Mundo de Lídia Jorge na fachada da Biblioteca de Albufeira pela mão de Vhils

Lídia Jorge: «é tocante que o Vhils tenha aceitado este projeto»

Foto “de família”, frente à obra – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

«Vejo ali a serpente…os olhos destas mulheres…e alguma coisa do mar, as redes». Lídia Jorge comentava assim, em conversa com Vhils, o mural que o artista plástico criou para a fachada da Biblioteca Municipal de Albufeira, inspirado na obra da escritora que dá o nome a esta casa dos livros.

A inauguração do mural teve lugar ontem de manhã, com a presença de ambos, marcando o início das comemorações dos 20 anos da Biblioteca Municipal albufeirense, que se hão-de cumprir a 17 de Dezembro.

Lídia Jorge e Alexandre Farto, mais conhecido por Vhils, só se conheceram pessoalmente aqui, na inauguração da obra de um que homenageia a obra de outra.

 

Vhils a conversar com Lídia Jorge – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

Vhils fez «um agradecimento especial» à escritora, «cuja obra ímpar tem apresentado uma reflexão essencial sobre os contrastes da nossa sociedade, contrastes do passado e do presente, geográficos, de género e de classes sociais. São temas que regem também o meu próprio trabalho».

Por isso, salientou o artista plástico, depois de confessar o seu pouco jeito para discursos, «é com uma grande honra e entusiasmo que apresento a obra concebida para celebrar os 20 anos da Biblioteca Municipal Lídia Jorge. Esta é uma obra de representação visual e poética da jornada rumo à iluminação e ao conhecimento adquirido ao longo da vida. Inspirado pela visão de uma casa iluminada e repleta de conhecimento, este trabalho é um tributo aos inúmeros livros e autores que encontram aqui o seu refúgio».

«Através do uso criativo da luz e da sombra», o mural que agora pode ser visto por todos na fachada da Biblioteca de Albufeira «pretende criar uma experiência imersiva, transportando os espectadores para um espaço de reflexão sobre a efemeridade da vida e das experiências que moldam a nossa existência», acrescentou ainda Vhils.

Ao transformar esta fachada da Biblioteca, «procurámos celebrar não só os 20 anos desta instituição, mas também a riqueza literária e cultural que ela representa. É um convite a todos os visitantes para refletir sobre a beleza e a complexidade da vida, explorando as palavras da Lídia Jorge e as imagens que tive o privilégio de criar», explicou.

É que «este projeto é, acima de tudo, uma celebração da cultura, do conhecimento e da arte. É um símbolo de como estes elementos podem influenciar as nossas vidas, fortalecer as nossas comunidades e mitigar as nossas desigualdades. Espero que esta obra inspire todos os que a veem a buscar o conhecimento e a valorizar as experiências que nos moldam».

 

Vhils, Lídia Jorge e José Carlos Rolo- Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

Lídia Jorge confessou, pela sua parte, a sua «grande emoção» por estar ali, diante desta homenagem que é feita à cultura e à leitura».

Para mais porque, como salientou, «para mim, é particularmente tocante que o Vhils tenha aceitado este projeto e que o resultado tenha sido este».

A escritora recordou outra obra recente do artista, o mural que este fez para o Metro de Paris e que Lídia disse ter visto na televisão. «Julgava que nós, aqui, iríamos ter apenas uma espécie de pequenina continuação [dessa obra]. Mas é uma grande continuação!».

Olhando para os «olhos penetrantes» de Alexandre Farto, ou seja, Vhils, a consagrada escritora sublinhou o que ele «faz por toda a parte, que é chamar, através da arte pública, as pessoas para dentro dos espaços», não deixando que «as cidades se afundem no anonimato, na frieza da não comunicação, onde o rosto humano desaparece e onde as relações humanas se questionam por completo».

Vhils consegue, «um pouco por toda a parte, deixar esta marca profunda daquilo que é a sua proposta de humanização dos espaços».

«Então, podem imaginar qual é a minha alegria por saber que o Vhils fez este trabalho com a inspiração das minhas coisas!», exclamou.

