Depois do triunfo no Worldskills, Seomara quer que jovens profissionais sejam mais valorizados

Jovem natural de Armação de Pêra conseguiu um feito inédito aos 21 anos

Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

Começou a fazer unhas em casa, à família e amigos, aos 14 anos. Aos 16, entrou no curso de estética do Centro de Emprego e Formação Profissional do Barlavento do IEFP e, aos 21 anos, viu o seu trabalho e talento ser distinguido no Campeonato Mundial das Profissões (Worldskills). Depois de ganhar uma medalha de Excelência, a primeira de sempre para Portugal nesta área, um dos grandes desejos de Seomara Cabrita é que os jovens sejam mais valorizados nas suas profissões. 

«A estética não era uma área na qual eu quisesse começar a trabalhar, confesso, porque sempre quis trabalhar com crianças especiais, mas a vida não me proporcionou isso. Em 2017, entrei no curso de estética no IEFP e, desde aí, estive sempre nesta área, depois comecei a trabalhar com a minha mãe aqui no salão [em Armação de Pêra] e fui ganhando muito gosto por tudo o que faço», começa por contar Seomara Cabrita ao Sul Informação, ao mesmo tempo que vai arranjando as unhas de uma cliente.

Focada no seu trabalho, a jovem natural de Silves revela que unhas é uma das coisas que mais gosta de fazer, «dá para dar asas à nossa imaginação». Mas, com a participação no Campeonato das Profissões, Seomara aprendeu muitas técnicas, em diversas áreas, que quer agora também começar a colocar em prática.

Antes de terminar os três anos do curso de estética – que lhe deu equivalência ao 12.º ano e ao nível 4 da profissão – surgiu a oportunidade de participar no Campeonato das Profissões.

«Eu não sabia o que era, mas tive pena da minha professora, porque nunca ninguém queria participar em nada, então voluntariei-me, com a condição de receber um manual de massagem», conta, entre risos.

Após participar numa competição com outros jovens algarvios, Seomara passou diretamente para o Nacional, onde competiu com mais 1o concorrentes.

 

Seomara nos campeonatos

 

«Nessa altura, estava muito perdida, sabia que as outras formadoras já tinham estado em campeonatos e a minha não, então fiquei ansiosa, mas lá me concentrei. Adorei o campeonato, aquilo é um mundo. São 40 e tal profissões a competir, é brutal, algumas que conhecemos, outras que não, e é muito engraçado ver jovens tão novos a saber fazer tanto», diz, frisando que, infelizmente, «muitas vezes esse talento não é valorizado».

«Percebi isso não tanto no Nacional, mas mais no Campeonato Europeu e Mundial», continua, lamentando que noutros países se dê muito mais valor aos jovens do que em Portugal , «onde o nível de exigência é tão grande, mas depois isso não se reflete em nada benéfico para quem trabalha».

Da etapa nacional, saiu vencedora, seguindo depois para o Europeu, «onde o nível de exigência já era muito maior».

«Éramos apenas sete, o que se torna mais difícil porque os olhares dos jurados estão mais focados em nós e, ao mínimo erro, já estão ali para nos dar notas baixas. Mas fiquei muito contente porque lá ganhei a medalha de excelência, a primeira para Portugal em Estética, e fiquei em quarto lugar, mas a muito poucos pontos do terceiro e segundo classificados», realça a jovem de 21 anos.

Mais um nível ultrapassado, o próximo passo era trabalhar para o Mundial, que se realizou em Helsínquia (Finlândia).

Foram tempos «difíceis e muito exigentes» até lá chegar, confessa a jovem, que teve de dedicar quase todo do seu tempo a formações constantes, às quais se juntaram, antes do Mundial, um curso de maquilhagem, pago pelo Estado, e tirado em Lisboa, durante um mês e meio.

«Foi muito esforço e 100% cansativo, tanto a nível psicológico como físico, mas valeu a pena por tudo o que aprendi. Acho que cresci muito a nível profissional e isso é sempre bom», refere, apesar de admitir ter sentido alguma frustração por considerar que, com o que fez, podia ter tido uma melhor classificação.

Ganhar a medalha de Excelência foi um feito único para Portugal, mas Seomara ambicionava mais.

Nessa ambição, a jovem é secundada por Maria de Lurdes Lopes, formadora do IEFP de Portimão, que acompanhou Seomara durante todo este percurso. «Eu não estive presente, mas pelo que sei as avaliações não foram as mais corretas», considera.

 

Seomara com a equipa do IEFP Portimão, depois de ganhar a Medalha de Excelência

 

Para Lurdes Lopes, foi «um orgulho ser formadora da Seomara». «Vi nela muito potencial desde o início. É uma pessoa com grandes capacidades, aprende com muita facilidade, é empenhada e focada, determina muito bem os seus objetivos e trabalha para os atingir de uma forma perfecionista», explica a profissional que já colabora com o IEFP há 15 anos.

