Sabia que as corvinas cantam?

Em pleno Festival das Aves, também se fala de peixes…e de bioacústica

O biólogo Manuel Vieira – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

Sabia de as corvinas cantam? E os xarrocos também? Se quiser saber mais sobre este assunto e até ouvir os sons do mar e das suas criaturas, basta participar na atividade, gratuita e sem inscrição prévia, que faz parte do programa do 13º Festival de Observação de Aves & Atividades de Natureza.

A atividade «Ouvindo debaixo d’água», promovida pela associação Almargem e tendo como guia o jovem biólogo Manuel Vieira, tem lugar este domingo, na segunda e terça-feira (dias 2, 3 e 4), às 17 e às 18h00, no pontão esquerdo do Porto da Beleeira, em Sagres.

O canto, ou seja, os sons emitidos por peixes como as corvinas (Argyrosumus regius) e os xarrocos (Halobatrachus didactylus), foi o tema do doutoramento de Manuel Vieira em bioacústica, na Universidade de Lisboa, no âmbito do Fish Bioacoustics Lab.

No pontão da Baleeira, num fim de tarde quente e sem qualquer vento, o biólogo começou por colocar um hidrofone dentro de água, ligado a um gravador e a um computador, por sua vez com dois pares de auscultadores.

 

O biólogo Manuel Vieira a preparar o equipamento – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

A primeira coisa foi dar a ouvir o som captado dentro de água, mas ali mesmo no pontão: de auscultadores nos ouvidos, o som era o de um crepitar intenso. «São camarões», explicou Manuel Vieira. Mas os camarões fazem este barulho todo? Fazem mesmo! E é «com a cauda».

«Caranguejos, ouriços e afins também fazem um som semelhante, mas normalmente é de mais baixa frequência, um som mais grave», explicou.

Havia também alguns sons antropogénicos (ou seja, gerados pelo homem), uma espécie de um assobio, talvez causados pelos barcos atracados no porto.

Depois, os participantes na atividade puderam ouvir sons gravados pelo biólogo ao longo da sua investigação: primeiro o canto do xarroco, ritmado e cavo, quase como se alguém estivesse com sérios e audíveis problemas de gazes intestinais, depois o das corvinas, mais contínuo.

«Conseguimos usar gravações não só para conhecer os animais que estão num determinado sítio, mas também como é que está o ambiente», explicava.

No fim, foi possível ver um vídeo feito numa zona de corais em Moçambique, de águas cristalinas, com a gravação do som sincronizada. E podia perceber-se perfeitamente que a dança dos peixes debaixo de água gerava os sons gravados.

«A nossa capacidade de saber o que é que existe debaixo de água ainda está muito limitada. Não temos grandes bases de dados que nos digam que som é o quê. Nas aves, temos».

 

E esses sons dos peixes são feitos como? Com a boca, com o corpo, com as barbatanas?

«O grupo dos peixes é o que tem maior diversidade de produção de sons. Quase todas as aves produzem som com o mesmo mecanismo. Nos peixes, temos pelo menos dez mecanismos conhecidos e estão a descobrir-se novos. O mais comum, que é o das espécies que eu mais estudei, o xarroco e a corvina, tem a ver com a bexiga natatória e é com ela que emitem os sons. Noutras espécies, têm um músculo associado à bexiga natatória que bate e faz tipo tambor. Outras têm estruturas especializadas só para o som, ossos especializados, alguns tendões, que vibram, funcionam como uma guitarra. O góbio-das-areias [Pomatochistus minutus] aquele peixinho muito pequenino, tem o osso do crânio, mexe muito rapidamente a cabeça e produz um som, quase como um reco-reco. Há outros que fazem com as barbatanas. Existe um mundo imenso de produção de sons por parte dos peixes», explicou Manuel Vieira.

E há peixes que não produzem sons? «Os únicos que ainda não se sabe se produzem sons são os tubarões e raias. Não há nenhum registo de que produzam sons e normalmente são muito surdos para o som de pressão. Podem ser muito sensíveis para a parte eletromagnética e para o movimento da água».

 

 

E para que cantam os peixes? «Luta e competição, reprodução, chamar as fêmeas», responde o biólogo. Os xarrocos, por exemplo, «fazem um ninho, cantam, cantam, cantam, para chamar as fêmeas, até que elas vão lá ter».

