Redes sociais trouxeram polarização política às famílias portuguesas

O alerta é da Ordem dos Psicólogos

As redes sociais e o consumo individual de conteúdos ‘online’ estão a criar novos fossos geracionais, a diminuir o diálogo intergeracional e a aumentar os problemas de saúde mental.

O alerta é da Ordem dos Psicólogos e são muitos os casos de aumento da diferença de valores dentro de cada família.

Por exemplo, Ana, 52 anos, sempre votou à esquerda e foi surpreendida pelo facto de o seu filho mais velho votar na extrema-direita nas eleições legislativas de março. “Não fazia a menor ideia das suas ideias políticas. Não discutimos política, mas nunca pensei que tinha alguém com ideias tão extremadas cá em casa”, disse a progenitora, que responsabilizou os “vídeos do Tiktok e do YouTube” pelas opções políticas do filho.

Falando à Lusa na véspera do Dia Mundial das Redes Sociais, a vice-presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses Sofia Ramalho considerou que este é apenas um exemplo que se repete em muitos agregados familiares, em que os consumos ‘online’ aumentam a diferença de valores, ideologia e convicções entre as gerações.

“Esta polarização e as posições mais extremadas podem ter impacto na saúde mental, mas por outro lado, também no próprio diálogo intergeracional, junto das famílias”, afirmou a especialista.

O consumo individual das redes sociais constitui “um teste à nossa resiliência individual, enquanto pessoas, e à resiliência da nossa democracia, tendo em consideração a disseminação de informações falsas”, salientou.

Os psicólogos identificam um aumento das ansiedades e de problemas de saúde mental, em muitos casos relacionados com o ambiente polarizado da sociedade, mas também casos de dependências ‘online’.

Apesar disso, Sofia Ramalho considerou que é “possível usar a tecnologia a favor da inclusão, a favor do diálogo e da própria participação cívica”, procurando “plataformas que facilitem este diálogo entre gerações diferentes e que facilitem a apreciação mútua das diferentes experiências e faixas etárias”.

Despertada para o facto de o filho ter convicções completamente diferentes das suas, Ana decidiu conhecer os fóruns ‘online’ e os influenciadores digitais de extrema-direita em Portugal.

“Eu agora percebo porque é que ele votou em quem votou. Pode ser para chatear ou porque sente que não há resposta. Mas, se calhar, também é a minha responsabilidade por ter desistido de discutir os problemas em casa”, desabafou a mãe.

Agora, passaram a ver as notícias na televisão em família e, sempre que pode, tenta discutir os temas da atualidade.

“Ele até pode votar onde votou, mas é importante que perceba que as coisas são complicadas” e que “os problemas do país não se resolvem de um dia para o outro”, explicou.

Para Sofia Ramalho, é essencial que a sociedade faça um esforço de promoção da “literacia digital”, numa “lógica do desenvolvimento de competências transversais, nomeadamente, por exemplo, o sentido crítico e o discernimento para poder distinguir o que são informações verdadeiras de informações falsas”.

Rui tem 17 anos e já sabe onde vai votar. Filho de pais conservadores, já decidiu que vai votar num partido que defenda “o ambiente do modo mais radical possível. Sem cedências”.

“Eu só vejo ‘reels’ e vídeos sobre os problemas do mundo. Estamos a destruir o mundo e as pessoas não se preocupam”, afirmou, minimizando os temas tradicionais da política.

“O que é que interessa o PIB [Produto Interno Bruto] se não existir planeta para vivermos daqui a uns anos?” – questionou, ansioso.

Nas famílias, Sofia Ramalho defende que os pais se envolvam no consumo ‘online’ dos filhos: “É importante um diálogo em família sobre a utilização das plataformas digitais ou das redes sociais do que propriamente estar a controlar o que os mais novos consomem”.

Até porque, salientou, a partir da adolescência, o consumo é “naturalmente autónomo” para se demarcarem os progenitores.

As plataformas “devem ser sujeitas a políticas de transparência, responsabilizadas por aquilo que façam no “combate ao discurso de ódio”, disse.

“As redes sociais que são frequentadas pelos jovens não são as mesmas que as frequentadas pelos adultos”, mas há “plataformas conjuntas”, só que “os conteúdos são diferentes” o que, na prática, faz com que as bolhas de informação sejam complemente separadas.

“O diálogo tem de ser mantido fora internet”, dentro das famílias, “para que seja possível que cada geração lide de uma forma crítica com o seu consumo”. E “isso só se consegue com diálogo e discussão”.

Contudo, o tempo excessivo na internet “dificulta a oportunidade de diálogo presencial, de discussão crítica, entre pais e filhos”, salientou.

 

Autor: Paulo Agostinho, da agência Lusa

 



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