Oito Uniões de Freguesias algarvias querem separar-se. Outras tantas mantêm “casamento”

Pedidos de desagregação estão ligados a questões identitárias

Movimento pela desagregação em Barão de São João – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Metade das 16 uniões de freguesia que foram criadas no Algarve em 2013 vão-se desagregar e voltar à situação original. Mas, se há oito autarquias que acharam que a medida foi negativa, há outras tantas que reconheceram vantagens no “casamento” e vão assumir o compromisso para sempre.

Um diploma aprovado no final de 2021 abriu a porta à reversão do processo de união de freguesias, dando uma oportunidade única de se desagregar às antigas freguesias que quisessem recuperar a sua autonomia.

O processo, que teve de ser levado a cabo e concluído ao longo do ano de 2022, assentou em critérios «relacionados com a população e o território, a prestação de serviços aos cidadãos, a eficácia e eficiência da gestão pública, a história e a identidade cultural e a vontade política da população manifestada pelos respetivos órgãos representativos», segundo a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE).

No Algarve, mantêm-se as Uniões de Freguesia de Albufeira e Olhos de Água; Alcoutim e Pereiro; Faro (Sé e São Pedro); Estômbar e Parchal; Lagoa e Carvoeiro; Lagos (São Sebastião e Santa Maria); Tavira (Santa Maria e Santiago); e Vila do Bispo e Raposeira.

Em sentido inverso, no da desagregação, vão as Uniões de Freguesia de Conceição e Estoi; Bensafrim e Barão de São João; Querença, Tôr e Benafim; Moncarapacho e Fuzeta; Alcantarilha e Pêra; Algoz e Tunes; Conceição e Cabanas de Tavira; e Luz de Tavira e Santo Estêvão.

 

João Carlos Simões – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

Em alguns casos, a vontade de separação tem na sua génese «uma questão de identidade, o que fez com que as pessoas não aceitassem bem a agregação. Noutros casos, há rivalidades antigas, apesar de serem do mesmo concelho».

Esta é a perceção de João Carlos Simões, o coordenador do Algarve na ANAFRE e presidente de uma das Uniões de Freguesias criadas há cerca de 10 anos, a de Alcoutim e Pereiro, que optou por manter tudo na mesma e não se separar.

Como o representante das Juntas de Freguesia algarvias apontou, as questões identitárias tiveram um papel determinante nos casos em que foi pedida a desagregação, processo que já foi concluído, a nível local, e que espera apenas a confirmação do Governo.

Em Barão de São João, no concelho de Lagos, por exemplo, foi inclusivamente criado um movimento em prol da recriação desta Junta de Freguesia.

O principal argumento apresentado pelo movimento para a separação é o de que a freguesia de Barão de São João é «bastante antiga, com uma cultura e identidade muito próprias», pelo que se devia separar da vizinha Bensafrim.

Foi, inclusivamente, lançada uma campanha de incentivo ao recenseamento eleitoral, de modo a que Barão de São João tivesse eleitores suficientes para cumprir os critérios estipulados.

No final, a «desagregação da União das Freguesias de Bensafrim e Barão de São João foi aprovada por unanimidade e aclamação pela Assembleia Municipal de Lagos», segundo o movimento.

 

Margarida Correia – Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

No concelho de Loulé, também estiveram em causa questões identitárias, como a Câmara realçou no parecer que emitiu em relação à vontade de desagregação.

Esta junção de freguesias, diz o município «não ocorreu através da vontade ou da participação popular» e foi «um manifesto erro legislativo que prejudicou de forma evidente as populações da sua área territorial»

Em Benafim, foi «onde se ouviram as vozes mais críticas e o maior descontentamento por esta agregação, talvez pelo facto de, durante anos, ter lutado pela sua autonomia como freguesia, pois até à década de 80 incorporou a freguesia de Alte. Situação idêntica foi vivida pela Tôr que, só nos anos 90, se tornou freguesia, desvinculando-se na altura de Querença».

Apesar da vontade popular e da maioria dos eleitos para os diferentes órgãos autárquicos, que aprovaram a proposta de desanexação, há quem ache que a separação de Querença, Benafim e Tôr não é boa ideia. E não é uma pessoa qualquer.

«As exigências atuais a uma Junta de Freguesia são de tal ordem que eu tenho muitas dúvidas da sustentabilidade da desagregação, no futuro, porque, para comprar um parafuso, fazer uma despesa, é preciso uma panóplia de documentação e plataformas que temos de lançar. As novas juntas irão ter condições e meios técnicos para fazer esse trabalho individualmente?», questiona Margarida Correia, presidente da União de Freguesias louletana, em declarações ao nosso jornal.

Apesar de também considerar que a agregação foi «um erro»,  a autarca ressalva que, passados estes anos, as coisas estão «minimamente a funcionar». Agora, «isto vem revolucionar tudo novamente e eu tenho muitas dúvidas dos benefícios que isso vai trazer às pessoas».

Já a agregação, diz, permitiu ganhar escala e implementar novos projetos, como um subsídio de natalidade de 2 mil euros, «que só existia antes em Benafim e era de valor inferior» e o teatro gratuito nas escolas, entre outras medidas. «Temos uma série de coisas que, individualmente, Deus queira que as novas freguesias consigam realizar, mas não sei se vão ter dimensão para isso», considera Margarida Correia.

 

Bruno Lage

 

Em Faro, a escala que se ganhou é, de resto, vista como a grande vantagem da união das antigas freguesias urbanas da Sé e São Pedro.

«O que nós notámos, aqui em Faro, é que a escala que se ganha é muito significativa. Há mais verbas e mais meios. Por exemplo, no que toca aos jardins, com duas freguesias temos uma cidade a duas velocidades. A diferença de uma rua para a outra ao lado pode ser enorme só porque mudam as freguesias», disse ao Sul Informação Bruno Lage, presidente da União de Freguesias de Faro.

«As Juntas de Freguesia são uma espécie de condomínio da cidade, são elas que tratam da manutenção e que detetam e resolvem os pequenos problemas. Cada vez temos mais competências, mas também é preciso que tenhamos os meios correspondentes», acrescentou.

E após quase dez anos, qual é a sentença deste presidente de junta?

«A agregação é positiva porque se ganha escala. Dá mais trabalho? Dá! Mas vale a pena», acredita.

João Carlos Simões alinha pelo mesmo diapasão.

«No caso de Alcoutim e Pereiro, a agregação correu muito bem, porque a maquinaria que havia num lado e no outro complementou-se. Num lado, havia uma retroescavadora sem um camião de carga e no outro havia o camião, mas que não tinha retroescavadora», exemplificou.

Ou seja, separar seria contraproducente.

Neste momento, todos os processos de desagregação «foram aprovados pelas Assembleias Municipais», já depois de terem sido aprovados pela Assembleia de Freguesia, o que faz com que todos os passos que era preciso dar a nível local estejam concluídos.

«Neste momento, as coisas estão nas mãos da Assembleia da República. Em princípio, a menos que haja algum problema processual, os pedidos devem ser aprovados, porque estão a coberto da lei», concluiu João Carlos Simões.

 

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