 

David Monteiro, Lídia Jorge, Vhils e Carla Ponte – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

Mas a escritora não esqueceu também o contributo de David Monteiro, o project manager do Vhils Studio, ou de Carla Ponte, chefe da Divisão de Turismo, Desenvolvimento Económico e Cultural da Câmara de Albufeira, que foi «uma ponte, de facto».

«Foi uma dialogante extraordinária e, mesmo quando as coisas pareciam que não encaixavam, afinal, ela acabou por nunca desistir, por tentar encontrar ponte entre a linguagem e o que era a expressão plástica, através, claro, da ajuda do David».

Essa expressão plástica «acabou por acontecer de uma forma exaltante», de tal forma que a escritora que dá nome à Biblioteca Municipal de Albufeira diz acreditar que «quando as pessoas passarem por aqui, vão perguntar que casa é aquela? Afinal, que casa é aquela que está ali com aquelas imagens?»

E isso vai convidá-las a parar, a entrar, a ingressar na «seita dos leitores».

Lídia Jorge recordou também a génese do projeto da rede nacional de Bibliotecas Municipais, que começou em 1988 com a então secretária de Estado Teresa Patrício Gouveia, de um governo PSD, mas prosseguiu com os governos do PS.

«A partir daí, verdade seja dita, que todos os partidos e todos os municípios acabaram por fazer o prosseguimento ininterrupto das bibliotecas em Portugal». E esse é «talvez, o único projeto do tipo, de natureza cultural, que tenha prosseguido desta forma tão intensa, desta forma tão continuada. É um exemplo e, hoje, as bibliotecas por todo o país são uma espécie de farol, de ponto de vista da cultura em Portugal».

E, recordou: «estive, creio que foi em 1984, nos Estados Unidos, percorri várias bibliotecas e fiquei com uma inveja enorme, enorme, do que lá se passava. Hoje, felizmente, nós olhamos para o nosso país e não temos inveja».

Pelo contrário, «percebemos que a biblioteca continua a ser uma espécie de templo profano da cultura no nosso país, um pouco por toda a parte. E mesmo depois de todo o estremecimento que a cultura digital tem trazido, na verdade, volta-se à biblioteca de novo como uma espécie de recurso, em relação àquilo que é a manutenção da cultura, e da fantasia para as populações locais».

 

Beatriz com Lídia Jorge – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

Lídia Jorge, momentos antes da inauguração, tinha conhecido a pequena Bea (que se lê bia), ou seja, Beatriz Cabrita, de 10 anos, que lhe pediu para autografar dois livros infantis da escritora, mas também lhe ofereceu o seu primeiro livro editado, «Princesas Mágicas». E aí foi Lídia que pediu um autógrafo à muito jovem autora.

A Beatriz, que, além do livro já editado, escreveu mais quatro, frequenta o clube de escrita criativa da Biblioteca de Albufeira, para crianças dos 8 aos 11 anos, do qual a mentora é Vanda Prazeres, uma das bibliotecárias.

Identificando-se com esta jovem escritora, Lídia Jorge saudou a Beatriz, fazendo votos para que a sua vontade de escrever «nunca esmoreça e que faça aquilo que eu fiz: é que eu passei da infância para a juventude e da juventude para a fase adulta sem deixar de escrever».

«Em geral, por volta dos 12, 13 anos, as crianças deixam de escrever, e até, muitas vezes, deixam de ler. Ora, aquilo que eu desejo é que a Beatriz faça um pouco como eu fiz, que nunca deixei, que nunca desisti».

O mural de Vhils, com referências à obra da algarvia Lídia Jorge, mas não só, pode agora ser apreciado por todo o público, já que está bem à vista de todos, na fachada da Biblioteca Municipal de Albufeira. Vhils até  já tem uma outra obra em Albufeira, embora longe dos olhares do grande público, porque está afundada no mar.

Uma dica: o melhor é ir ver de manhã, quando o sol incide sobre a fachada e todos os efeitos de luz podem ser apreciados com mais detalhe.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

 

 

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