Não era um sonho de menino, mas um momento trágico, vivido aos 16 anos, acabou por lhe trocar as voltas. João Pires sempre gostou do mar – ou não tivesse crescido em Quarteira. A morte do pai obrigou-o a pôr em primeiro a mãe e a irmã e a tudo fazer para «lhes dar tudo o que merecem». E assim, sem que estivesse nos planos, é hoje piloto marítimo e já comandou tanto navios de cruzeiro, como super iates.
Há, na vida deste jovem algarvio de 26 anos, um antes e um depois da morte do pai.
«Era muito novo. Aos 16 anos, perdi o o meu pai e foi uma altura muito difícil das nossas vidas. Acabei por ficar a cuidar da minha irmã e da minha mãe e tinha de cumprir a promessa que fiz ao meu pai nos últimos momentos de vida: que iria cuidar delas», conta ao Sul Informação.
A conversa decorre perto de uma das várias praias de Quarteira, cidade a que regressa sempre, apesar de atualmente (ainda) passar grande parte do ano no mar.
Mas a escolha por esta via profissional nem sempre esteve nos planos de João Pires. Sim, sempre adorou o mar, mas o principal fator que o levou a tirar o curso de Pilotagem na Escola Superior Náutica Infante Dom Henrique não foi esse amor.
«Vou ser o mais sincero possível: quando acabei o Secundário, tinha uma boa média e comecei a fazer pesquisas pelas profissões mais bem pagas do mundo. Estudei para isso. O que me chamou a atenção foram piloto aéreo e marítimo. Acabei por escolher o segundo porque não tinha condições para o primeiro», diz, entre risos.
Ao ser piloto de barcos, João Pires podia juntar o melhor de dois mundos: «viajar e ganhar dinheiro».
«Quis arriscar, até porque tive um bisavô que foi navegador. Fui para Lisboa em 2015 e terminei o curso em 2018», conta o jovem algarvio.
O fim da licenciatura trouxe verdadeiros desafios. João Pires recorda uma conversa, com um comandante de um cruzeiro logo no primeiro ano de faculdade, que se revelou preponderante.
Ao contrário dos restantes colegas, o algarvio não foi logo fazer o ano de prática no mar, obrigatório no final do curso. «Esse comandante com quem falei já não estava a trabalhar nos cruzeiros, mas, sim, em Malta, num estaleiro naval. E convidou-me para ir para lá trabalhar, no final do meu curso», conta.
Mas havia um senão: mesmo sem saber se seria contratado, João Pires tinha de ir a Malta para uma primeira entrevista, sem qualquer tipo de certezas.
Com a ajuda monetária de um amigo, viajou para esse país do Mediterrâneo e acabou mesmo por ser contratado.
Durante um mês, recorda, deram-lhe «os piores trabalhos possíveis», mas a persistência fez com que fosse subindo na empresa até ter, pela primeira vez, contacto com a indústria dos super iates.
«Fiquei como project manager assistant e comecei a ganhar um conhecimento náutico e naval muito mais aprofundado do que tinha aprendido na escola. Os meses foram passando e, um dia, chegou-me o desafio de ser piloto num super iate. Começaram a explicar-me as condições de trabalho e foi aí que percebi como eram melhores», conta João Pires.
Ainda assim, antes entrar em força na indústria dos super iates – onde ainda agora trabalha – este quarteirense de 26 anos também se aventurou no mundo dos cruzeiros.
Percorreu o mundo: Brasil, Equador, Uruguai, Antártida, Pólo Norte, passou nos fiordes noruegueses e na perigosíssima passagem de Drake, entre a extremidade sul da América do Sul e a Antártica, conhecida como uma das zonas com as piores condições meteorológicas marítimas do mundo.
Durante essas viagens, conta como sentiu o peso da responsabilidade.
«Tu és piloto e tens aquela plena consciência de que estão centenas de pessoas a dormir e tu és o responsável por elas», diz, sorridente. A experiência ao comando de um navio de cruzeiros é, nas palavras de João Pires, «a melhor escola possível».
«É o que te dá maior aprendizagem de piloto porque nunca pára. Estamos literalmente sempre a planear o próximo porto. Todos os dias fazemos, se for preciso, duas manobras», explica.
O «tempo de prática de mar» também o levou a passar seis meses em Luanda (Angola), aí na marinha mercante. Até que assentou arraiais nos super iates.
«Pensei em escolher algo que nenhum dos meus colegas tinha seguido e encontrei esse nicho. Os super iates são uma experiência mais pessoal: os barcos podem levar desde 15, 25 pessoas, depende». A bordo deles – e dos cruzeiros – João Pires já visitou «mais de 20 países».
Mas a vida de mar, reconhece, «pode vir a ser muito difícil e solitária».
«Tens de ser muito forte psicologicamente – custa passar meses e meses longe da família, saber que talvez não possas construir uma relação. Estes foram os anos mais difíceis da minha vida. Cada vez que venho de férias, venho um mês e vou-me embora sem saber quando regresso», diz o algarvio.
A morte de um primo e o nascimento do afilhado foram, reconhece, «os momentos mais difíceis que viveu a bordo».
«Agora, estou quase a conseguir um contrato que me permitirá estar metade do ano a bordo e metade em terra, que é um dos meus objetivos», confessa.
Sempre que regressa a casa, este jovem quarteirense garante que sente o «carinho» das pessoas que o foram vendo crescer.
«A minha profissão não é muito comum e, também por isso, muitas pessoas vêm ter comigo, dizem-me que vão seguindo as minhas aventuras no mar, através das redes sociais, e sentir esse amor da cidade é muito bom».
E para o futuro, a meta está traçada: «ser um grande comandante português é o que mais desejo». Ah, e claro, «continuar a ajudar a minha mãe a a irmã».
«Esse objetivo, então, é que nunca vai acabar», conclui, sorridente.
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