Se eles não cantarem, «esses ninhos não têm ovos. Se houver muito ruído antropogénico, por exemplo, muitos barcos a passar, eles têm menos ovos e os ovos morrem mais. Pensamos que é porque o macho fica de tal maneira em stress que não faz o devido tratamento dos ovos. Normalmente, ele vai-se mexendo lá dentro, produz muco…vai tratando dos ovos».

Outra coisa interessante é que se pensava que só os machos é que cantavam, por exemplo nas corvinas. Mas isso parece não ser assim, as fêmeas também o fazem.

E para que serve o estudo dos sons emitidos pelos peixes? Admitindo que há ainda muito para investigar, Manuel Vieira salienta que «conseguimos extrair bastante informação só com o som que eles estão a fazer».

«Para mim, o mais interessante é pôr o microfone num sítio e detetar os padrões, mas não só, tentar fazer novas coisas que me digam se o ambiente está bom ou não está. E por isso tenho de comparar com outros tipos de dados ecológicos». O biólogo dá o exemplo das gravações e filmagens que têm sido feitas nos corais de Moçambique, que permitem perceber que, quanto mais espécies, mais sons. Por isso, defende, «podemos usar estes meios relativamente baratos para monitorizar uma espécie ao longo do tempo».

«Uma das coisas que a gente adoraria ter: um algoritmo que medisse um valor de uma gravaçãozinha e dissesse “ok, este sítio agora está com menos diversidade do que o outro”. É uma das coisas que todos os cientistas que estão a trabalhar nesta área da bioacústica dos peixes querem».

Mas as surpresas não ficam por aqui: segundo Manuel Vieira, as corvinas cantam sobretudo ao pôr do sol. E fazem autênticos coros!

Aliás, recordou, este som das corvinas era já há muito conhecido dos pescadores (e por eles usado para as detetar e pescar) e é mesmo referido no livro «20.000 Léguas Submarinas», de Júlio Verne.

 

A ouvir os sons, de auscultadores nos ouvidos – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

A atividade «Ouvindo debaixo d’água» é apenas uma das mais de 230 atividades para famílias e amantes da natureza que, ao longo de cinco dias, estão a acontecer durante o Festival de Observação de Aves, em Sagres e nos seus arredores. Muitas dessas atividades estão já esgotadas, mas há algumas, como esta descrita acima, que são de acesso livre, sem necessitar de inscrição.

Outra hipótese é pegar nos seus binóculos e máquina fotográfica e ir até ao alto da Cabranosa (está tudo devidamente assinalado com grandes placas de madeira), onde se costumam reunir os observadores de aves. Alguns deles têm paciência para ir explicando e mostrando aos menos experientes o que vai aparecendo pelos céus. Ontem, por exemplo, mesmo sem grande esforço, viram-se inúmeras águias-calçadas (Hieraaetus pennatus) e muitas outras espécies, quer em terra, quer no mar, nas saídas pelágicas, de barco.

Para saber o que ainda poderá fazer nestes quatro dias de festival, dirija-se ao secretariado que funciona na Fortaleza do Beliche, na estrada para o Cabo de São Vicente. As inscrições online já terminaram, mas pode ficar a conhecer o programa aqui e inscrever-se depois no que ainda estiver disponível no Beliche.

Nesse local, há ainda uma pequena feira de produtos naturais, de artesanato e outras artes e ofícios ligados com a natureza (como a ilustração), de publicações e outros materiais produzidos pelas diversas associações ligadas ao festival. Quem quiser poderá, por exemplo, comprar um ninho artificial para chapins (aves pequeninas, mas muito importantes porque se alimentam das lagartas dos pinheiros), adquirir mel produzido na zona de Sagres ou mesmo um quadro feito com uma técnica inédita: impressão de um peixe verdadeiro, sobre tecido, usando a tinta de choco.

Quem se inscrever nas atividades, mesmo nas gratuitas, recebe uma pulseira do festival, que dá direito a descontos em restaurante e lojas de Sagres aderentes. Até dia 5, há muitos motivos para ir até Sagres.

 

 

 



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