A Política da Água

No Algarve e Alentejo Litoral e Interior, a escassez de água começa já a ser aflitiva e não demos ainda pelas tais medidas alternativas

Exemplo de central de dessalinização – foto de arquivo

Fontes oficiais não se cansam de assegurar que, este ano, não faltará água nas torneiras e que, se houver alguma deficiência, há alternativas – esperamos para ver.

Neste País, desde sempre, mais declaradamente nos últimos Governos, fazem-se políticas de navegação à vista – nada de grandes arrojos de médio e longo prazo.

Com o nosso território cada vez mais nitidamente dividido em dois – a norte e a sul do Tejo – os problemas da água (e do solo) terão de ser abordados de forma diferenciada, mas atendendo aos dois recursos.

Este ano, no Algarve e Alentejo Litoral e Interior, a escassez de água começa já a ser aflitiva e não demos ainda pelas tais medidas alternativas.

Também se fala episodicamente no apelo à poupança, mas nem sequer me parece que esteja esboçada uma campanha na comunicação social, e nitidamente nas televisões, chamando a atenção das pessoas para o carácter prioritário de poupar água. Disseram-me um dia que um país da linha da frente da Europa não pode manter campanhas para ensinar o povo… Claro, fica mal na fotografia…

A política da água é uma daquelas que não se contenta com a navegação à vista. Há muitos anos que já deveria ter sido assumida e dada a conhecer (se existisse…) uma estratégia adequada – e aproveitando, enquanto se pode, os financiamentos europeus.

Reparemos nisto, para os mais distraídos: a maioria da população portuguesa vive ao longo da faixa litoral, são muitos milhões de portugueses que dependem do abastecimento da água que é produzida e armazenada no interior do território; ora, essa água deve ser garantida para as populações do interior que não têm alternativa, e para a agricultura – mas uma agricultura que não pode continuar a ser, como nos últimos anos, a dos pomares industriais de regadio intensivo no sul, que consomem água em beneficio apenas dos investidores que, quando a água faltar e o solo se esgotar, vão investir noutro lado, uma espécie de economia de casino.

A água potável, em situações de condição mediterrânica como é a nossa, devia há muito ter sido pensada como nos países desta região e que desde há anos eu venho referindo, porque os conheço: através da dessalinização da água do mar.

A última vez que estive na Argélia, há meia dúzia de anos, já existiam 14 dessas estações, Marrocos tem várias, e um país da lusofonia, com economia débil como sabemos, Cabo Verde, há muito que já abastece as suas populações com água dessalinizada. É um luxo? Não, é a única forma de acudir à necessidade básica das populações.

Não sou especialista, mas tenho acompanhado o processo técnico desde há muito e, sobretudo devido ao avanço tecnologia dos israelitas, hoje a osmose inversa, um dos métodos mais eficazes usados na dessalinização, está perfeitamente dominada e a eficácia das membranas e de todos os materiais já não oferece problemas.

De forma simplificada, pode aceitar-se que, de cada 3 litros de água absorvida, sai um litro de água potável e dois de água super-salgada, devolvida ao mar. Esse aspeto é crucial no Algarve para a localização da prometida estação (que parece que virá pelas calendas gregas).

A água assim salgada deve ser devolvida ao mar num local de forte agitação marítima para dispersar rapidamente a elevada salinidade: deixar aquela água a dissolver lentamente vai trazer graves problemas ao ecossistema costeiro – este devia ser o principal critério para localizar a central dessalinizadora no Algarve.

De resto, ao longo do litoral português, deveriam já estar a ser estudadas e previstas as centrais que venham a abastecer as populações urbanas – se se governar para o médio e o longo prazo.

O maior problema deste método de obter água potável foi sempre o elevado custo de energia; mas, em todo o litoral, não faltam vento e sol, de forma que cada estação pode ser autónoma na energia que consome – até a pequena ilha de Maio, em Cabo Verde, que visitei, tem a sua central a funcionar como painéis solares, como nas restantes ilhas. Por cá, não será diferente.

Nada disto deve impedir outras medidas urgentes, como sejam eliminar as perdas de água nas redes urbanas e a promoção da reciclagem das águas usadas.

Este ano, quem mora no Algarve depara-se com uma das piores situações de seca, mesmo recordando anteriores situações que ocorreram; a vegetação natural do barrocal já está em nítido stresse hídrico.

Oxalá eu esteja enganado e que os deuses se juntem para nos ajudar…

 

Autor: Fernando Santos Pessoa é arquiteto paisagista e engenheiro silvicultor. Foi fundador do Serviço Nacional de Parques… e escreve com a ortografia que aprendeu na escola

 

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