Turismo que não se vê, mas se sente

Neste Dia de Natal, publicamos uma das reportagens da revista “Dois” como prenda para os nossos leitores

Um alojamento numa aldeia onde é raro encontrar alguém na rua, um projeto que junta artesãos e produtores agroalimentares, uma salina que põe turistas a apanhar sal e uma empresa que os leva a caminhar no interior. É um Algarve longe da praia e do mar. Talvez mais autêntico. Certamente, ainda com muito para explorar.

O calor que se faz sentir em Giões está longe de espantar Luísa Tavares. «Tivemos dias e dias a bater nos 40 graus», conta.
Estamos no interior do Algarve, no concelho de Alcoutim, o mais envelhecido de Portugal.

Às 15h00 de uma sexta-feira, não se vê viv’alma. Não há gente, nem barulho: reina um silêncio total.

Foi ali, naquele Algarve, diferente do «outro lá para baixo», que Luísa e o marido João decidiram montar um alojamento local. Chamaram-lhe “Recanto d’Aldeia”.

 

Luísa Tavares – Foto: Nuno Costa | Sul Informação

 

«Morava em Lisboa, aposentei-me e estava saturada. Eu e o meu marido começámos a pensar: para onde vamos? Fomos pesquisando, pesquisando e um dia apareceu-nos isto», explica, apontando para o conjunto de casas que compõem este “Recanto d’Aldeia”.

A ideia inicial era “apenas” encontrar um sítio para morar, longe do frenesim da capital, mas, a certa altura, o casal apercebeu-se de que, a partir daquelas ruínas, talvez fosse possível fazer mais.

«E se abríssemos isto às pessoas? Assim fizemos e, em 2018, começámos a trabalhar oficialmente», diz Luísa.

Os turistas que escolhem o “Recanto d’Aldeia” podem encontrar duas casas: a das colmeias e a do burro – nomes que respeitam os antigos usos -, mas também um tanque, transformado em piscina. Hospitalidade, tranquilidade e descanso é o que há para oferecer.

 

Recanto d’Aldeia

 

No total, o “Recanto d’Aldeia” nunca recebe mais de 6/7 pessoas: uma das casas tem um quarto e a outra dois.

Em Giões, há pouco para oferecer (uma mercearia, um ou dois cafés), mas é esse alheamento mundano que muitos turistas procuram.
A praia mais próxima, por exemplo, está a mais de 50 quilómetros.

Certo é que «é um desafio grande» ter este negócio aberto. Luísa Tavares aponta um problema que é tão comum atualmente no Algarve: a «falta de pessoal para trabalhar». É o casal quem põe, diariamente, este recanto de pé e aberto para os turistas. Esse trabalho diário, «que é cansativo», não faz Luísa mudar de ideias.

Desde que tomou a decisão de se mudar de malas e bagagens para Giões, a proprietária do Recanto d’Aldeia sempre teve bem presente a necessidade de «fazer parte da comunidade». E é por esse desígnio que luta diariamente.

«Este pode ser um Algarve mais agreste e duro, mas é tão, tão bonito», atira a antiga bancária, hoje uma alcouteneja por adoção.

 

João Ministro (atrás) – Foto: Flávio Costa | Sul Informação

 

João Ministro conhece bem os caminhos por onde andam muitos dos turistas que Luísa recebe no seu alojamento – os caminhantes são uma boa parte dos hóspedes do “Recanto d’Aldeia”.

Desde 2010 que a Proactive Tour se dedica a um segmento turístico bem definido: «nós somos especializados em trazer pessoas de fora para caminhar», explica o empresário, em entrevista à revista Dois.

90% da atividade acontece no interior, longe das praias e do turismo de massas. Há caminhadas para todos os gostos, de uma ponta a outra do Algarve.

«O interior da região tem um potencial imenso… Há coisas que se vão perdendo: a paisagem muda, as pessoas desaparecem, mas, no fundo, o meu trabalho é também pegar nessas coisas e torná-las atrativos turísticos», diz João Ministro.

Ao trabalhar com «grupos pequenos», como o próprio reconhece, surge também a possibilidade de ter programas «mais personalizados»: e isso é que faz a Proactive Tour.

Mas há interesse dos turistas nestes produtos diferentes?

Da experiência do empresário, a resposta é só uma: sim. E cada vez mais.

«Tem havido uma procura crescente por parte dos turistas pelos nossos serviços e eu confirmo isso todos os dias. A Alemanha e a Holanda são sempre os públicos-alvo, mas acho curioso que a maior parte dos meus clientes é a primeira vez que vem ao Algarve e alguns mesmo a Portugal», conta.

