Ponte em Alcoutim: solução para a dinâmica do concelho ou incapacidade de pensar o território?

Não deveriam os 9 milhões de euros destinados àquela infraestrutura ser investidos na produção de um outro tipo de riqueza?

Há anos que ouço falar na ambição de Alcoutim de construção de uma ponte sobre o Guadiana, que a coloque em contacto directo com a população vizinha de Sanlúcar de Guadiana e os concelhos limítrofes de Granado, S. Silvestre de Guzmán, etc.

Um sonho antigo, que talvez tenha limitado aquelas gentes a pensar noutras alternativas que devolvessem a dinâmica social e económica ao concelho do Nordeste Algarvio, que delas é tão carente.

No âmbito dos recentes Festivais do Contrabando e em todas as conversas com alcoutenejos, todos são unânimes: se houvesse a ponte, a ponte… a ponte… Qual milagre que mudará para sempre Alcoutim…

Ora, a realidade da margem esquerda do rio, em Espanha, não é muito dissemelhante da que vemos em Alcoutim, como pude constatar no último festival, ao chegar a Sanlúcar, depois de toda uma manhã e parte da tarde a conhecer aqueles concelhos andaluzes, tão ou mais esquecidos por Madrid, que os vizinhos portugueses por Lisboa.

Atravessar aqueles territórios da província de Huelva não é muito diferente dos territórios da margem direita do Guadiana, quiçá, a desertificação seja até maior na serra andaluza.

Não se vislumbra no Pomarão, no vizinho concelho de Mértola, uma dinâmica forte proporcionada pela ponte sobre a ribeira do Chança, que liga há uns 15 anos os concelhos de Mértola e do Granado, junto àquela aldeia.

Também a ponte em Castro Marim, inaugurada há uns 30 anos, não tem levado mais habitantes aos concelhos de Vila Real de Santo António ou a Castro Marim.

Aliás, nos últimos censos de 2021, estes dois concelhos até perderam habitantes.

Por tudo isto causa-me alguma perplexidade como podem os políticos, em Alcoutim, acreditar que aquele concelho se transforme económica e socialmente com a execução de uma ponte, que por estes dias correm à pressa a construir.

Poderá um território enfraquecido, ligado por uma ponte a outro debilitado, gerar riqueza? E constituir a exceção em relação ao Pomarão ou mesmo a Castro Marim/Vila Real de Santo António?

Não deveriam os 9 milhões de euros destinados àquela infraestrutura ser investidos na produção de um outro tipo de riqueza? Na criação de empregos, com a fixação de pessoas?

A Câmara até poderia adquirir as casas devolutas numa aldeia, recuperá-las e alugá-las a preços simbólicos, ou destinar alguns desses edifícios a sedes de empresas, ou mesmo a nómadas digitais, como está na moda!

Ou apostar numa estratégia de desenvolvimento centrado no turismo de natureza, potenciando os recursos locais!

Decerto ainda sobraria dinheiro para tantas outras possibilidades, que me parecem mais exequíveis.

Não ficarão os políticos defensores da ponte, e pareceu-me existir unanimidade na vila na sua execução, para a história como executores de uma obra perdida? Um elefante branco? Nove milhões de euros é muito dinheiro para, ou muito me engano, serem deitados literalmente ao rio…

Talvez fosse oportuno assumir quanto antes o erro, pois não adianta mais tarde atribuir ou assumir as responsabilidades…

Que se aproveite a oportunidade para desenvolver aquele território, que decerto não se repetirá, mas não com a ponte…

 

Autor: Nuno Santos é engenheiro

 

 

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