Alterações climáticas: Algarve sobe um degrau no Inverno e desce dois no Verão

Algarve é uma «ilha hidrológica» com tendência a que chova cada vez menos e faça mais calor

Foto: Filipe da Palma (Arquivo)

«No Inverno, subimos um degrau, no Verão, descemos dois», no armazenamento de águas de superfície e subterrâneas, no Algarve. A frase é de Nuno Loureiro, professor e investigador da Universidade do Algarve, e é confirmada pelos números atuais, que dizem que Março de 2023 foi um mês quente e seco, com temperaturas mais elevadas e menos chuva do que a média, mas também pelos dos últimos anos, que indicam que isso é, cada vez mais, a norma.

Ainda antes dos mais recentes dados da meteorologia, relativos ao mês passado, terem sido divulgados, a Assembleia Municipal de Lagos promoveu um seminário dedicado às alterações climáticas, onde especialistas analisaram as consequências que já aí estão e anteciparam outras que ainda vão acontecer, em Lagos e no Algarve.

A nível local, na atualidade, a consequência mais evidente das alterações climáticas, na região algarvia, mas também, especificamente, em Lagos, é a tendencial diminuição da água disponível.

Nuno Loureiro analisou os dados desde 1966 e percebeu que a tendência aponta para «um decréscimo significativo da precipitação», enquanto «cada vez temos mais problemas de armazenamento no subsolo e à superfície».

 

Nuno Loureiro – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

Na sua intervenção, na sessão especial da AM de Lagos, o investigador focou-se muito nos volumes armazenados nas albufeiras de Odeleite e Odelouca, uma vez que, «na realidade, são elas que determinam se temos água ou não» no Algarve, dada a sua elevada capacidade.

«Em Odelouca, a situação é absolutamente dramática. É o pior ano de sempre da barragem de Odelouca [desde a sua entrada em laboração, em 2010]. Odeleite teve uma subida grande com as chuvas deste Inverno, que a colocou perto da média dos últimos cinco anos», resumiu.

Em Odelouca, a barragem com mais capacidade do Algarve, havia, no final de Março, um volume armazenado de 38,6%, (39,1 no final de Fevereiro). Odeleite, a segunda maior albufeira algarvia, estava com 56,7% da sua capacidade total (58,6% em Fevereiro)

«Estamos 7% abaixo dos volumes armazenados que tínhamos há um ano, mesmo com as chuvas de Dezembro, que foram um fenómeno fortuito. No Inverno, subimos um degrau, no Verão, descemos dois», concluiu Nuno Loureiro.

Quanto à Barragem da Bravura, situada no concelho de Lagos e que é a que está em situação mais crítica, em todo o país, está atualmente com 13,6% da capacidade total de armazenamento, muito abaixo da média, que é de 76%, em Março.

Esta albufeira, que «precisa de dois anos de precipitação média para encher», está a ser afetada por «uma anomalia negativa de precipitação que tem sido mais intensa naquele local, nos últimos anos», revelou Pedro Coelho, diretor da Agência Portuguesa de Ambiente/ARH do Algarve.

 

Pedro Coelho – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

No entanto, esta é uma tendência geral. «Em 2010, as disponibilidades hídricas anuais do Algarve rondavam os 300 hectómetros cúbicos (hm3). Neste momento, andamos na ordem dos 150 hm3», disse Nuno Loureiro.

E, sem chuva, não há grandes alternativas para encontrar água – dessalinização e reaproveitamento de águas residuais ajudam, mas não resolvem o problema -, uma vez que «o Algarve é uma ilha hidrológica. Vivemos num sistema que, em termos hidrológicos, está isolado do resto do país».

Ou seja, no que aos recursos hídricos diz respeito, «não podemos bater à porta do Alentejo, nem de Lisboa – só se for para pedir cheques», brincou o investigador e professor da UAlg.

Como se percebe, esta não é uma situação pontual. Afinal, o mais recente Boletim Climático do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) mostra que parte do Algarve e quase metade do Baixo Alentejo estavam, no final de Março, em situação de seca severa, regressando a um cenário que tem sido recorrente.

«Nas últimas décadas, houve uma predominância de anomalias de temperaturas muito quentes, com temperaturas médias mais elevadas e recordes de calor, bem com precipitação abaixo do normal. Há um novo clima e temos de aprender a viver com ele», avisou Ricardo Pais, do IPMA, outro dos convidados da sessão da Assembleia Municipal de Lagos.

 

Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

Pedro Coelho salientou que «seis dos dez anos mais secos em Portugal, desde que há registo, foram depois do ano 2000. No Algarve, nos últimos 10 anos, a precipitação tem andado sempre abaixo da média. Só em 2017 esteve na média. Desde 2000, só houve três anos acima da média».

O seminário “Alterações Climáticas e sua influência em Lagos” contou ainda, como oradores, com Francisco Ferreira, presidente da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, Luís Azevedo Rodrigues, diretor executivo do Centro de Ciência Viva de Lagos, e Vera Rosado, técnica superior da Unidade Técnica de Gestão Ambiental da Câmara Municipal de Lagos.

Francisco Ferreira avisou que «é preciso começar a fazer contas e a tomar rapidamente decisões, para ver de que forma podemos mitigar os efeitos».

Já Luís Azevedo Rodrigues chamou a atenção para a importância da boa comunicação de ciência, para mudar mentalidades da população, em geral, mas muito particularmente dos decisores.

 

 

 

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