Os americanos, acrescenta o empresário, estão também a começar a descobrir os encantos deste Algarve, mais longe da praia.

 

Jorge Raiado – Foto: Pedro Lemos | Sul Informação

 

Em Castro Marim, junto à estrada e com Ayamonte como pano de fundo, Jorge Raiado também recebe cada vez mais turistas.

Quando criou a Salmarim, a ideia de receber visitas surgiu «naturalmente».

«Nós estamos aqui ao pé da estrada, as pessoas iam parando, iam visitando», começa por explicar. Mais tarde, veio a necessidade de ter um «produto fechado».

Quem vai à Salmarim, visita as salinas, ouve Jorge Raiado contar histórias, apanha flor de sal e ainda tem direito a uma pequena degustação.
Há pessoas de todo o lado a procurar esta experiência: americanas, brasileiras, canadianas, japonesas, alemãs, francesas, belgas, neerlandesas e, claro, portuguesas.

Jorge Raiado, que é sempre o guia de serviço, adapta cada visita à nacionalidade e ao tipo de turistas que recebe. «O que tenho de fazer, sempre, é que percebam como funciona uma salina: seja aqui, seja noutra parte qualquer do mundo», diz.

O empresário exibe, com orgulho, um género de livro de visitas, onde os comentários têm um denominador comum: a gratidão pela atividade única em que os turistas acabaram de participar.

«Acima de tudo, nós queremos criar empatia, uma ligação com as pessoas. Que saiam daqui com uma experiência memorável de que se recordem», diz.

Se tudo correr conforme planeado, até final do ano, estes turistas que procuram o Algarve não só devido às praias terão (mais) um produto à sua espera.

 

João Amaro – Foto: Nuno Costa | Sul Informação

 

Em Fevereiro de 2020, foi apresentado publicamente um novo projeto turístico diferente. O seu nome: Algarve Craft & Food. Sem adivinhar o que viria a acontecer semanas depois, a pandemia obrigou à suspensão da iniciativa que é promovida por três entidades: Região de Turismo do Algarve, Tertúlia Algarvia e Cooperativa QRER.

Passada a tormenta da pandemia, o Algarve Craft & Food já voltou a pensar um turismo diferente para a região, juntando cerca de 20 artesãos e produtores agroalimentares.

Há de tudo: pessoas ligadas à empreita, ao esparto, ao grés, à cerâmica, à madeira, à cana, produtores de enchidos e de doçaria.

A ideia passa por criar ou aperfeiçoar programas de turismo criativo (que casem, por exemplo, uma aula de cataplana com uma experiência na oficina dos caldeireiros ou um workshop de empreita com apanha de figos).

A isto, junta-se o incentivo aos artesãos para desenvolverem novas peças de artesanato que tenham uma «ligação forte à nossa gastronomia e aos nossos materiais», adianta João Amaro, do restaurante Tertúlia Algarvia.

Este trabalho «já está a ser feito» e os próprios programas de turismo criativo também «estão definidos», revela. Os produtos ainda não chegaram aos turistas, mas a expetativa é muita.

O presidente da Região de Turismo do Algarve também deposita muita esperança neste tipo de iniciativas. É que João Fernandes não tem dúvidas de que este tipo de turismo, mais criativo e autêntico, tem uma procura «cada vez maior».

«É um produto em crescimento e no qual temos vindo a apostar há alguns anos», considera. Os resultados já se notam.

«Há cada vez mais negócios e empresas a surgir, dedicadas a estas áreas, e que são vocacionadas para as vertentes cultural e ambiental», acrescenta o presidente da Região de Turismo do Algarve.

Para o futuro, João Fernandes diz que ainda «há muito por fazer». Mas «o caminho tem de passar por continuar todo o trabalho de promoção já iniciado».

Ele passa por «estruturar» toda a oferta, reunindo as Câmaras Municipais, a Região de Turismo do Algarve e a própria Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional.

A este “outro turismo”, longe do habitual sol e praia, parece não faltar potencial.

Será aproveitado?

 

NOTA: Esta foi uma das reportagens publicadas na revista “Dois”, lançada este ano pelo Sul Informação. Neste dia de Natal, publicamo-la como prenda para os nossos leitores que ainda não leram. Quem ainda quiser receber a revista “Dois”, pode clicar aqui para a encomendar. Boas Festas!

 

 

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