Usa tecnologia de ponta, muita dela inédita e recentemente desenvolvida, e permitirá produzir dourada e robalo em alto mar, longe do olhar de toda a gente e das áreas onde os pescadores locais vão à faina. Vila Real de Santo António (VRSA) foi o local escolhido pela empresa Mariculture Systems para instalar uma aquacultura offshore, que será a primeira do género no mundo e representa «um grande avanço» no setor.
A empresa multinacional sediada em Israel fez um pedido de Título de Atividade Aquícola à Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), procedimento que esteve em consulta pública até à passada quinta-feira.
No mesmo dia, decorreu em VRSA uma sessão pública promovida pela Secretaria de Estado das Pescas onde a Mariculture System apresentou o projeto e se disponibilizou a esclarecer todas as dúvidas dos representantes dos pescadores, mas também de empresários e do próprio presidente da Câmara vilarrealense.
Segundo Peter Beringer, o diretor nacional da Mariculture em Portugal, que fez a apresentação, a ideia desta empresa é instalar uma aquacultura offshore, a 18 quilómetros (cerca de 9 milhas náuticas) a Sul de VRSA, assente numa plataforma flutuante, rodeada de gaiolas para produção de dourada e robalo.
Esta plataforma, um investimento que rondará os 2 milhões de euros, vai ter capacidade de produzir, idealmente, 8 mil toneladas por ano e ocupará, «no máximo», uma área de 40 hectares.
«Os peixes crescem melhor no seu habitat natural, que é o Oceano, onde eles têm oxigênio, têm correntes, têm nutrição na água. É a melhor localização possível para os peixes», explicou ao Sul Informação Yariv Bar Yam, diretor executivo da Mariculture Systems, que esteve presente na sessão em VRSA.
No entanto, «até agora, era muito difícil criar peixes no Oceano, porque há tempestades, ondas grandes, vento e correntes fortes. Era tecnologicamente difícil fazê-lo», acrescenta.
Desta forma, a empresa desenvolveu «uma nova tecnologia, a primeira do género no mundo, que é capaz de operar mesmo na tempestade e quando há ondas gigantescas», assente numa plataforma flutuante, mas que «está amarrada ao fundo com correntes, pelo que fica sempre no mesmo lugar».
«É muito baixa, com apenas 15 metros de altura. Mesmo sujeita a ondas de 10 ou 15 metros, graças a uma tecnologia exclusiva especial, que fomos nós que inventámos e que patenteámos em todo o mundo, a plataforma não se move, não balança, é muito estável», explica o empresário.
É uma destas plataformas que poderá ser instalada ao largo de VRSA. Caso obtenha todas as licenças e autorizações, a ideia dos investidores é ter a aquacultura offshore a funcionar «por volta do segundo semestre de 2024».
Com a tecnologia inventada pela Mariculture, «caso haja uma tempestade, podemos baixar todas as gaiolas até 50 metros abaixo do nível do mar. Os peixes continuam a viver, a crescer normalmente, lá o fundo».
«Depois de alguns dias, quando a tempestade terminar, nós voltamos a içar as gaiolas. Ou seja, a operação é contínua, durante todo o ano, sem qualquer interrupção», acrescentou Yariv Bar Yam.
A escolha de Vila Real de Santo António para inaugurar «a primeira instalação destas do mundo», deve-se ao facto de Portugal ser «um país muito importante para o nosso negócio».
«Até agora, fizemos muitos testes, incluindo testes no mar de um modelo. Mas instalações comerciais, estas serão as primeiras de sempre. (…) Vai ser a prova de conceito. Provaremos que funciona perfeitamente e com todos os benefícios», acredita o diretor executivo da empresa.
Depois disso, a Mariculture tenciona «espalhar centenas destas instalações, por todo o mundo».
Antes do Sul Informação falar com o diretor executivo da empresa, Peter Beringer já tinha explicado, não só, quais as caraterísticas técnicas desta nova tecnologia, mas também quais as intenções da Mariculture, ao instalar-se em Portugal.
«Queremos ter uma relação mutuamente vantajosa com os pescadores de VRSA. Estamos convencidos de que este nosso projeto será uma mais valia para o concelho, para o Algarve e Portugal. Vamos fazer o possível para contribuir para o desenvolvimento sustentável deste território», referiu.
Assegurando saber «que as pescas são parte essencial» da economia local, o diretor nacional da Mariculture Systems acredita na possibilidade de, não só, compatibilizar as duas atividades, como de «tirar benefícios mútuos, se trabalharmos em conjunto».
Quanto aos impactos, o mesmo responsável assegura que os peixes da aquacultura «não conseguem sair para fora das jaulas, nem os que estão foram conseguem entra».
A plataforma também terá sistemas automatizados, nomeadamente para alimentação das douradas e dos robalos e operará recorrendo «a energia solar limpa».
Peter Beringer fala, ainda, em «zona protegida para a vida marítima selvagem prosperar e se multiplicar».
No que toca a potenciais conflitos com a atividade turística, garantindo que a plataforma, à distância que está de terra e com as «pequenas» dimensões que tem, «não será visível da costa» – algo que o Capitão do Porto de VRSA confirmaria, minutos depois, no decorrer da sessão.
Após a apresentação, tanto os representantes da associação de pescadores de Monte Gordo, que disseram que o projeto «não afeta» a sua atividade, como Miguel Cardoso, da OlhãoPesca, não colocaram entraves ao avanço da aqualcultura offshore.
«Nós há muito que defendemos que as aquaculturas offshore devem estar situadas a mais de seis milhas da linha de costa. Daquilo que observámos, este projeto vai ao encontro do que nós defendemos», disse Miguel Cardoso, que fala, mesmo, em «projeto corajoso e ambicioso».
Também Teresa Coelho, secretária de Estado das Pescas, que esteve na sessão, disse considerar esta proposta «muito boa», mas que, ainda assim, achou que era importante promover um esclarecimento, para permitir à comunidade local dar sugestões e contributos para a discussão pública.
A voz mais preocupada, de entre as que estavam na sala, foi a de Álvaro Araújo, presidente da Câmara de VRSA, que quis garantias de que a instalação da plataforma «não afetará a fauna selvagem», algo que será alvo de análise no obrigatório Estudo de Impacto Ambiental.
O autarca afirmou-se «expectante» em relação ao projeto e avisou que irá «defender os interesses do concelho dos pescadores locais», se necessário.
Ainda em declarações ao Sul Informação, Yariv Bar Yam disse que a intenção é recrutar pessoal localmente, bem como ter fornecedores regionais e nacionais, sempre que possível.
«Agora precisamos conversar, de nos familiarizar com todos os fornecedores de materiais, com os estaleiros, com os fornecedores de ração para peixes. Se só depender de nós, gostaríamos de comprar tudo o que precisamos aqui no Algarve e em Portugal», assegurou.
Mesmo a plataforma, na medida do possível, será construída em Portugal e por empresas portuguesas, disse.
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