho andava iam fechar, embora a escola só os tenha informado em Março, e, por esse motivo, mesmo que quisesse procurar outras alternativas privadas, não conseguiria porque nas privadas as inscrições começam em Janeiro.
A encarregada de educação de duas crianças naturais da freguesia de Quarteira, no concelho de Loulé, explica que este encerramento repentino de várias salas de pré-escolar no ensino privado e público/privado é uma consequência da medida “Creche Feliz”, em vigor desde Setembro 2022, que garante a gratuitidade de creche para todas as crianças até aos três anos, mas veio causar outros constrangimentos.
«O Estado não dá qualquer apoio para as salas de pré-escolar. Mas, em contrapartida, dá um apoio de quase 480 euros por criança em sala de creche, ou seja, até aos 3 anos, por causa da medida da Creche Feliz e isso para eles [escola] é mais rentável», justifica Patrícia Oliveira, acrescentando que a maioria das crianças de 5 e 4 anos consegue vaga no público, mas as de 3 não.
«Segundo a lei, o Governo não tem de garantir vaga para essas crianças. Nem entram na medida da Cresce Feliz, que é até aos 3 anos, nem entram na escola pública. Ou seja, para o nosso Governo, é como se não existissem as crianças entre os 3 e os 4 anos», continua.
Depois de saberem que muitas crianças não tinham conseguido vaga, os pais entraram em contacto com a Junta de Freguesia de Quarteira, que remeteu e resposta para a Câmara de Loulé, para tentar perceber como é que a autarquia pensava resolver o problema.
Após uma primeira resposta positiva, em que lhes foi garantido que a situação seria resolvida, voltaram a sair as listas de colocações e muitas das crianças continuaram sem vaga.
«Sentimos que eles prometeram, mas depois não cumpriram e por isso decidimos fazer uma publicação no Facebook com as informações sobre a manifestação e percebemos que muitos pais da cidade de Loulé estavam com o mesmo problema», diz Patrícia.
Depois de várias tentativas de contacto com a vereadora da educação Ana Machado, Patrícia conta que só conseguiram obter uma resposta poucos dias antes da manifestação.
«Nessa reunião, eles garantiram efetivamente as vagas. Saíram as novas colocações nesses dias e a maioria das crianças da freguesia de Quarteira tinha ficado colocada. No entanto, as pessoas de Loulé acabaram por não ter ainda nenhuma solução e por isso decidimos avançar com a manifestação», disse.
O Sul Informação sabe que uma das soluções encontradas no concelho, neste caso da freguesia de Quarteira, foi a construção de uma pré-escola provisória nas instalações onde funcionada a GNR.
Na Escola do Forte Novo foram assim colocadas a maioria das crianças de 3 e 4 anos, mas, a poucos dias do início do ano letivo, as instalações ainda não foram inauguradas – o que traz outro problema.
Quanto a esta situação e ao resto do concelho, o nosso jornal tentou entrar em contacto com a vereadora Ana Machado para tentar perceber que soluções foram encontradas, mas até à data de publicação deste artigo não obteve qualquer resposta.
Em Faro, a situação é semelhante. Confrontados com o mesmo problema – e sabendo da manifestação que ia haver em Loulé – dezenas de encarregados de educação decidiram juntar-se em frente à Câmara da capital algarvia, no mesmo dia 12 de Julho, para chamar a atenção para a dificuldade de conseguir vaga para as crianças dos 3 aos 5 aos na escola pública.
Contudo, neste concelho algarvio, os pais queixam-se de «não ter havido abertura» por parte da autarquia para entrar em diálogo e tentar arranjar soluções.
Rita Mendonça, uma das fundadoras do movimento “Educação para todos em Faro”, foi uma das impulsionadoras da manifestação na capital algarvia, onde os pais protestaram contra o fecho do pré-escolar do Centro Infantil Estrela do Mar, da Fundação Vítor Reis Morais, na cidade de Faro, subsidiada pela Segurança Social, que afeta 17 crianças entre os 3 e os 5 anos.
Confrontados com esta realidade, os encarregados de educação depararam-se com a dificuldade de conseguir vagas noutros privados, IPSS e, principalmente, no ensino público.
«Eu tenho duas crianças, uma com 4 e outra com 5 anos, que podiam estar na escola pública a não pagar nada, mas, neste momento, estou a pagar mais um ano de privado para dois para os conseguir ter em algum lado – e como eu há outros pais. A questão é que, para já, tenho o problema resolvido, porque consegui colocá-los em algum lado, mas há pais que não conseguiram», explica Rita Mendonça ao nosso jornal.
