A extinção dos Serviços Florestais foi a mais clamorosa afronta perpetrada contra a boa gestão do território português e representa a mais descarada acção de inspiração neoliberal a que já se assistiu.
Os Serviços Florestais cobriam o território, com uma quadricula de casas de guarda englobadas em Administrações e estas, por sua vez, pertencentes a Circunscrições Florestais, que eram regionais.
Eu fui Administrador Florestal e conheci por dentro os Serviços que vinham do tempo da Monarquia,
Nos bons tempos do seu funcionamento, possuíam outras valências ligadas com a floresta: havia os serviços de correcção torrencial, os serviços de piscicultura de águas interiores e o serviço de repovoamento cinegético.
Quem é que hoje faz correcção torrencial?
No entanto, com as serras despidas da mata que ardeu, milhares e milhares de hectares com grandes declives ficam desprotegidos – as torrentes de lama e pedras escorrem livremente para entulharem linhas de água. Alguém se preocupa com isso?
E tínhamos um técnico de prestígio internacional, o Engº Mário Galo, que inventou uma barragem a construir com placas de betão, muito engenhosa e fácil de montar, que assegurava a sistematização das linhas de água. Eu mesmo montei algumas – haverá hoje quem as saiba fazer?
Devem achar que são gastos desnecessários, o Estado menor fica Estado melhor…
A extinção dos Serviços Florestais foi forçada pela influência da indústria da celulose; houve uma dada altura em que toda a organização – Ministro, Secretário de Estado e Director Geral – eram todos funcionários das celuloses.
Mas, mesmo assim, a ética dos engenheiros florestais exigia deles um ordenamento florestal que limitava naturalmente as matas industriais apenas às áreas onde elas fossem adequadas às condições edafoclimáticas. Eram, assim, um alvo a abater.
Foi a “época gloriosa” em que se deu a extinção dos Serviços de Extensão Rural. Era Estado a mais… os grandes agrários têm os seus próprios técnicos.
Por outro lado, as grandes Áreas Protegidas (Parques Naturais e Reservas Naturais), com os seus planos de ordenamento, eram outro obstáculo à livre plantação do eucaliptal…
Sendo 95% da área florestal portuguesa (matas e matos) propriedade privada, surgiu a luminosa ideia de que não competia ao Estado tratar dela; erro crasso, pois os recursos florestais são recursos nacionais e deve caber ao Estado de Direito Social a sua gestão.
Mas funcionou a norma liberal de menos Estado para melhor Estado; no Governo de Durão Barroso, houve um complot de dois secretários de Estado para juntar as áreas protegidas com os florestais na mesma organização, o que foi denunciado pelo então ministro do Ambiente, Eng.º Amílcar Teias. Falhou nessa altura, mas concretizou-se depois…
Foi com António Costa em Ministro da Administração Interna que os guardas florestais foram retirados aos Serviços Florestais e metidos na GNR.
Teve para isso o apoio (e se calhar a ideia) do então ministro da agricultura, de quem nem digo o nome, que veio de Bruxelas cheio de “ciência” e desbaratou o Ministério, tendo sido o pior ministro da Agricultura de sempre (mesmo contando com a anterior ministra…).
Depois, com Assunção Cristas, o processo continuou e esta pode orgulhar-se de ter sido com ela que ardeu o Pinhal de Leiria.
O ICNF é o tal aborto que nem faz correctamente a Conservação da Natureza, nem gere as florestas, porque não tem estrutura implantada no terreno para fazer o que fariam os Serviços Florestais.
E o que mais havia ainda para dizer…
Autor: Fernando Santos Pessoa é arquiteto paisagista e engenheiro silvicultor…e escreve com a ortografia que aprendeu na escola
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