Ana Cabecinha, o «milagre de Pechão», recebida com aplausos e muita emoção

Receção à marchadora após quinta e última presença olímpica

Depois da quinta e última participação olímpica, Ana Cabecinha, «o milagre de Pechão» nas palavras do treinador Paulo Murta, teve uma receção à altura na pequena povoação onde iniciou a prática desportiva há 28 anos. Agora, terminada a carreira de alto rendimento, continua disposta a ajudar o seu Clube Oriental de Pechão (COP).

No sábado, o clube da aldeia do concelho de Olhão preparou uma receção à altura para a sua atleta – que encerrou a carreira olímpica em Paris, três meses depois de ter sido mãe –, fechando a rua 25 de Abril e estendendo uma passadeira vermelha aos seus dois símbolos, vindos diretamente do Aeroporto de Faro.

Ana Cabecinha e Paulo Murta foram recebidos com muitos aplausos por mais de uma centena de pessoas e o irmão mais velho da atleta foi o primeiro a merecer um abraço reconfortante.

Ainda demoraram muitos minutos para que a corredora conseguisse abraçar praticamente todos os presentes e, enquanto enxugava as lágrimas, atendesse a todas as fotografias a pedido.

Depois da “foto de família” coletiva, com a tarja de agradecimento, que o COP tinha preparado e exposto na parede da sua sede, em fundo, a receção, a celebração e a emoção continuaram dentro do edifício, com uma sessão de boas-vindas e os discursos de representantes de entidades oficiais presentes.

Ana Cabecinha viu novamente, com lágrimas no rosto, o vídeo de incentivo que a direção do clube fez e partilhou nas redes sociais antes de Paris’2024, que exibia a sua trajetória no emblema de Pechão desde 1996, quando, aos 11 anos, iniciou a prática do atletismo.

A emoção da atleta, natural do Alentejo, mas radicada no Algarve desde criança, continuou com um vídeo com imagens dos 84 dias pós-parto, da preparação e do dia da prova em Paris, em que foi 43.ª classificada (e última) nos 20 quilómetros de marcha.

«A Ana pouco mais treinou do que 10 ou 15 dias. O treino nunca era à hora marcada, era o Lourenço que impunha os ritmos do treino. O sumo do treino era muito pouco», lembrou o técnico, revelando que a presença olímpica da atleta esteve em risco.

Contudo, a partir do momento em que chegou o convite para ser porta-estandarte da missão portuguesa em Paris, apenas a quinta mulher portuguesa a fazê-lo, tudo mudou. «A honra de transportar a bandeira» imperou, com a consciência de que o resultado final era o que menos interessava.

Ana Cabecinha fez, na capital francesa, a sua 97ª prova de 20 km marcha. «Queríamos que as 100 fossem em Paris, mas com a gravidez não aconteceu», confidenciou Paulo Murta.

 

Ana Cabecinha distribuiu muitos abraços à chegada – Foto: Edgar Pires | Sul Informação

 

Mas não havia melhor forma de terminar a carreira de alto rendimento, prosseguiu o técnico: «Foi uma vitória da Ana. Aquela última volta foi emocionante, quando beija o Lourenço, momento que fica para a vida. E nos últimos 400 metros, em que todos os juízes lhe tiram o chapéu. É um momento único e foi ali que terminámos a carreira da Ana. Não venham com coisas, terminou ali, no nosso ponto mais alto em termos de carreira».

Houve mais uma surpresa: um terceiro e último vídeo com mais de duas dezenas de mensagens de treinadores e atuais e antigos atletas campeões mundiais e olímpicos, que competiram em dezenas de provas com a portuguesa.

A antiga marchadora Susana Feitor desafiou a atleta de Pechão, que em 2008 lhe tirou o recorde nacional, a fazer mais um ciclo olímpico até Los Angeles’2028, com imediata reação de Cabecinha: «Não, não, não vou…»

O campeão olímpico do triplo salto Nélson Évora celebrou «a colega de uma vida», afirmando-se «sortudo» por ser seu amigo, desde os campeonatos de juvenis «até à velhice desportiva», e elogiando-a pelo «esforço, dedicação e, sobretudo, pela parte humana, que é única».

Paulo Murta, que se considerou o «gestor de carreira» de Ana Cabecinha, salientou a persistência e resiliência – «palavras que estão na moda» – da sua atleta, que lhe permitiram construir a carreira de alto rendimento que construiu, mesmo abdicando de muito ao nível pessoal e familiar.

«A Ana é o milagre de Pechão, não é o milagre do Murta. As pessoas nem imaginam o que é o alto rendimento. Para chegar lá, é preciso muito tempo, dedicação, disponibilidade, uma equipa bem montada. Foram 28 anos e a Ana nunca saiu do Clube Oriental de Pechão, apesar das propostas que teve. Se calhar por teimosia minha, mas também porque sentiu aqui outras coisas. Não é só o dinheiro, é esta receção que está aqui, são os momentos que viveu em Pechão, é a família, é este carinho», frisou.

A finalizar, Ana Cabecinha lembrou que já tinha agradecido a muita gente, mas o «agradecimento eterno» tinha de ir para o seu «treinador da vida toda» e também «família», agora que tem a responsabilidade de ser padrinho de Lourenço.

«Foi teimoso e muitas vezes acreditou mais do que eu nos resultados e nas coisas que eu poderia fazer. Toda a minha carreira a devo a ele. Só tenho de estar grata à pessoa, ao treinador, ao ser humano que me criou, além dos meus pais», afirmou, antes de um abraço muito aplaudido.

A marchadora garantiu ainda que vai manter a ligação ao Clube Oriental de Pechão, cujo presidente Miguel Granja a considerou «a maior referência» do emblema.

«Irei estar sempre ligada ao clube. Não como atleta profissional, mas vou continuar atleta federada, porque vou continuar a fazer as minhas provas de fim de semana e ajudar o clube em campeonatos regionais. Mas, para já, vou tirar um ano para me dedicar a 100% ao meu filhote», concluiu.

 

Fotos: Edgar Pires | Sul Informação

 

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