Santuários e ciência ajudam população de cavalos-marinhos da Ria Formosa a crescer

Investigadores do CCMAR estão a criar cavalos-marinhos em cativeiro para os introduzir na natureza

Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

A natureza tem destas coisas. Foram 120 os cavalos-marinhos que iniciaram a viagem, em dois bidões, até um dos santuários existentes na Ria Formosa, mas foram estes 120, «mais trinta e tal», que acabaram introduzidos no seu habitat natural, na quinta-feira, dia 24 de Novembro, graças ao milagre da vida.

Esta centena e meia de cavalos-marinhos vem ajudar a recuperar uma espécie que, na Ria Formosa, se encontra à beira da extinção – apesar de, no início do século, a população destes animais, na zona lagunar algarvia, se contar entre as de maior densidade, a nível mundial.

«O que temos visto é que, desde que foi criado o santuário, a população tem vindo a crescer, principalmente nesta zona, mas também fora dela. Com a proteção e requalificação ambiental, temos muitos mais cavalos-marinhos», garante Jorge Palma, investigador do Centro de Ciências do Mar (CCMAR) da Universidade do Algarve (UAlg).

E, por vezes, esse aumento dá-se nas condições mais inesperadas.

«Sim, temos aqui 120 cavalos-marinhos e mais alguns (risos). Tínhamos um macho com juvenis dentro da bolsa, que os libertou, e agora vamos introduzir na natureza tanto os adultos como os juvenis. Aconteceu agora, durante o transporte, estava no final da “gravidez”, por assim dizer. Os juvenis nasceram agora e são perfeitamente viáveis», acrescentou o especialista em cavalos-marinhos, que está a criar esta espécie em cativeiro, na Estação Marinha do Ramalhete, em Faro.

 

Jorge Palma – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

«Estão a ver-se mais cavalos-marinhos, particularmente aqui na zona do santuário (área protegida). Estamos otimistas porque a população está a aumentar e, desde o último ano, tem-se vindo a observar mais. Há um aumento apreciável», reforçou Rui Santos, também ele investigador do Centro de Ciências do Mar (CCMAR) da Universidade do Algarve e coordenador do projeto SeagHorse (Seagrass and Seahorse Restoration), no âmbito do qual decorreu esta ação de repovoamento.

Estes foram dois dos investigadores que ontem vestiram os fatos de mergulho, saltaram para dentro de água e libertaram os cavalos-marinhos nascidos em cativeiro, no seu habitat natural, de modo a garantir que estes ficavam em segurança.

E isso implicou, desde logo, a aclimatação dos cavalos-marinhos, dentro dos bidões em que foram transportados, e um compasso de espera, para que a corrente na ria abrandasse.

«Os cavalos-marinhos agarram-se com a cauda às estruturas que há no fundo. Se os libertarmos com corrente, corremos o risco que eles não se agarrem logo e acabem arrastados para uma zona menos propícia. Estamos a libertá-los numa zona onde fizemos uma intervenção de introdução de ervas marinhas, que é o habitat ideal para eles, e podiam ser arrastados dessa zona», explicou Jorge Palma.

Esta é a segunda libertação de cavalos-marinhos feita neste santuário, criado em 2020. Em ambos os casos, foram reintegrados na natureza exemplares da espécie Hippocampus hippocampus, a menos abundante na ria deste género de peixes, existindo, «na melhor das hipóteses, um cavalo-marinho desta espécie para dez de Hippocampus guttulatus».

Os animais que são libertados continuam debaixo de olho dos investigadores, mesmo depois de regressarem ao seu habitat natural.

 

Rui Santos – Foto: Hugo Rodrigues | Sul Informação

 

«Nós vimos aqui mensalmente ou bimensalmente. Todos os animais foram fotografados antes de serem libertados, porque é possível identificar animal a animal. Por isso é que nós sabemos se são os que libertámos ou não. Eles têm um padrão de pintas e, neste caso, um perfil da cabeça que varia de animal para animal. Quando vimos fazer a monitorização, tiramos fotografias e comparamos, utilizando um software específico», explica Jorge Palma.

O projeto SeagHorse também se debruça no restauro das pradarias de ervas marinhas, tendo sido levada a cabo, logo em 2020, uma requalificação ambiental, durante a qual foram colocadas novas estruturas para os cavalos-marinhos se agarrarem.

Segundo Rui Santos, neste momento, as pradarias de ervas marinhas estão a ser ameaçadas pela proliferação da alga Caulerpa, uma espécie invasora que, com o aumento das temperaturas médias da água na costa algarvia, tem vindo a migrar, de forma natural, do Mediterrâneo para a Ria Formosa.

«Uma coisa que já sabemos é que a diversidade de comida, de diferentes organismos, é maior nas ervas marinhas do que na Caulerpa, mas ainda nos falta [analisar] muito para perceber» os efeitos da alga invasora na alimentação dos cavalos-marinhos da Ria Formosa.

O projeto “Seaghorse”, desenvolvido pelo CCMAR com financiamento da Fundação Belmiro de Azevedo, conta com a colaboração do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) e da Agência Portuguesa do Ambiente (APA)/ARH do Algarve.

A libertação na natureza que ocorreu na quinta-feira teve o apoio da empresa iSea Yachting, que contribuiu com uma das suas embarcações para esta ação.

 

 

 

 



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