«Nós estamos cá, mas o fogo destruiu-nos o trabalho de uma vida»

Autarquia de Odemira continua a quantificar os estragos que o fogo deixou

Bárbara Santos. Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

O cheiro a fumo ainda é muito intenso e perde-se de vista os quilómetros e quilómetros de área ardida. À porta das habitações, as pessoas vão tentando limpar e cuidar do que restou, mas, para muitos, é difícil perspetivar como será o futuro.

Bárbara Santos tem uma casa mesmo ao lado do local, em Baiona, onde o incêndio de São Teotónio deflagrou, no passado sábado, 5 de Agosto. Foi ali, num parque de merendas, que se acredita que tudo tenha começado.

O marido foi uma das primeiras pessoas a pedir socorro e a temer que o fogo lhe levasse tudo.

«Foi mesmo dali que o fumo começou a vir, mas, de repente, já tinha passado a estrada e vindo para este lado», aponta Bárbara Santos, enquanto vai acariciando os gatos que, tal como ela, conseguiram escapar ao fogo. As chamas terão começado com um piquenique, estando já a Polícia Judiciária a investigar se teve origem em comportamentos negligentes ou dolosos. 

«Nós, felizmente, estamos cá, mas o fogo destruiu-nos o trabalho de uma vida. O meu marido tem 60 anos, toda a vida trabalhou na agricultura e não sei o que vai fazer agora», diz-nos.

Eram vários hectares de pasto para animais, pinheiros e sobreiros, de onde viria, em pouco tempo, a retirar a cortiça que é o rendimento da família.

Bárbara ainda não consegue quantificar o prejuízo, mas afirma que serão milhares e milhares de euros.

«Não sei mesmo como será o futuro. Restou-nos algum gado, mas nem comida para o alimentar temos porque todo o pasto e fardos de palha arderam».

 

Bárbara Santos dá de comer às cabras, que também escaparam ao incêndio. Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

Apesar de ser ali, à beira da EN 120, na freguesia de São Teotónio, que tem o seu sustento, Bárbara, o marido e o filho moram em Odeceixe, uma vila mesmo ao lado, mas já no concelho algarvio de Aljezur, que também foi muito afetado pelo incêndio.

«Eu não estava aqui quando o incêndio começou, mas vim para ajudar. Quando me ligaram a dizer que o fogo estava a passar para Odeceixe tive de ir para lá».

No caminho, de carro, Bárbara conta que viveu «um verdadeiro inferno». «A certa altura ficámos cercados pelas chamas e tivemos de esperar que o fogo passasse para podermos continuar o percurso», conta.

Já em Odeceixe, diz que foi o trabalho de uma população que se uniu para ajudar os bombeiros e restantes operacionais que salvou as casas.

Maria Alzira tem nesta vila algarvia não só a sua casa como também o negócio de uma vida.

À porta do mini mercado Claro, que abriu há 42 anos, encontramos duas pessoas que comentam, com tristeza, o rasto que o fogo deixou. Ainda assim, quando por elas passamos, um «bom dia» não fica por dizer.

Entramos. Atrás do balcão está Maria Alzira, que conta como foi difícil ver o fogo tão perto da sua casa e negócio.

 

Maria Alzira, dona do Mini Mercado Claro. Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

Aos 69 anos, teve medo de perder tudo o que tinha construído ao longo da vida, e conta como reagiu ao aproximar das chamas.

«Pus o que nos pudesse proteger para fora, abri as torneiras todas e começámos a molhar tudo à volta. O fogo veio até aqui muito rápido e quando cá chegou ainda não havia bombeiros para nos defender».

Com um ar entristecido, Maria Alzira comenta que o terreno ao redor da vila não estava limpo e que temia que isto pudesse acontecer.

«Todos ajudámos a combater o incêndio e foi assim que conseguimos salvar as nossas casas».

 

O rasto que o fogo deixou em Odeceixe. Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

Mas Odeceixe não é só de quem lá está o ano inteiro. Aqui, muitos vivem também do turismo e, apesar do fogo não ter destruído casas, pintou de negro a paisagem envolvente.

Nas Casas do Moinho, ouve-se que agora o objetivo é «trabalhar para voltar a colocar Odeceixe no mapa pelos melhores motivos».

Ao Sul Informação, Arnaldo Couto, proprietário deste turismo de aldeia, revela que os hóspedes, felizmente, decidiram permanecer.

«Saíram naquele momento, quando o fogo estava ativo, mas depois da situação controlada regressaram porque se sentiram confiantes e, como vemos, nada aqui foi afetado e estamos seguros», reforça.

2,2 quilómetros mais à frente, chegamos ao Parque de Campismo de São Miguel, o primeiro local a ser evacuado devido ao incêndio.

Estamos em Agosto e o cenário devia ser de grande movimentação, mas, apesar de todos os campistas terem conseguido regressar na noite anterior, grande parte decidiu arrumar as tendas e sair.

Ricardo Santos, gerente do campismo, recusa-se a comentar o que passou. «O que posso dizer é que o parque se encontra intacto, não há qualquer serviço afetado, e que, neste momento, estamos a aguardar a retoma do Verão», frisa.

Mas se uns querem afastar a ideia de catástrofe, outros não têm como o fazer porque, de facto, o fogo destruiu muito.

Luísa Botelho, proprietária da TEIMA, espera-nos à beira da estrada, antes da curva para virar para Vale Juncal.

O caminho até ao turismo rural premiado, que foi consumido pelas chamas, tem agora de se fazer pelas traseiras porque a ponte pela qual todos os clientes passavam está totalmente destruída, assim como três das suites principais e muita da área envolvente.

«Estamos a falar de mais de 600 mil euros de prejuízo e do investimento de uma vida, onde vou, todos os meses, retirar o meu rendimento», conta-nos.

