«Mínimo» de 4815 crianças foram abusadas por membros da Igreja Católica em Portugal

25 casos foram enviados pela Comissão para o Ministério Público

A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica recebeu 512 testemunhos validados relativos a 4.815 vítimas desde que iniciou funções em janeiro de 2022, anunciou hoje o coordenador Pedro Strecht.

O mesmo responsável anunciou que, desses 512 testemunhos validados, 25 casos foram enviados pela Comissão para o Ministério Público.

A comissão, que começou a recolher testemunhos em 11 de janeiro de 2022, em conferência de imprensa esta manhã, defendeu também a constituição de uma nova “comissão para continuidade do estudo e acompanhamento do tema”, com membros internos e externos à Igreja.

A Comissão liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, que hoje apresentou em Lisboa o relatório de um ano de trabalho e que incidiu sobre o período desde 1950, recomenda “o reconhecimento, pela Igreja, da existência e extensão do problema e compromisso na sua adequada prevenção futura”, nomeadamente através do “cumprimento do conceito de ‘tolerância zero’ proposto pelo Papa Francisco”.

A adoção do “dever moral de denúncia, por parte da Igreja, e colaboração com o Ministério Público em casos de alegados crimes de abuso sexual”, o pedido “efetivo de perdão sobre as situações que aconteceram no passado e sua materialização”, bem como a “formação e supervisão continuada e externa de membros da Igreja, nomeadamente na área da sexualidade (sua e das crianças e adolescentes)”, são outras recomendações que a comissão deixa à hierarquia da Igreja Católica em Portugal.

A comissão advoga a “cessação de espaços físicos fechados, individuais, enquanto locais de encontro e prática religiosa”, a par da colocação em prática de “medidas preventivas eficazes, incluindo ‘manuais de boas práticas’ e ‘locais de apoio ao testemunho e acompanhamento das vítimas e familiares’”.

O “apoio psicológico continuado às vítimas do passado, atuais e futuras” é encarado, também, como responsabilidade da Igreja, em articulação com o Serviço Nacional de Saúde.

Já para a sociedade civil, a Comissão deixa também alguns conselhos, como o da “realização de um estudo nacional sobre abusos sexuais de crianças nos seus vários espaços de socialização”.

O “reconhecimento inequívoco dos Direitos da Criança”, o “empoderamento das crianças e famílias sobre o tema: o papel da Escola”, o “aumento da idade da vítima para efeitos de prescrição de crimes” e a “celeridade da avaliação e resposta do sistema de justiça”, são outras ideias deixadas pela comissão liderada por Strecht.

Este grupo de trabalho sublinha ainda a necessidade do “reforço do papel da comunicação social na investigação e tratamento do tema” e o “aumento da literacia emocional sobre as verdadeiras necessidades do desenvolvimento infantojuvenil, sobretudo no campo afetivo e sexual”.

 

Prescrição dos crimes deve aumentar para os 30 anos das vítimas

A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica sugeriu também que a prescrição dos crimes de abuso aumente para os 30 anos da vítima, pedindo à Assembleia da República a alteração da lei.

“Há um ponto que (…) tem a ver com o artigo n.º 118 do Código Penal, que diz que a vítima do crime sexual, sendo menor de idade, pode apresentar queixa até fazer 22 anos. Há aqui uma suspensão do prazo de prescrição, mesmo que prazo de prescrição tenha decorrido enquanto a vítima não havia feito 23 anos. Esse prazo fica suspenso”, disse o antigo ministro da Justiça Álvaro Laborinho Lúcio, também membro da Comissão.

De acordo com Álvaro Laborinho Lúcio, tendo em conta a idade das vítimas, a Comissão chegou à conclusão de que a idade deve ser aumentada.

“Perante as dificuldades [das vítimas] em verbalizar, chegámos à conclusão de que esta idade deve ser aumentada. Daí que uma das nossas movimentações vá no sentido de que essa idade seja aumentada para os 30 anos. (…) Nós sugerimos apenas que a Assembleia da República pondere e que o faça se assim o entender”, sublinhou.

A maioria dos 25 casos que a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica enviou para o Ministério Público já prescreveu, anunciou hoje o antigo ministro da Justiça Álvaro Laborinho Lúcio.

“A maioria [dos casos] já prescreveu”, salientou depois Laborinho Lúcio, durante a apresentação do relatório da Comissão Independente que desde janeiro de 2022 investigou os abusos sexuais de menores na Igreja católica portuguesa. O ex-ministro acrescentou que a Comissão Independente não podia “ficar com estes de dados na mão e não enviar ao Ministério Público”.

De acordo com Laborinho Lúcio, a Comissão Independente não tem de fazer juízos e não tem competência no domínio. “Nós enviámos para o Ministério Público este tipo de casos. A [nossa] investigação parece relativamente simples, na linha tradicional de uma investigação criminal”, realçou.

Liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, a comissão independente é ainda constituída pelo psiquiatra Daniel Sampaio, pelo antigo ministro da Justiça e juiz conselheiro jubilado Álvaro Laborinho Lúcio, pela socióloga e investigadora Ana Nunes de Almeida, pela assistente social e terapeuta familiar Filipa Tavares e pela cineasta Catarina Vasconcelos.

 



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