Maternidades no Algarve: acreditar no Pai Natal ou ter Esperança no Ano Novo?

«Tratou-se da queda do U do CHUA, com o retrocesso do ponto de vista prático à era pré-hospital universitário»

A situação da área Materno Infantil no Algarve é talvez a pior desde que me lembro nas últimas duas décadas. O número de dias com encerramento ou sem cuidados especializados disponíveis em 2022 foi inaceitável.

Numa região turística, como é o Algarve, se nada for feito, com a máxima urgência, as grávidas e os adultos com crianças passarão certamente a pensar duas vezes, antes de vir cá. Todos os estudos indicam que a qualidade e a segurança nos cuidados de saúde são um fator tido em conta na escolha do destino dos turistas.

Irá a maternidade de Portimão encerrar definitivamente?

A maternidade de Portimão tem estado muitos dias fechada, podendo tal ideia passar pelas mentes iluminadas de algumas pessoas. No entanto, o número de partos que ocorrem na maternidade de Portimão em cada ano e, a distância da população que serve à Maternidade de Faro, levam a que esta hipótese não deva ser considerada, pelo menos de forma séria ou credível.

Aliás, o presidente da Comissão Executiva do SNS Dr. Fernando Araújo e o Sr. Ministro da Saúde Manuel Pizarro já se pronunciaram, dizendo que não está nos seus planos o encerramento definitivo da Maternidade de Portimão.

Atualmente, dada a incapacidade completa demonstrada, nos últimos dois anos, pelos líderes do Centro Hospitalar para a resolução dos problemas existentes, a articulação de cuidados no SNS e a partilha de recursos e profissionais são o penso rápido necessário para que os cuidados de saúde na área materno-infantil sejam realizados com segurança.

Preferencialmente deverá ser realizada uma partilha de recursos humanos entre o Algarve e o Alentejo, permitindo que o encerramento das Maternidades, nestas regiões, ocorra o mínimo de dias possíveis.

Conhecendo bem os profissionais de saúde das regiões, estou certo de que, se forem devidamente envolvidos e vislumbrarem uma luz ao fundo do túnel, irão fazer parte da solução e ter a máxima disponibilidade para colaborar. Bem hajam os colegas que dão sempre tudo e um pouco mais!

O que foi feito nos últimos dois anos para que a situação se resolva?

A resolução desta situação não ocorre apenas com uma liderança hospitalar a aguardar que, por milagre, caiam do céu profissionais de saúde diferenciados, disponíveis para virem trabalhar para o Algarve.

No último ano, verificaram-se inclusivamente vários fatores negativos para uma resolução nesse sentido, como sejam:

• a perda de certificação de qualidade do Serviço de Ginecologia de Faro;

• a ausência de certificação de qualidade do hospital;

• a perda de capacidade universitária para lecionar aos alunos de Medicina;

• a ausência de aposta da liderança do hospital na formação pós graduada e na investigação;

• a ausência de investimento visível na área materno infantil (e não será por falta de dinheiro, pois foi anunciado que investiram mais de 30 milhões de euros nestes dois anos, um dia talvez se vislumbre onde);

• as ações que conduziram à quebra do relacionamento da Administração com a Faculdade de Medicina;

• ausência de comunicação de qualquer plano estruturante para a área materno-infantil.

Tratou-se da queda do U do CHUA, com o retrocesso do ponto de vista prático à era pré-hospital universitário.

O que quer que tenha sido realizado durante os últimos dois anos pelos líderes da saúde hospitalar não teve qualquer resultado. Continuar no mesmo caminho será acreditar no Pai Natal e, perdoem-me as crianças que acreditam no Pai Natal, mas na vida real isso não é suficiente para que os desejos se concretizem.

Ter esperança no novo ano!

As afirmações efetuadas pelo Sr. Ministro da Saúde e pelo Sr. Diretor Executivo do SNS mostram que estes têm ideias muito diferentes sobre o que se passou nos últimos dois anos no Algarve. Certamente esta situação levará a que procedam às mudanças urgentes e necessárias na liderança da saúde no Algarve.

O Ano Novo poderá trazer soluções para as quais se deixam algumas sugestões:

• Envolver os profissionais da Área Materno Infantil, nomeadamente da ginecologia e obstetrícia, pediatria e anestesiologia, sem tiques ou posturas autoritárias, para a criação de um plano estruturante para a região do Algarve;

• O plano deverá ser focado na criação de condições para o funcionamento em pleno da área materno infantil, criando condições adequadas à captação e fixação dos profissionais, incluindo:
>>Definir um plano de investimento para melhorar e proporcionar as condições adequadas em termos de equipamentos e instalações, quer na ginecologia e obstetrícia, quer na pediatria e anestesiologia;
>>Proporcionar a possibilidade de exercer a sua atividade numa instituição com Qualidade reconhecida (certificada pela DGS/ACSA);
>>Possibilitar aos profissionais de saúde prestar cuidados de saúde, participar na formação e investigar;
>>Potenciar as capacidades existentes no Centro Académico e na Faculdade de Medicina para diferenciar os cuidados de saúde e inovar na região;
>>Proporcionar a possibilidade de participar em projetos de investigação e inovadores;
>>Criar uma estrutura de apresentação e divulgação das condições aos profissionais de saúde.

• O plano deverá ser discutido e apresentado publicamente, envolvendo as várias entidades e a sociedade civil na sua implementação e otimização;

• O plano deverá ser implementado por uma liderança credível e que transmita confiança aos profissionais e à população.

Não podemos continuar a acreditar no Pai Natal, esperemos, isso sim, que os decisores políticos nacionais tragam, no Ano de 2023, a liderança aos cuidados de saúde que a região necessita. Ano Novo, vida nova é uma constatação necessária e urgente para a saúde no Algarve.

Os Algarvios merecem sempre mais e melhor, não podem aceitar ser cidadãos de segunda, pois não o são!! Um bom Ano de 2023 para todos!

 

Autor: Nuno Marques é médico cardiologista e Professor Associado da Faculdade de Medicina e Ciências Biomédicas da Universidade do Algarve

 

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