De Vila Nova da Barquinha a Tomar, há Vhils e “Caça Brava”

Hoje foram 25,12kms

T3 : E8 – Vila Nova da Barquinha / Tomar

Ontem, enquanto fazia tempo para jantar, fui até ao parque ribeirinho de Vila Nova da Barquinha, que integra uma série de esculturas de artistas contemporâneos. Dei por mim a pensar no que tenho visto junto ao Tejo e na recuperação muito bem conseguida destes espaços junto ao rio e na sua devolução para usufruto das populações. Os autarcas destas zonas ribeirinhas estão de parabéns.

Depois desta tirada filosófica, voltando à realidade, o empregado do alojamento onde fiquei, ao sair do alojamento fez questão de dizer que está lá há quase três anos e eu era o primeiro português que aparecia a fazer o Caminho. Sinto que pareço um bicho raro.

Tinha lavado a roupa na casa de banho do alojamento, mas não secou durante a noite. Então, inovei. Pendurei as peúgas à mochila com alfinetes de ama, porque as molas de roupa não são seguras. Atravessei a camisola na mochila. Faltavam as cuecas. Pensei, pensei, e enfiei-as no chapéu. Foi dois em um: o sol batia no chapéu e secava-as; entretanto mantinham a cabeça fresca!

A primeira parte do percurso foi urbano, mas agradável. Passei por uma obra do Vhils, um tributo aos oleiros. Depois, foram eucaliptos, mais eucaliptos e ainda mais eucaliptos. A paisagem mudou radicalmente de um dia para o outro. Se até ontem, até Vila Nova da Barquinha eram grandes extensões, planas, de terra agrícola, hoje era serra coberta de eucaliptos. Ontem via-se muita gente a trabalhar, hoje ninguém. Nem um peregrino, para amostra.

No meio dos eucaliptos, perdi-me. Já ia a andar há uma série de tempo quando resolvi consultar a app. Estava no meio do nada, já longe da rota. Toca a voltar para trás, agora de GPS na mão, seguindo as minhas pegadas até encontrar as setas amarelas. Por acaso até era um poste e estava bem visível, mas eu devia ir conversando comigo mesmo e passei por ele sem dar por isso.

À saída da Asseiceira passei por uma tabuleta indicando “Caça Brava” logo seguido por outra com “Perdicampo” e ouvia-se um bruto tiroteio.

Não era um tiro agora, outro depois. Era uma autêntica barragem de fogo e, se aquilo era um campo de perdizes, era impossível alguma escapar.

Às tantas, começou a nevrinhar. Como qualquer algarvio, quando caiem três pingos de chuva, já a malta não sai de casa porque está a chover, resolvi experimentar o poncho para a chuva.

Tirei-o do fundo da mochila (vai num compartimento próprio, cá em baixo, junto ao saco cama), enfio aquilo pela cabeça (entretanto começa a chover mais) e aquela coisa à frente estava bem, mas atrás não cobria a mochila, encalhava num sítio qualquer. Eu bem me torcia para o agarrar e para o pôr bem, ia fazendo três entorses e duas distensões musculares e nada.

A mochila já estava a ficar toda molhada, a roupa que trazia pendurada a secar também e eu só pensava que, se alguém estivesse a ver ou a filmar a cena, estaria morta de riso e aquele enredo todo na net faria furor.

Depois de muito labor, resolvi tirar a mochila, vestir o raio do poncho e só depois meter a mochila às costas outra vez, por dentro. Resultou!!! As aulas de formação fazem muita falta…

É evidente, e para a vergonha ser ainda maior, que entretanto tinha parado de chover.

Mas depois caiu um esgarrão e fiquei feliz, fiz o resto do caminho de poncho porque o tempo andou muito instável e evitava mais figuras tristes (apesar de agora já dominar a técnica). A questão de secar a roupa que levava pendurada na mochila é que ficou comprometida, pois o pouco sol que apareceu era muito anémico.

Não encontrei nada para comer pelo caminho (mas ia prevenido). Cheguei a Tomar bem. Somos nove no quarto, em beliches, a casa de banho é unissexo (desconfio que o quarto também) mas os duches não. Já passei pela moça alemã vegetariana, tenho um argentino por cima de mim, e o italiano que foi meu companheiro de quarto em Santarém no beliche à minha direita. Este veio de Fátima e como não havia setas também andou (muito tempo) perdido.

Hoje foram 25,12kms.

 

 

Leia os outros episódios da Temporada 3 da saga d’O Caminhante:

Episódio 1 – Junto à Sé de Lisboa, começa a Temporada 3 da saga do Caminhante
Episódio 2 – Hoje não temos couratos
Episódio 3 – Desventuras de um algarvio nas voltas da grande idade
Episódio 4 – Entre estradão e alcatrão, até ao pescador do peixe-gato com 10 quilos
Episódio 5 – O milagre da fonte à beira do caminho
Episódio 6 – Uma cabeçada no beliche, um cão muito mau e um final com pés de molho
Episódio 7 – O Caminhante na terra de Saramago

 



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