Ainda tenho em mim os ecos daquela festa.
Ainda tenho em mim os sonhos à noite, de quando continuamos todos juntos a preparar aquela festa.
Ainda tenho em mim vazios por preencher, vazios que ficam quando alguém nos parte.
Mas não tenho qualquer dúvida de que a forma mais bonita de lidar com esses vazios é festejando a vida, e foi isso que aconteceu no sábado e em todos os dias que antecederam este acontecimento (diria até anos, anos de expectativa se algum dia chegaríamos a realizar esta promessa do meu avô, que percebi na ida à rádio Castrense, ao programa património com o testemunho do Dr. Francisco Colaço, ser um homem de promessas, valeu por isso, por conhecer mais histórias do meu avô, mas também por ter visto a minha avó Delfina ganhar voz, primeiro quando lhe disse que íamos à rádio, disse logo que não ia, que o avô é que gostava dessas coisas, eu disse-lhe: vou eu, a mãe e tu, ajudamo-nos umas às outras e será uma conversa como tantas outras que temos as 3 gerações juntas, lá se convenceu, e quando lá chegou o difícil foi ela parar de falar).
Tentámos cumprir a promessa do Mastro a preceito, investigámos e descobrimos receitas de popias de espécie, as chamadas alcôncoras, e em família fizemos mais de 300 popias, a chamada frasca, para oferecermos aos presentes a meio da noite e para pendurar no mastro.
Fizemos também os bonecos de biscoito que representam os nossos avós.
Cortámos centenas de fitinhas de papel de seda em família, com o apoio de algumas amigas também, descobrindo e aprimorando os desenhos de cada um, fizemos muitas flores em papel crepe, a tia Maria fez coloridos balões de papel e a mãe e avó desafiaram-se a fazer bandeiras em crochet aos serões.
Reaproveitámos a estrutura do mastro da Junta de Freguesia de São Martinho, que tinha cinco charolas, três esferas e uma bandeira.
Sábado, dia 13 de julho de 2024, foi um dia muito bonito, muito belo, muito emocionante e memorável para a nossa família, foi o dia em que cumprimos a promessa que o meu avô Bernardo havia feito há mais de 25 anos, antes de partir abruptamente.
A promessa era de que faria um cante ao baldão e um mastro de promessa a preceito, quando houvesse luz aos Escanchados. E sábado houve luz, muita luz: uma delicada e deliciosa cantiga escrita pela amiga Odete dedicada à avó Delfina que é a grande companheira, grande mãe, grande avó e grande mulher que permitiu sempre ao meu avô sonhar.
Houve cante ao baldão com uma mesa cheia de companheiros com o meu avô a dar-lhes as boas-vindas, seguido dum cante de saudade com muita emoção e nervosismo, terminando com uma forte salva de palmas de fazer tremer o coração, e novamente aquela voz do avô a ecoar naquele casão cheio de pessoas em pé a dar a abaladiça, desejando a todos o seu carinho, tal como deseja para os seus, e que Deus os ponha a todos bem na vida, segue-se outra valente salva de palmas para este homem que era meu avô, que era uma força da natureza e que passados 25 anos da sua partida consegue ainda ser relembrado e mover pessoas em volta da sua memória.
Saímos então do casão para inaugurarmos o mastro com o grupo de Violas Campaniças do Centro de Valorização e com o Pedro Mestre a cantar e a ensinar/relembrar como se faziam as danças de roda.
Foi para mim outro momento sublime ao pôr do sol, como diria o avô, juntou “velhotes e gaiatos” em torno do mastro a dançar de mãos dadas, a sorrir e com vontade de serem felizes naquele momento, não resisti, a certo momento larguei a câmara e também me juntei a eles, caso para dizer: estava o balho armado.
Dá-se então inicio ao baile ao som do acordeonista Gonçalo Valério, que começou por volta das 22 horas e só parou de cantar e tocar quase às 3 horas da manhã, cinco horas sempre a animar o pessoal que dançou em volta do mastro, pisando as perfumadas e tradicionais ervas: junça, cidreira, mata-pulga, poêjo e mantrastro, as laterais protegidas com ramas de eucalipto que tínhamos ido apanhar no dia anterior (sei que é uma ilegalidade, mas não imaginam como me dá vida e me soube bem voltar na carrinha de caixa aberta deitada em cima da carrada de eucalipto).
Esta envolvência que se criou em volta do mastro e do cante ao baldão fez-me ver “de quem é esta terra?”, fez-me perceber que, mesmo nem sempre as coisas estando bem, estas pessoas da Aldeia e arredores unem-se, unem-se em comunidade e ajudam-se uns aos outros…eu ainda hoje não percebo bem a magia em volta deste acontecimento, mas que houve magia lá isso houve!
