O Tribunal de Contas é claro: de 2015 a 2017, a empresa municipal Ambifaro cometeu «irregularidades», ora saltando etapas no processo de contratação de bens e serviços, ora pagando contratos ainda antes da publicação no portal Base. As matérias podem «vir a consubstanciar ilícitos financeiros» e têm, entre os visados, Sandra Ramos e Bruno Lage, ex-presidentes de dois Conselhos de Administração, e Paulo Santos, vice-presidente da Câmara de Faro.
Ao longo de 37 páginas, o Relatório de Apuramento de Responsabilidades Financeiras, datado de 29 de Setembro do ano passado e que o Sul Informação consultou, analisa a gestão da Ambifaro durante três anos – de 2015 a 2017.
O relatório tem por base uma queixa anónima, vindo também na senda de uma auditoria externa pedida pelo PS, em 2018, na Assembleia Municipal de Faro.
Nesse mesmo período (2015 a 2017), em que a Ambifaro apresentou um prejuízo acumulado de cerca de 2,1 milhões de euros, foram prestados 15 serviços sem que tivesse sido cumprido o procedimento pré-contratual, exigido nas regras da contratação pública.
Esses serviços são da mais diversa índole: fornecimento de eletricidade, conservação de elevadores e até apoio ao Festival F: o certo é que nenhum cumpriu essa regra.
Ao longo dos mesmos três anos, foram também dezenas os contratos executados e pagos, antes da publicação no Portal Base – o que a lei também exige.
Há exemplos como o “Aluguer de montagem e desmontagem de tendas para feira”, fornecimentos de catering para festivais e aquisições de espetáculos, como é o caso de um concerto de José Cid, em 2017.
Segundo o relatório do Tribunal de Contas, atualmente, todos estes contratos até já estão no Base, mas isso só aconteceu… «após o pagamento e também após a auditoria».

Durante grande parte deste período, mais concretamente até 31 de Outubro de 2017, o presidente do Conselho de Administração da Ambifaro foi Bruno Lage, atualmente presidente da União de Freguesias de Faro (PSD).
O CA era ainda composto por José António Cavaco, à época vereador da Câmara, e Paulo Santos, vice-presidente da Câmara de Faro (PSD) e que também é um dos rostos desta polémica.
O Tribunal de Contas diz que os três são «responsáveis financeiros» porque «autorizaram a despesa e assinaram os pagamentos sem que tais normas tivessem sido observadas».
Nas suas alegações, Bruno Lage justifica-se, dizendo que «os membros do Conselho de Administração tiveram a preocupação imediata de corrigir os incumprimentos que eram devidos a um conhecimento deficitário das regras da contratação pública, e contratar formação jurídica neste domínio».
O antigo presidente do Conselho de Administração também diz que o CA confiou «na distribuição de competências pelos funcionários» e autorizou os pagamentos «com base nessa confiança».
O documento esmiúça ainda a situação de Sandra Ramos, presidente do CA da Ambifaro a partir de 2 de Novembro de 2017, cargo que manteve até 9 de Julho de 2019, data em que foi destituída pelo presidente da Câmara devido a alegadas irregularidades.
Este relatório fala de um pagamento feito pela Ambifaro, em nome de Sandra Ramos, num valor de cerca de 5 mil euros à Caixa-Geral de Aposentações.
A ex-líder da empresa municipal não nega que tal aconteceu, enquanto ainda era funcionária, e garante que «se encontra disponível para liquidar o valor», algo que já foi também exigido pela atual presidência da Ambifaro.
Em relação a Sophie Matias e Carlos Baía, ambos vereadores que tinham assento no Conselho de Administração, o TC diz que «também cometeram o mesmo tipo de infrações [em relação à contratação pública], ainda que em menor número».
E, acrescenta o Tribunal de Contas, quando «tomaram conhecimento das infrações, adotaram procedimentos e efetuaram diligências para que não se repetissem no futuro».

O Sul Informação tentou contactar Sandra Ramos para saber se os cerca de 5 mil euros já tinham sido pagos à Ambifaro, mas não obteve qualquer resposta às chamadas telefónicas e mensagens, o que também aconteceu com Bruno Lage.
A única reação, até agora, veio do PSD/Faro, depois de o PS ter tornado público este caso.
Os sociais-democratas justificam o que se passou com as dificuldades em «implementar o Código de Contratação Pública», o que vem na linha do argumento de Bruno Lage.
«Embora longínquo, o período em epígrafe foi de transição para muitas entidades públicas. Aponta, agora, o Tribunal de Contas que essa transição, de grande exigência burocrática, não terá tido um acolhimento completo por parte da Ambifaro», lê-se.
Isso fez-se sentir, evidencia o PSD farense, «num número muito considerável de municípios e empresas públicas em todo o país, que estiveram e estão a braços com o CCP, procurando encontrar a melhor interpretação das suas disposições legais».
A responsabilidade financeira, nas palavras do PSD/Faro, «foi prontamente assumida pelos titulares dos órgãos administrativos de então, num gesto de grande nobreza, desprendimento e coragem na defesa da causa pública, ao mesmo tempo que tratavam de salvar a empresa, catapultando-a para os patamares de excelência que hoje traduzem o exercício da sua missão, coroada com o alcance da exigente norma da qualidade ISSO 9001, recentemente revalidada».
Mas, no seu comunicado, o PS aponta ao PSD que acusa de «práticas e vícios exercidos», reveladores de «um modus operandi danoso para a gestão pública, descontrolado e despesista, que se acentuou em 2017, ano das eleições autárquicas».
«A campanha eleitoral, na altura marcada por um discurso de boas contas, mostra-se, agora, contrária e reveladora de que os farenses foram enganados», acusam.
Para o Partido Socialista de Faro, estes resultados «podem ser apenas a “ponta do iceberg”» dado que a Auditoria incide exclusivamente no período temporal compreendido entre 2015 e 2017, e apenas sobre a realização de três eventos: Alameda BeerFest, Festival F e Feira de Santa Iria.
Já o PSD não se deixa ficar e vai ainda mais atrás.
«Tudo tem uma história e, se estas processualidades burocráticas se encontram hoje totalmente sanadas, bem como a implementação de procedimentos totalmente adequados à realidade legislativa dos nossos dias por parte da empresa, não deixou esta nunca distrair-se com o essencial: o preenchimento do gigantesco buraco financeiro que representou a decisão histórica de edificação do Mercado Municipal sustentando em factoring e/ou crédito de curta duração num crédito de cerca de 12,5 milhões de euros que eles [PS] nunca foram capazes de pagar», argumenta o PSD.
Os sociais-democratas também dizem que «estão a pagar» os danos dos anos «tenebrosos entre 2005 e 2009» que ditaram «a ruína do Município e o nascimento do Mercado Municipal em circunstâncias que a História há-de julgar».
Voltando ao relatório… conclui o Tribunal de Contas que a «violação das normas e princípios do Código de Contratação Pública poderá consubstanciar infração financeira».
O documento foi enviado ao Ministério Público que, num parecer, manifesta «concordância com as conclusões», reservando, para mais tarde, «uma análise mais aprofundada».
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