 

Luísa Botelho, dona da TEIMA. Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

«Nós estamos cá há 10 anos e nunca nos aconteceu isto porque os ventos predominantes eram sudoeste, sempre para a serra. Assim foi nos dois primeiros dias de incêndio, mas, no terceiro, o vento mudou e passou a ser de nordeste e a GNR pediu-nos para evacuar».

Cerca das 13h00 de segunda-feira Luísa foi obrigada a deixar o terreno, mas pediu para que lhe protegessem as casas e lá colocassem bombeiros, o que, diz, «não aconteceu».

«Às 15h30, já desesperada, sem informações, resolvi fintar as barreiras todas que havia nas estradas, cheguei aqui por volta das 16h00 e a primeira casa já estava a arder. Aflita, liguei para a GNR a pedir ajuda, voltei à estrada, onde estavam bombeiros, e pedi socorro, mas o bombeiro disse-me que não tinha instruções para sair dali. Eram para aí 18h30 quando alguém veio e isto já tinha ardido tudo, apenas restou aquela casa da ponta», diz, desolada.

«Respostas e muita ajuda», é o que espera agora a proprietária da Teima, que já contactou o Turismo de Portugal e pediu ajuda ao presidente da Câmara de Odemira, mas até à tarde de quarta-feira, ainda não havia resposta.

 

A ponte por onde os clientes chegavam à TEIMA. Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

A relva passou de verde a amarela, as três suites principais, decoradas «com tudo do bom e do melhor»,  estão completamente destruídas, os burros conseguiram sobreviver, mas passeiam agora num vale pintado a negro.

«O sistema voltou a falhar – e muito – e não foi por falta de pedidos de socorro», afirma Luísa Botelho, que diz que o maior receio é «não ter dinheiro para reconstruir isto».

Em entrevista ao Sul Informação, Hélder Guerreiro, presidente da Câmara de Odemira, não nega «a tragédia» que fica deste incêndio, que destruiu mais de 8 mil hectares, habitações, negócios, «sonhos e grande parte da atividade económica do concelho», que confirma, «precisa agora de toda a nossa atenção».

«Primeiro, vamos cuidar dos vivos – que são todos, felizmente -,  criando mecanismos para acudir às urgências, designadamente às pessoas que ficaram sem casa, e vamos coordenar também com produtores e agricultores o donativo de alimentação para os animais que ficaram sem comida», revela, acrescentando que tem havido uma grande onda de solidariedade no concelho.

Apesar do prejuízo ser enorme «e para milhares de habitantes», Hélder Guerreiro realça que «a resposta foi rápida», nomeadamente para acudir às quase 1500 pessoas que tiveram de sair das zonas de maior perigo.

 

Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

Muitas passaram as últimas noites na Escola EB 2, 3 de São Teotónio, mas na tarde de quarta-feira, quando o Sul Informação lá chegou, o ambiente era de calma. Todos tinham regressado às suas casas depois de dias de muito medo.

À porta, falámos com Dário Guerreiro, presidente da Junta de Freguesia de São Teotónio, que, desde sábado, esteve sempre no terreno e foi falando com populares, muitos deles que, «pela experiência», ajudaram a Proteção Civil a perceber para onde o fogo se dirigia.

No rosto não queria deixar transparecer o cansaço e, pelas suas palavras, percebia-se que «ainda há muito a fazer».

Dário Guerreiro fala de um «flagelo» que destruiu grande parte da zona serrana de São Teotónio que era o sustento de muitas famílias, algumas «com necessidades».

Agora é tempo de continuar a entrar nas áreas ardidas para quantificar tudo o que o fogo levou, algo que a Entidade Regional de Turismo (ERT) do Alentejo e Ribatejo disse que também já está a fazer.

Há quem fale num sistema que voltou a falhar, mas Dário Guerreiro diz que, «quem teve a oportunidade de, na segunda-feira, estar nas frentes de incêndio, dizer ou apontar falhas nunca será justo, porque, com as proporções e condições climatéricas que aconteceram nesse dia, era impossível qualquer meio apagar o incêndio. Mas se houve falhas elas devem ser discutidas, claro, e, como é obvio, há coisas a melhorar».

 

Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

Já Hélder Guerreiro afirma que «ficam lições que não fomos retirando dos incêndios anteriores».

«Melhorámos muito a capacidade de resposta e combate, mas não estamos claramente a investir e a melhorar as capacidades ao nível do planeamento, reordenamento florestal e prevenção. Acho que é aí que temos de fazer um esforço de investimento, todos, porque o incêndio não conhece fronteiras administrativas que nós, por exemplo, teimamos que existam entre o Algarve e o Alentejo», diz.

Quanto à ponte que já está a ser feita com o Governo para articular respostas e ajudas, o presidente da Câmara de Odemira revela que sabe, para já, que o secretário de Estado do Turismo vai visitar o território para falar com os proprietários dos alojamentos.

«Muitos não foram afetados por lhes ter ardido a casa, mas ardeu o sistema envolvente e isso tem impacto, claro. O território de Odemira vende paisagem, que agora está completamente transformada e, por causa disso, estes turismos acabaram por ter prejuízos: das pessoas que tiveram de sair, antecipando o fim das suas férias, mas também das que agora, por receio, já não querem vir. O que fazem mal, porque o território continua a ser lindíssimo, mas isso é um direito que as pessoas têm», reforça.

Para quem fica, haverá, todos os dias, um rasto negro que não deixa esquecer aquilo por que passaram.

De que cor é o futuro de quem tem o presente pintado com cinzas? Bárbara e Luísa são duas das pessoas que não sabem a resposta, mas esperam ajuda para que se consigam voltar a erguer.

 

Fotos: Mariana Carriço | Sul Informação

 

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