Depois de contactar vários agrupamentos para tentar perceber o ponto de situação, e em que lugar estavam os filhos, Rita Mendonça diz que conseguiu perceber que «na Conceição, a lista de espera era de mais de 29. A Lejana tinha mais de 60 criança, o Carmo 37, Montenegro tinha mais de 48, Santa Bárbara mais de 32 e a escola da Bordeira mais de 17».
Apesar de estar previsto que, até 2026, nasça em Faro uma nova escola – a EB 1/Jardim de Infância Afonso III, com três salas de ensino pré-escolar – e que a escola do Carmo seja requalificada, Rita teme que o começo do próximo ano letivo traga ainda mais dificuldades para os pais e crianças residentes no concelho de Faro.
«Isto é um problema estrutural e que vem de base. Com a Creche Feliz nos privados o público tinha de assegurar as crianças a partir dos 3 anos, mas não é isso que acontece. A desculpa é que os privados têm autonomia para fazerem o que quiserem, mas então o público tem de assegurar que as crianças de 3, 4 e 5 anos tenham escolas», remata a encarregada de educação.
Tal como aconteceu em relação ao Município de Loulé, o Sul Informação tentou entrar em contacto com a autarquia farense, mas também não obteve resposta.
No Barlavento algarvio, Portimão é outro concelho onde esta precariedade de vagas no ensino pré-escolar é uma realidade.
Quem o admite é a própria vice-presidente da Câmara e também vereadora da educação Teresa Mendes.
Apesar de assumir não concordar na totalidade com a medida “Creche Feliz”, a autarca (PS) admite que esta «veio solucionar algumas questões da creche, mas veio também fazer com que houvesse um boom de meninos a frequentar as escolas desde essa idade e esse boom de meninos tem de ter depois uma resposta [a partir dos 3 anos] e este ano começou-se a verificar que isso não acontece».
Em entrevista ao Sul Informação, Teresa Mendes frisa que, dada a situação do fecho de salas nos particulares a partir dos 3 anos, o Município teve uma reunião em Lisboa com a Direção Geral de Educação para tentar perceber quais eram as soluções. Além disso, levantou a questão no Concelho Municipal de Educação, mas os particulares não apresentam alternativas.
«A rede publica consegue vaga para os meninos de 5 anos e quatro anos e meio, que são os mais velhos. Nessa faixa etária não temos meninos em lista de espera, mas o mesmo não se verifica dos 3 aos 4 anos e meio. Aí temos de facto muitos meninos em lista de espera na rede pública», afirma a vereadora.
Para que este problema não se agrave no concelho de Portimão, Teresa Mendes explica que o Município tem «para os próximos cinco anos, uma estratégia de construção de salas em todos os níveis de ensino».
«No caso do pré-escolar, nós vamos ter mais três salas na escola do Alto do Alfarrobal, mais três salas na escola EB1 de Alvor, onde vai ser feita uma escola de raiz e na escola de Chão das Donas iremos ter mais duas. Por isso, vamos crescer aqui oito salas, o que dá uma resposta a aproximadamente mais 200 meninos», afirma, reforçando também haver mais investimentos nos outros níveis de ensino «porque o número de meninos cresceu em todos».
Em relação aos privados e IPSS, a autarquia diz já os ter sensibilizado para que agora, no âmbito de novas candidaturas que vai haver ao PRR, se candidatem para também eles conseguirem abrir novas salas.
A vereadora confessa ao nosso jornal que no concelho de Portimão, onde 13 086 estrangeiros têm estatuto residente, o número de estudantes tem vindo a aumentar também devido à imigração, mas realça que «ao contrário do que muitos pensam e dizem, de que estas crianças passam à frente, isso não é verdade».
«Os critérios de seleção são os que estão na lei e são os mesmos, portanto, eles não estão em vantagem nem em desvantagem. Concorrem com a mesma prioridade do que qualquer criança. Mas é evidente que, ao termos mais crianças, as prioridades fazem com que existam meninos que fiquem fora, meninos que nasceram cá e que não nasceram», frisa a vereadora.
O Sul Informação contactou também o Ministério da Educação para tentar perceber, à data, o ponto de situação em relação à falta de vagas no ensino pré-escolar no Algarve e em todo o país, bem como o que está a ser feito para resolver esse problema, mas não obteve qualquer resposta.
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