CCDR Instituto Público, o caminho faz-se caminhando

A conversão das CCDR em Instituto Público suscita interrogações e reflexões

A lei-quadro nº 50/2018 de 16 de agosto relativa à transferência de competências para as autarquias e entidades intermunicipais, a RCM nº123/2022 de 14 de dezembro relativa à transferência, partilha e articulação das atribuições dos serviços periféricos da administração direta e indireta do Estado nas CCDR, e a aprovação na generalidade, em 2 de março de 2023 e depois em 30 de março, do decreto-lei que aprova a conversão das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) em Instituto Público, marcam, não apenas uma alteração substancial da estrutura de poderes locais e regionais como apontam para uma nova filosofia de regionalização e política regional no horizonte 2030.

De facto, o Conselho de Ministros aprovou, em março, não só a conversão das CCDR em Instituto Público, dotado de autonomia jurídico-administrativa e financeira e património próprio como, também, a criação de uma presidência coletiva das CCDR, um presidente e quatro vice-presidentes, com o estatuto de gestores públicos e que, em certas condições, podem ser, mesmo, exonerados pela nova tutela e superintendência do Estado central.

Estas alterações suscitam-me, porém, algumas interrogações e reflexões.

As CCDR são uma boa base de partida para a política de regionalização, pois constituem uma “interface” de referência para todos os serviços regionais do Estado e dispõem de uma legitimidade funcional e operativa para a condução da política regional.

As CCDR são uma infraestrutura administrativa útil para ensaiar o que eu designo como a regionalização coordenativa, todavia, a partir daqui, a regionalização é um processo eminentemente político, pois podem ensaiar-se diversas vias, mais curtas ou mais longas, para converter as CCDR em órgãos de governo e administração, seja sob a forma puramente jurídico-administrativa de Instituto Público com poderes reforçados, de Conselho Executivo Regional ou de Autarquia e Governo Regional.

O processo jurídico-administrativo de transferência e partilha de atribuições e competências decorrerá, em princípio, até março de 2024.

Resta saber como, no plano político, se irão estabilizar as novas relações de poder entre o novo Instituto Público e as constelações de poder à sua volta: as câmaras municipais, as comunidades intermunicipais, os serviços periféricos do Estado, o sistema político-partidário, o lobbying institucionalizado e os grupos mais ou menos organizados da sociedade política local e regional.

Lembro que estamos na fase inicial de execução dos principais programas operacionais do PRR e do PT 2030, não seria avisado criar mais uma fonte de instabilidade neste momento.

O Ministério da Coesão diz que irá ser criado um balcão único nas CCDR para atender municípios, empresas e cidadãos e que, assim, se procederá à desburocratização dos serviços do Estado.

Ao mesmo tempo, afirma-se que os serviços se manterão fisicamente nos locais onde hoje se encontram, mas nada se diz sobre as próximas alterações orgânicas desses serviços e respetivos quadros de pessoal; nada se diz acerca da transição digital e socioprofissional desses serviços, em especial, na passagem de quadros técnicos envelhecidos para quadros jovens qualificados e bem remunerados.

No plano jurídico-político, as CCDR serão um instituto público de regime especial, sem a direção política hierárquica habitual, mas com a superintendência e a tutela administrativa do Estado central.

No plano institucional, as CCDR, no âmbito do Conselho de Concertação Territorial, aprovam um acordo de parceria e um contrato-programa com a administração central e executam esse acordo ouvindo o Conselho de Coordenação Intersectorial no plano regional.

Confesso que não vejo aqui grandes inovações socioeconómicas e sociopolíticas, sobretudo, em matéria de inteligência coletiva e geografia sentimental da sociedade política local e regional.

Por último, os territórios não são pobres, estão pobres, porque não se conhecem a si próprios e padecem de um défice de conhecimento.

É imperiosa a necessidade de subir na cadeia de valor da programação e planeamento, a partir de uma ideia global e consistente de desenvolvimento regional, que não se reduza a um mero somatório de candidaturas sem qualquer ligação entre si no espaço e no tempo e, do mesmo modo, rever a dicotomia entre coesão e competitividade que tantos equívocos já ocasionou, pois as regiões, na sua diversidade, estão obrigadas a converter essa diversidade em vantagem.

Nota Final

A regionalização é, antes de mais, uma questão essencial de cultura política no seu sentido mais nobre.

Somos uma cultura que mergulha fundo na macrocefalia ancestral do país, sempre renovada por novas formulações imaginativas (institutos, agências, observatórios, comissões, conselhos) que, em muitos casos, ainda compara com a circunscrição distrital do território sobre a qual, de resto, assenta toda a orgânica político-eleitoral e as estruturas político-partidárias, não obstante já termos sacrificado essa figura emblemática do regime, o Governador Civil.

Quero crer, no entanto, que estas alterações são politicamente corretas e que poderão dar um contributo importante para uma mudança significativa da cultura política em Portugal, sem ignorar que ele pode ser, igualmente, um processo impertinente e conflituoso, ao sabor das políticas conjunturais e das maiorias de ocasião. Fica o meu benefício da dúvida.

Voltarei necessariamente ao assunto mais à frente.

 

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

 

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