Convicta de que Seomara podia até ter chegado mais longe, o que a formadora deseja agora é que não se esqueçam da jovem profissional.

«Gostava muito que ela não fosse esquecida, e não é bem isso que estou a perceber que está a acontecer. Ela tem capacidades para ir muito longe. Eu já trabalho na estética há 30 anos e ela é uma das pessoas que eu conheço com mais consciência e que sabe muito bem o que faz. Na nossa profissão, em que trabalhamos com o corpo humano, é preciso termos muita consciência», salienta.

Questionada sobre se acha que estas distinções farão as pessoas valorizar mais o trabalho de Seomara, Lurdes Lopes considera que não.

«Infelizmente, no meio em que ela está, as pessoas não valorizam o profissionalismo, valorizam mais o pagar menos».

 

Lurdes Lopes – Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

Se, para a formadora, foi um orgulho ver a jovem profissional chegar tão longe, para o IEFP de Portimão foi também um privilégio.

Ao Sul Informação, Ana Isabel Vieira, diretora do Centro Emprego e Formação Profissional do Barlavento, revela que a participação de Seomara nesta competição e os resultados obtidos são «um exemplo para todas as formandas que agora veem também uma oportunidade de chegar tão longe».

Tendo como missão «combater o desemprego através de medidas de formação profissional», o IEFP vê com orgulho muitos dos seus jovens entrar no mercado de trabalho e outros até que procuram formação superior nessas áreas.

Em relação aos Campeonatos das Profissões, Ana Vieira frisa a sua importância,«sobretudo para os jovens que estão a ingressar no 9.º ou 12. º ano, que não têm a vida muito bem estruturada e que aqui encontram um caminho».

 

Ana Vieira, diretora do Centro Emprego e Formação Profissional do Barlavento – Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

Com uma periodicidade de dois em dois anos, os campeonatos Worldskills dirigem-se a jovens entre os 17 e os 25 anos, que concluíram ou estão a frequentar um percurso de qualificação em modalidade de formação profissional.

Até à data, Portugal é o único país membro fundador da Worldskills International que permanece de forma interrupta na competição, tendo assinalado, em 2020, 70 anos de participação.

Este ano, é a vez de Portimão receber o 45.º Campeonato Nacional, que decorre de 7 a 12 de Março, e que trará perto de 400 jovens a competir em 54 profissões.

«Neste campeonato, a Seomara terá um lugar de destaque e gostava muito que ela fosse nossa formadora, para passar essa experiência e gosto pela profissão a outros jovens», realça Ana Vieira, referindo que o IEFP pretende apoiar a jovem, futuramente, na possível criação da sua própria empresa.

 

Uma das salas de formação do IEFP Portimão – Foto: Mariana Carriço | Sul Informação

 

Para Seomara, a ideia de dar formação não está totalmente posta de parte, mas, nos próximos tempos, o que pretende é «descansar um bocado» e dedicar-se às suas clientes.

«Gostava de passar o que eu sei a outras jovens porque, como tenho já a experiência de três campeonatos, acho que posso ajudar. Se tiver de fazer mais formações, também vou, porque temos de estar sempre a aprender. Além disso, pretendo integrar-me numa marca, mas agora é um dia de cada vez».

Apesar de frisar que «valeu muito a pena» participar no campeonato, a jovem lamenta que, depois disso, não tenha tido mais apoios.

«Quando nós trabalhamos e damos o melhor de nós, gostávamos de ser recompensados, nomeadamente a nível financeiro», afirma, acrescentado que muitos jovens de outros países recebem inclusive «ordenados» para participar nos Campeonatos.

«Em Portugal, não acontece nada disso: as pessoas só ligam à política e ao futebol. Isso deixa-me triste porque Portugal tem muito para dar. Estamos numa fase em que muitos jovens não querem fazer nada, e termos outros que apostam tanto na profissão deles e não são reconhecidos por isso, é mau», continua .

Apesar de considerar que é sempre positivo ter visto o seu trabalho e competências reconhecidas a nível internacional, Seomara lamenta que, por cá, o reconhecimento passe «um bocado ao lado».

Depois de meses e meses de formação e esforço até chegar à medalha de Excelência, Seomara confessa que um dos seus grandes desejos é que os jovens sejam mais valorizados nas suas profissões, «seja em que área for».

Aos 21 anos, a jovem natural de Armação de Pêra tem todo um futuro pela frente e ainda que admita que o Salão Sayonara, na Rua do Alentejo, será sempre a sua casa, não coloca de lado a ideia de levar o seu talento e profissionalismo a outros locais do Algarve e do país.

 

Fotos: Mariana Carriço | Sul Informação

 

 

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