Foi uma festa bonita e poética? Foi! E isto porquê? Porque houve muito planeamento, muita preparação, muita dedicação, muita cabeça a pensar e muitas mãos a ajudarem.
Erguer o mastro não foi só erguer um pau enfeitado, foi um avivar de memórias e afetos.
Obrigada a todos os que de alguma forma contribuíram para que este dia acontecesse, e agora segue-se o momento perigoso de enumerar nomes:
– Junta de Freguesia de São Martinho das Amoreiras que nos apoiou desde o primeiro ao último instante, que para além de emprestarem equipamentos nos ajudaram em vários momentos na montagem deste mastro: presidente Nuno Duarte, Madalena, Toino do Ferroso, Zé da Graça e Alberto.
– Comissão de Melhoramento de Aldeia das Amoreiras, nomeadamente a Cristina que nos ajudou com as licenças necessárias.
– Centro de Valorização da Viola Campaniça e do Cante de Improviso, no Cante ao Baldão contámos com os tocadores: Carlos Loução, Afonso Silva e Francisco Coelho e com os cantadores: Manuel Graça, José Guerreiro do Corgo da Metade, Gomes da Funcheira, António da Alagôa, Pedro Mestre, Luís Baldão, Manuel Ferreirinha, José Manuel do Ribeiro, António Luís do Tacanho, Flávio Guerreiro, Daniel Gregório, Joaquim Pereira, Florêncio Maria, Amílcar da Zambujeira, Joaquim Loução e Joaquim Bento; e na roda de campaniças foi o Pedro Mestre com Carlos Loução, Flávio Guerreiro, Maria Duarte, Duarte Guerreiro, Catarina Silva, Afonso Silva, Francisco Duarte, Francisco Coelho e Margarida Silva.
– Rádio Castrense, o Dr. Francisco Colaço, que divulgou o evento e fez um programa especial em homenagem ao avô.
– Bombeiros Voluntários de Ourique que tiveram um carro de prevenção na nossa festa com dois bombeiros (Daniel Afonso e Jorge Neno) a auxiliarem no que fosse preciso.
– Maria Odete do Gavião pela sua generosidade e talento em escrever, cantar e tocar uma música dedicada à avó.
– Maria José Barriga, que nos presenteou com a gravação da sua entrevista ao avô realizada em julho de 1996.
– Motoclube de São Brás de Alportel, que cedeu a tenda e algum equipamento de cozinha para montar o bar e som com microfone e colunas que permitiu que o cante se ouvisse no exterior: Patrícia, Alain, Lili, Luís, Ana Teresa, Rui, Carla, Matilde, André, Lena, Moedas, Sandra e Miguel.
– Empresas que nos abasteceram de comidas e bebidas: Padaria de Garvão da D. Graça, Padaria Santana da Serra, caracóis Arroja, Talho Damásio e Pinguinha & Bota, lda.
– Amigos da aldeia: Horácio, Nelson, Bilharó, Filipe, Rosie, Fernando, Luís…
– Família Afonso: a Adília e o Zé Maria que partilharam connosco as suas experiências com mastros de promessa anteriores, o Daniel que viveu connosco o entusiasmo da organização do mastro, nos preparou um grande parque de estacionamento e orientou as ramas de eucalipto, a Lena que nos ajudou com os cozinhados pra tanta gente, o Marco e o Toino do Belém que nos ajudaram a deixar o monte mais bonito com a sua pintura).
– Amigos de São Brás de Alportel: Helena, Manuela, Lara, Marília, Violantina…
– Amigos que ajudaram na festa: Maria Luísa, Norberto, Drika, Bruno, Ana e Manel.
– Família Goes: os irmãos da minha avó Delfina com os filhos e netos que deixaram a minha avó muito feliz em partilhar este dia com eles.
– Todos os amigos que nos incentivaram ou/e estiveram presentes na festa.
– Família Bernardo que foram os motores desta festa: António José Bernardo, Delfina, Graça, Bela, Maria, Margarida, Beatriz, Bernardo, Mariana, Rogério, Tóju, Aléxis, Paulo, Isaura e Constancinha.
Brevemente, no documentário “De quem é esta terra?”, poderá acompanhar o que foi a organização e a concretização deste evento tradicional: o mastro de promessa e o cante ao baldão.
OBRIGADA DE E A TODOS!
Autora: Ana Beatriz Bernardo de Jesus, a moça que ama ouvir pessoas e que teimosamente vai sempre atrás da tradição, das histórias das gentes e da vida
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