250 anos de odiosa (in)diferença? O comércio marítimo

O Reino do Algarve era tratado como se fosse uma região estrangeira

O poderoso Marquês de Pombal

No meu artigo anterior, relembrei que a maioria das medidas do projecto pombalino de “Restauração do Reino do Algarve” datam do ano de 1773 e assinalam-se agora, portanto, os seus 250 anos.

De entre estas, uma das mais relevantes foi a carta de lei de 4 de Fevereiro que ditou o fim da “odiosa diferença” entre o Reino de Portugal e o Reino do Algarve no que respeitava à discriminação aduaneira que existia na região algarvia. Ora, não obstante podermos avançar a ideia de que a odiosa diferença era muito mais do que meramente “aduaneira”, em que se traduz, afinal, esta peça legislativa?

 

Excerto da Lei de 4 de Fevereiro de 1773, que aboliu a odiosa diferença entre as alfândegas do Reino do Algarve e as do Reino de Portugal

 

Na realidade, o Reino do Algarve era tratado como se fosse uma região estrangeira, sendo que os frutos e produtos daí oriundos, que davam saída pelos seus portos alfandegários, ou os produtos oriundos do Reino de Portugal que aí davam entrada, chegavam a pagar o dobro dos impostos que se verificavam noutros portos portugueses, como seria o caso de Lisboa, Setúbal, Figueira da Foz, Porto e Viana do Castelo.

Desta forma, a lei pombalina procurou que doravante a cobrança de direitos se regulasse pelas demais províncias portuguesas, tendo em vista a integração económica do Reino do Algarve no restante Reino de Portugal. No entanto, a duplicação de impostos não foi o único problema com o qual o Marquês de Pombal se defrontou no Algarve.

Encontrando-se completamente excluído das rotas comerciais coloniais, não encontrávamos, no território algarvio, nenhum porto de grande importância. Ainda assim, algum moderado dinamismo se verificava no âmbito do comércio marítimo, maioritariamente no porto de Faro, por dois motivos essenciais: os frutos que a região produzia e a sua posição de escala entre o Atlântico e o Mediterrâneo.

No que aos frutos diz respeito, a produção de figo e uva, exportados em passa, de amêndoa, laranja doce, limão, cortiça, tinham algum interesse para os mercados do Norte da Europa, onde tais frutos não se produziam e eram até vistos como exóticos. A sisa da carregação do porto de Faro dá conta de saída dos referidos frutos em direcção, por exemplo, a Londres, Liverpool, Dublin, Ostende, Gante, Roterdão, Amesterdão, Hamburgo, Estocolmo e até em direcção a Nova Iorque, Filadélfia e Boston, entre outros destinos.

No que respeita à escala entre o Atlântico com o Mediterrâneo, efectivamente também se verificava algum comércio com o Sul de Espanha, o sul de França e o Norte de África. Porém, o Algarve detinha particular interesse no comércio com a Praça de Gibraltar: para o abastecimento deste enclave, conquistado pelos britânicos aos espanhóis em 1704 e definitivamente na sua posse a partir de 1713 com a assinatura do tratado de Utrecht, era crucial o comércio com o Algarve, dado que as relações com Espanha nem sempre foram pacíficas.

O outro problema com que Pombal se deparou no Algarve está relacionado com as suas políticas mais amplas, nacionais, de tentativa de diminuição da dependência económica externa, que significa dizer, na verdade, dependência económica dos ingleses. Também no Algarve esta dependência económica dos ingleses se verificava – qualquer reflexão sobre a semelhança desta realidade com a actualidade fica livremente a cargo do leitor! –, na medida em que as casas comerciais inglesas eram predominantes nas transacções que se faziam na região.

Efectivamente, o comércio era centralizado em Faro, para onde eram enviados os produtos e frutos oriundos de toda a região através de emissários espalhados no território. As principais casas comerciais responsáveis pelas transacções pertenciam a estrangeiros, sobretudo ingleses, descendentes de famílias aí instaladas há décadas: era o caso dos ingleses João Lamprier, Parcar Pitts, João Keating, ou do sueco Bar Avent que formava companhia com o inglês João Crespim.

Estes homens dominavam efectivamente as rotas comerciais com o Atlântico Norte, assim como com o Mediterrâneo, e possuíam capacidade de investimento, características às quais dificilmente os comerciantes nacionais algarvios conseguiam fazer frente. Nem a legislação pombalina de integração do Reino do Algarve no Reino de Portugal conseguiria, como era sua intenção, alterar a primazia dos ingleses no domínio comercial, abrindo espaço aos investidores nacionais.

A diminuição da influência inglesa só se faria sentir mais para os finais de Setecentos, aliada a interesses relacionados com o comércio colonial transatlântico do qual o Reino do Algarve se encontrava excluído. E ao assim se manter, excluído, nunca conseguiu sair da sua situação de insignificância enquanto entreposto comercial.

 

Autora: Andreia Fidalgo é historiadora e escreve segundo as regras do anterior Acordo Ortográfico

Nota: Este artigo é o segundo de uma pequena série que sinalizará os 250 anos das principais medidas do projecto pombalino de “Restauração do Reino do Algarve”. O próximo artigo abordará o tema da agricultura.

 

 

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