Ministro da Cultura foi a Casais conhecer o novo espetáculo comunitário do Lavrar o Mar

Espetáculo que envolve a comunidade e resulta de residência artística na aldeia vai estrear-se em Maio

Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

«Qual das senhoras vai apresentar Casais ao senhor ministro?», pergunta Madalena Victorino ao grupo de mulheres, já de alguma idade, que se reuniu na antiga escola primária da aldeia do concelho de Monchique, à espera de Pedro Adão e Silva, titular da pasta da Cultura.

«Ai isso é para o Gonçalinho», responde uma das senhoras, apontando para o presidente da Junta de Freguesia de Monchique, José Gonçalo.

Mas, quando o ministro chegar, há-de ser Madalena, depois Carolina Sendim, em seguida a D. Dorila e muitas outras senhoras do grupo a explicar ao governante o que é a aldeia, mas sobretudo, o que tem sido esta residência artística em que elas próprias participam e que dará lugar, de 12 a 14 de Maio, ao espetáculo «Casais», integrado na sempre criativa programação do Lavrar o Mar.

No fim da visita, incluída no percurso dedicado à “Cultura que somos”, que, na sexta-feira passada, já tinha levado o ministro da Cultura a Castro Verde e a São Luís, no vizinho concelho de Odemira, uma das senhoras voltou-se para Pedro Adão e Silva e disse-lhe: «gostei de conhecê-lo. O senhor é simpático e acessível, não esperava isso de um ministro». Outra senhora, mais ousada, atirou: «E ainda por cima é jeitoso!». Gargalhada geral, incluindo do governante.

Ainda na rua, à porta da antiga escola, a coreógrafa e encenadora Madalena Victorino explicou ao ministro, bem como a Adriana Nogueira, diretora regional de Cultura do Algarve, e ao executivo da Câmara de Monchique – o seu presidente Paulo Alves, o vice presidente Humberto Sério e a vereadora Helena Martiniano – que o projeto «Casais» começa por ser uma residência artística de seis semanas, em que todos os que vêm de fora estão mesmo a viver na aldeia e se relacionam com os seus habitantes, muitos deles (sobretudo delas) participantes no projeto que há-de culminar na apresentação pública do espetáculo.

A equipa – constituída sobretudo por músicos e bailarinos portugueses (ou quase) vindos desde Barcelos, Viana do Castelo, Porto a Lisboa, Salvaterra de Magos e Monchique – tem coordenação artística de Madalena Victorino, Alice Duarte, Pedro Salvador e Alexandre Moniz, mas integra ainda Carolina Sendim, Maria Abrantes, Sofia Kafol, Pedro Matias e os habitantes de Casais.

 

A aldeia tem cerca de 90 habitantes e apenas uma criança portuguesa a viver lá em permanência, o Samuel, que também entra no espetáculo. Há outros miúdos portugueses, mas não estão lá sempre, bem como dois bebés filhos de alemães que se estabeleceram por ali.

«Logo que chegámos aqui, começámos a conhecer estas pessoas, nomeadamente a D. Aurora, que é a pessoa mais idosa, uma antiga caiadora», com 90 anos de idade. Aliás, a D. Aurora também entra na criação que a equipa do Lavrar o Mar está a engendrar.

«Nesta residência, estamos cá todos os dias, incluindo fins de semana e feriados. Isso dá-nos a oportunidade de conversarmos uns com os outros. É da matéria dessas conversas que se levanta a matéria do nosso espetáculo, que percorre a aldeia toda», tendo como pontos de paragem a capela, a escola, o café e o tanque, continua Madalena.

«Partimos da familiaridade, das coisas que as pessoas conhecem tão bem, para as levar na viagem do desconhecido que é a arte contemporânea», acrescenta.

 

 

Na antiga escola, onde o presidente da Junta quer instalar um pólo museológico para contar a história deste edifício tipicamente do Estado Novo, bem como um centro comunitário, as paredes estão agora cobertas de folhas com coisas escritas. Encostadas, há três grandes tábuas, com palavras do dia a dia das pessoas de Casais. Coisas banais como cama, sabão, chaleira, plengana ou terrina, coisas do dia a dia, como o nome das tarefas (cavar, cair, correr, dar, encher…), das frutas e legumes que a terra dá (limões, tremoço, beldroegas, grelos…), dos animais (gato, burro, porco, lagartixa, sardão…).

«As pessoas da dança, pegam nas palavras e transformam-nas em movimento, porque as palavras têm movimento», diz Madalena. E um grupo de bailarinos lê e dança, perante o ministro, a lista dos animais.

No fim, Pedro Adão e Silva pergunta: «o que é um sacarrabos?». Toda a gente, ao mesmo tempo, tenta explicar-lhe que raio de bicho é aquele. Não se sabe se o governante ficou esclarecido, mas não foi por falta de tentativas.

Carolina Sendim é chamada a explicar um texto que suporta a dança e a música de uma outra parte do espetáculo. «O texto fala da minha relação com o corpo». Fala de «velhice, esquecimento, derrames». «Comecei a escrever sobre as reclamações dos outros e sobre as minhas», face ao corpo. E sobre «a ideia de ruínas», do corpo e das aldeias.

