Universidade, Univercidade e Pluriversidade

As instituições de ensino superior, universidades e politécnicos, podem oferecer à sua região uma metanarrativa coerente de economia produtiva, criativa e simbólica que considere o património e a paisagem, a ciência e tecnologia, a arte e a cultura

Devido às grandes transições que irão atravessar esta década – climática, energética, ecológica, alimentar, digital, demográfica, migratória, socio-laboral, geopolítica – é praticamente impossível às instituições de ensino superior escapar a uma profunda transformação das suas missões, funções, estrutura, processos e procedimentos.

Devido à sua especificidade, em especial a rede dos subsistemas de ensino, investigação, desenvolvimento e extensão, as instituições de ensino superior estão particularmente vocacionadas para poderem funcionar como instituições-plataforma de excelência.

Quero crer que, genericamente, a instituição-universidade tenderá a ser uma placa giratória de problemas e soluções e um centro partilhado de recursos, próprios e alheios, e que, com essa missão, buscará manter vivo um triplo compromisso: recuperar e preservar o património natural, a biodiversidade e a nossa casa comum (1), proteger e promover os direitos humanos e o bem-estar dos cidadãos mais vulneráveis, bem como o nosso património histórico-cultural e o nosso modo de vida (2), valorizar todas as áreas de atividade da nossa sociedade e desenvolver a sua cultura de univercidade e pluriversidade, através de plataformas colaborativas muito variadas de crowdsourcing, crowdlearning e crowdfunding (3).

De um ponto de vista mais programático, a instituição-universidade talvez possa seguir a regra do terço: um terço de ensino e formação presencial e à distância em formatos muito variáveis e para públicos muito diversos, um terço de investigação e desenvolvimento em plataformas de cocriação e cogestão para os problemas de médio e longo prazo, um terço de extensão e ação direta para os problemas urgentes e de curto prazo em parcerias e colaborações com todos os agentes locais e regionais.

A revolução tecnológica e digital abre um campo imenso de possibilidades e oportunidades à economia das regiões e dos seus territórios. Se nos lembrarmos de que em Portugal, um país relativamente pequeno, existe uma instituição de ensino superior em cada capital de distrito temos de admitir que a instituição-universidade é o ator principal da inteligência coletiva territorial em parcerias e formatos muito variados com os restantes atores locais e regionais.

Com efeito, as instituições de ensino superior, universidades e politécnicos, podem oferecer à sua região uma metanarrativa coerente de economia produtiva, criativa e simbólica que considere o património e a paisagem, a ciência e tecnologia, a arte e a cultura, no desenho das economias de rede e aglomeração da região.

Numa década especialmente complexa, mas com muitos recursos à sua disposição, esta é uma conjuntura particularmente apropriada para pôr à prova a condição científica e universitária.

Eis alguns exemplos onde essas faculdades são especialmente relevantes na gestão do território:

– O desenho dos programas de mobilidade suave e micro mobilidade, bem como, das comunidades locais de energia e a nova matriz energética,

– O desenho das operações de mitigação, adaptação e transformação no combate às alterações climáticas, assim como o novo mosaico paisagístico,

– O desenho das infraestruturas ecológicas e corredores verdes, bem como, a nova arquitetura das relações cidade-campo onde se incluem as amenidades paisagísticas e as artes da paisagem,

– O desenho dos programas de regeneração e reabilitação urbanos, bem como o redesenho do espaço público e o papel das artes de rua e da cultura urbanas,

– O desenho dos programas de agricultura urbana, dos parques agroecológicos municipais e das boas práticas de economia circular,

– O desenho do ecossistema digital do território, dos programas de literacia digital ao programa de smart cities e respetivos equipamentos inteligentes,

– O desenho dos bens comuns do território, da saúde pública e qualidade de vida à sociedade sénior e aos serviços de proximidade, da cultura dos sinais distintivos e do espírito dos lugares às residências criativas para a atração dos jovens talentos,

– O desenho das novas economias de rede, inovação e aglomeração é, neste período, especialmente crítico, em particular, o modo como se processa a sua transferência e introdução nos arranjos produtivos locais e regionais, pequenas e médias empresas e respetivas cadeias de valor.

Em todos os casos, esta nova administração do território conduzida em cocriação e cogestão com a instituição-plataforma universidade e/ou politécnico supõe uma rede de relações cooperativas e colaborativas entre as instituições, a contratualização e a curadoria de consórcios e parcerias público-privadas.

Com mais recursos à nossa disposição, materiais e imateriais, no quadro do PRR 2026 e do PT 2030, trata-se, agora, de montar um verdadeiro estaleiro de networking e curadoria do território e da paisagem, se quisermos, um projeto de design e arquitetura de cocriação regional, uma malha fina, capilar e delicada de iniciativas, projetos e empreendimentos muito bem articulados entre si.

 

Notas Finais

Em jeito de síntese, eis algumas características dessa organização-plataforma:

– A universidade/politécnico poderá funcionar em canal aberto com a multidão-plataforma, em múltiplas formas e formatos de crowdsourcing, crowdlearning e crowdfunding, donde a importância de dedicar uma especial atenção à sua política comunicacional,

– A universidade/politécnico será, cada vez mais, univercidade e irá fundir-se cada vez mais com a cidade e os seus problemas, sobretudo, numa ótica crescente de smart city.

– A universidade/politécnico será, cada vez mais, pluriversidade, isto é, não haverá áreas de trabalho estranhas ou exteriores à universidade-plataforma na exata medida em que a universidade se alimenta e reconhece nesse banco de problemas.

– A organização da universidade-plataforma deverá seguir, em princípio, a regra do terço: um terço de formação, presencial e à distância, um terço de investigação e desenvolvimento e um terço de extensão e ação direta.

Quatro décadas depois, num seminário sobre o papel da universidade no desenvolvimento regional, recordo as palavras avisadas do Prof. Manuel Viegas Guerreiro: cuidado com o excesso de dirigismo, não esqueçamos a função educativa e moral e a formação humana da universidade, usemos a liberdade em benefício do bem comum e dos direitos alheios.

Em síntese, a instituição universitária será uma plataforma colaborativa de excelência em modo de cocriação, coprodução e cogestão. Para o efeito, deverá encontrar um ponto de equilíbrio interno, orgânico e funcional, no quadro mais alargado da sua estrutura de missão regional e cosmopolita.

Doravante, a universidade/politécnico não só se constitui em plataforma de ensino-investigação-extensão como se institui em meta-plataforma da sua região, estabelecendo uma espécie de contrato de curadoria territorial para com o seu território. Assim esperamos.

 

 



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