José Guerreiro Rodrigues, nascido em Alcantarilha em 1921, foi um verdadeiro homem dos sete ofícios. Mas é por causa da sua faceta de fotógrafo, autodidata, que há agora uma mostra no Centro de Exposições e na Igreja Matriz de Alcantarilha, com imagens inéditas da sua terra natal, feitas no final dos anos 50 e nos anos 60 do século passado.
São perto de 30 fotografias a preto e branco que retratam a vila ainda antes do advento do turismo, quando Alcantarilha era um importante centro agrícola e comercial. São, na sua maioria, imagens panorâmicas, que têm a igreja como ponto central.
Por seu lado, o núcleo de 10 imagens que está patente na Igreja reúne as únicas fotografias existentes do momento em que, em 1958, foi benzido e recolocado na torre o sino, depois de ter sido reparado.
Helena Rodrigues, filha do fotógrafo, guarda o espólio de negativos e fotografias que o seu pai deixou. «O pai deixou-me o que sobrou, porque ele, a certa altura, deitou imensos negativos para o lixo», lamenta a filha, que até é arquivista de profissão.
Rosa Palma, presidente da Câmara de Silves, fez questão de agradecer à filha e restante família do Sr. Rodrigues pela disponibilização do espólio fotográfico.
Mas acrescentou que «a exposição também esticou uma perna para além deste Centro de Exposições, até à Igreja, graças ao Sr. Padre que aceitou esta ideia tão bem desde a primeira hora».
Falando com o Sul Informação momentos antes da inauguração oficial da exposição, que integrou as comemorações do Feriado Municipal de Silves, Helena Rodrigues recordou o «privilégio» que teve, por «assistido, com quatro anos de idade, à magia que era ter um papel branco na frente, preso com uma molinha de roupa numa cordinha e depois começar a ver as imagens a surgir, após a revelação».
O gosto pela fotografia de José Guerreiro Rodrigues começou nos seus tempos de serviço militar, tendo-o acompanhado depois ao longo da vida. Autodidata, foi lendo, comprando equipamentos fotográficos e produtos químicos para fazer a revelação, em casa, num «quarto escuro com luz vermelha», do qual a filha ainda se recorda bem. Aí experimentava técnicas de revelação, impressão e fixação das imagens captadas com a sua máquina fotográfica.
«O pai comprou tudo o que tinha a ver com equipamentos e ia tentando, experimentando, para fazer a revelação e a fixação e tudo isso. Para ele era uma diversão», recorda Helena Rodrigues.
No fundo, criou em casa um laboratório de «verdadeira magia», onde surgiram muitas das primeiras imagens de Alcantarilha, nos anos 50 e 60 do século XX.
«Ele foi sempre experimentando. E sempre comprando mais umas máquinas, mais uns aparelhómetros e mais umas coisinhas. E ia fazendo tudo de uma forma muito discreta. Ninguém fazia ideia do que se passava naquela câmara escura, com aquela luzinha vermelha lá no meio. Ele fazia as suas coisas com muita curiosidade. Era realmente um espanto de magia. Acho que a palavra mais correta é mesmo classificar como magia tudo o que acontecia naquele espaçozinho, naquele quarto escuro», recordou ainda a sua filha, emocionada.
José Guerreiro Rodrigues, simplesmente conhecido como o Sr. Rodrigues, foi de facto um homem multifacetado.
Nas «Memórias Datilografadas», que redigiu para o seu neto – também presente na abertura da exposição -, descreveu-se a si próprio como tendo nascido «a 29 de Novembro de 1921, em Alcantarilha, a uns 50 metros da Igreja Paroquial», sendo «um menino que tinha olhos azuis e sorria pouco, como mostra uma fotografia de juventude».
Após o serviço militar, em 1945, iniciou atividade comercial na sua terra natal, abrindo uma loja que vendia tecidos, retrosaria, mercearia, vidros, jornais e revistas. Era, segundo recordaram algumas das pessoas presentes na inauguração da exposição, «a loja mais importante de Alcantarilha».
Mais tarde, graças ao seu espírito empreendedor, expandiu-se para novas áreas, passando a ser vendedor e representante do Gazcidla e vendendo também equipamentos afins, como fogões e esquentadores.
Tornou-se ainda correspondente de bancos e de seguradoras, dando assim suporte à vitalidade económica que Alcantarilha então tinha, antes do boom do turismo ter transferido (quase) tudo para o litoral.
Aliás, também ele havia de aproveitar o crescimento da atividade turística trazida pela abertura do Aeroporto em Faro, que ocorreu em 1965. Três anos depois, criou na vila um serviço de táxis, que manteria até 1996.
Em termos de funções oficiais, foi responsável pelo Posto do Registo Civil em Alcantarilha, bem como representante da Junta de Freguesia. Fez parte do Conselho Municipal das Juntas de Freguesia da Câmara de Silves, de 1960 a 1975.
Foi nessas funções que criou condições para a instalação de um posto da GNR em Alcantarilha, em 1968.
Após o 25 de Abril de 1974, integrou a Comissão Administrativa da Junta de Freguesia da sua terra natal.
Depois de uma vida cheia e produtiva, faleceu em 2012, aos 90 anos. Mas deixou não só um importante espólio de negativos e fotografias, como boas impressões na memória de muita gente.
Um deles é Carlos Patrício, presidente da ALDEPA, a dinâmica Associação de Defesa do Património Cultural e Natural de Alcantarilha. «Eu conhecia muito bem o Sr. Rodrigues, porque ele era o meu padrinho e eu tratava-o por Padrinho».
Manifestando o seu regozijo por ver «a casa cheia» de pessoas interessadas, Carlos Patrício anunciou que, do espólio do malogrado fotógrafo, «nós selecionámos cerca de 200 fotografias, que serão apresentadas mais tarde, em relação a outros temas e noutras exposições».
Isso mesmo foi confirmado ao Sul Informação por Maria José Gonçalves, diretora do Museu de Arqueologia de Silves, que adiantou que essas novas exposições «estão já a ser pensadas».
A mostra patente no Centro de Exposições de Alcantarilha até 31 de dezembro é organizada pela ALDEPA, associação da qual Helena Rodrigues é sócia fundadora e secretária da direção.
«Há muitos ciclos temáticos que vão acontecer. Nós vamos continuar a contribuir para a história do concelho e para a história de Alcantarilha», garantiu a filha do fotógrafo.
Ou, como concluiu a autarca Rosa Palma: «a magia continua».
HORÁRIOS
«Panorâmicas de Alcantarilha»
Terça a sábado 13h00 às 19h00
«Inauguração do Sino 1958»
Segunda a sábado 10h00 às 18h00
Domingo 9h00 às 11h00
Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação
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