 

 

A dada altura do espetáculo uma senhora da Mongólia que vive na aldeia «vai cantar, um canto gutural que ela aprendeu com a sua mãe», naquele país distante da Ásia. E isso dará o mote para outras músicas, numa «fusão» e multiculturalidade que é já uma marca das produções do Lavrar o Mar.

Uma dessas músicas é a marcha que se cantava nos bailes que deram fama a Casais. A D. Dorila, com os seus quase 80 anos de vida bem vivida, explica ao ministro que «é uma marcha feita por mim há 47 anos, com 30 rapazes e raparigas. Era para ser uma semana, durou um ano. Veio gente de todo o lado. Eu é que era a ensaiadora».

E, na sala da antiga escola, lá arranca o baile. Juntando-se aos músicos Pedro Salvador, Alexandre Moniz e à baterista, o senhor José Maria, marido da D. Dorila, toca…pinhas. Isso mesmo: pinhas. Duas grandes pinhas de pinheiro bravo, que roça uma na outra, marcando o ritmo.

A D. Dorila ajusta o microfone e canta. O ministro e a diretora regional de Cultura, a quem foram distribuídas folhas com a letra, acompanham no refrão. No meio da sala, dança-se.

Ainda antes de ir conhecer outro local onde terá lugar o espetáculo (o tanque), Pedro Adão e Silva pergunta às pessoas da aldeia que participam ativamente o que é que aquela residência artística significa para elas. Ninguém explica muito, mas percebe-se que, para os habitantes de Casais, o facto de terem uma companhia artística a viver na aldeia e a preparar um espetáculo com as suas memórias, as suas histórias, é importante. «Antes íamos ao café e falávamos do tempo ou que o pão está mais caro, o arroz está mais caro. Agora temos outras coisas para fazer e para falar», resume uma das senhoras.

O espetáculo chama-se «Casais» porque este é, segundo Madalena Victorino, «um projeto de fusão: nós + a população».

 

 

No site do Lavrar o Mar, o projeto está mais explicado: «Casais é um laboratório de absorção, criação e transformação que dilata e crepita num espetáculo noturno de música e dança».

«Um grupo de artistas remexe no esqueleto da aldeia encerrada sobre si e levanta palavras, movimentos e suspiros que ainda trazem o calor do pão acabado de fazer».

«O tempo inverte-se mas não volta para trás, avança para um outro lado, suspenso e vibrante, que transborda de esquinas e sobe aos telhados».

«Descascam-se histórias às talhadas, escorregam e misturam-se dentro dos corpos. Com elas, caiam-se as paredes de dentro das casas entaladas nas ruas da aldeia».

«Só o búzio nos diz se é mentira ou verdade. Ou os dois burros, vigilantes».

 

 

Depois da escola, a comitiva segue para o tanque. Há quem atravesse a horta da D. Dorila e aproveite para, com a autorização da dona, apanhar limões e clementinas.

No tanque, duas bailarinas, uma delas de braço ao peito, contorcem-se em movimentos que se misturam com as paredes e com a água.

A repórter do Sul Informação, que dá o braço a uma das senhoras idosas para a ajudar a subir a rampa desde o tanque, pergunta-lhe: «então o que achou da dança aqui neste sítio?». A senhora pára, respira fundo para recuperar o fôlego e diz: «tanta roupinha que lavei ali, tanta má língua que por ali andou…nunca pensei que o tanque servisse para outra coisa, agora já nem lavar se lava lá. Olhe… gostei muito de ver as danças, muito mesmo. Não é por a gente viver aqui na aldeia, isolados na serra, que não gostamos destas coisas modernas».

No final, em declarações ao Sul Informação, o ministro da Cultura fez um «balanço muito positivo» do seu dia por terras do Sul.

Antes de chegar a Casais, já ao fim do dia, para conhecer o projeto do Lavrar o Mar, Pedro Adão e Silva tinha estado em Castro Verde, para conhecer o “Futurama”, Ecossistema Cultural e artístico do Baixo Alentejo, e depois em São Luís, onde lhe foi apresentado o projeto artístico “Cultivamos Cultura”.

«São três projetos muito distintos, mas que dão conta de uma dimensão comunitária da cultura e de como a cultura pode ajudar a transformar as identidades dos territórios», acrescentou, nas suas declarações ao nosso jornal.

Todos estes projetos são promovidos por entidades apoiadas no âmbito do Programa de Apoios Sustentados pela Direção-Geral das Artes (DGARTES), ou seja, «apoiados pelo Ministério da Cultura» e «ajudam a transformar as identidades, a apoiar a autoestima e têm uma dimensão comunitária muito importante, de envolvimento das comunidades locais».

Apesar das duas horas que o governante passou em Casais, não ficou a conhecer todo o espetáculo que se há-de estrear em Maio e que tem «muitas atmosferas».
«Agora não vamos fazer tudo, tem de vir ver o nosso espetáculo», desafiou Madalena Victorino.

«Estou desejando chegar a hora para vir aqui cantar e bailar», rematou a D. Dorila.

 

Fotos e vídeo: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

Leia mais um pouco!
 
Uma região forte precisa de uma imprensa forte e, nos dias que correm, a imprensa depende dos seus leitores. Disponibilizamos todos os conteúdos do Sul Infomação gratuitamente, porque acreditamos que não é com barreiras que se aproxima o público do jornalismo responsável e de qualidade. Por isso, o seu contributo é essencial.  
Contribua aqui!

 



Comentários

pub