Os eventos das indústrias culturais e criativas e a gestão do território

É impressionante o número e a variedade de eventos – desportivos, artísticos e culturais – que se realizam em Portugal

Festival Terras sem Sombra – Foto: Elisabete Rodrigues | Sul Informação  (arquivo)

Volto ao tema da economia criativa, aos eventos das indústrias culturais e criativas (ICC) e sua contribuição para a transformação do território.

É, deveras, impressionante o número e a variedade de eventos – desportivos, artísticos e culturais – que se realizam em Portugal, a maioria anualmente, alguns de dois em dois anos (as bienais), outros de quatro em quatro anos.

Alguns são já uma verdadeira imagem de marca do território como a Bienal de Vila Nova de Cerveira, o Festival Terras sem Sombra no Alentejo, o Festival Boom no concelho de Idanha-a-Nova ou as Festas do Povo em Campo Maior e alguns deles já estão classificados como Património Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco.

Ora, num país tão pequeno e que usa e abusa do argumento dos recursos escassos, é surpreendente que uma gama tão variada de recursos seja pulverizada por tantas iniciativas, sem cuidar, aparentemente, da sua reticulação, efeitos de aglomeração e economias de rede, mais duradouros e sustentáveis, e seus impactos sobre os respetivos sistemas produtivos locais.

De facto, fica um certo amargo de boca por sabermos que esse esforço de mobilização de tantos recursos pode esgotar-se pouco tempo após o encerramento do festival, feira, festa ou exposição, devido, justamente, à ausência de uma malha de interligações entre concelhos, comunidades e regiões.

A questão fundamental que me ocorre é, desde logo, a seguinte: como aproveitar os efeitos difusos destes eventos, como promover a articulação entre eventos e intensificar as suas interligações, como canalizar esses efeitos difusos para a dinamização dos sistemas produtivos locais e em que medida as CCDR, as Comunidades Intermunicipais (CIM) e as Direções Regionais da Cultura poderiam colaborar mais estreitamente com vista a esse objetivo de mais e melhor interligação?

Os inúmeros eventos a que me reporto são, muitos deles, sinais distintivos e verdadeiras imagens de marca de um território, mas que aguardam, há muito, uma abordagem multiníveis e multiescalar mais integrada e ambiciosa.

Deixo aqui, a título de exemplo e como mera ilustração, uma dezena desses eventos com potencial para estabelecerem interligações intermunicipais e algumas economias de rede e aglomeração:

– Boom Festival, Idanha-a-Nova, ser boomer e cosmopolita em Idanha

– Bienal de Arte de Vila Nova de Cerveira, a promoção criativa da arte contemporânea

– Festival Terras sem Sombra, Alentejo, o legado natural e cultural de uma região

– Bienal Ibérica de Património Cultural, fórum de referência para profissionais e instituições (PC)

– Binaural/Nodar (desde 2004), a criatividade em meio rural na região de Lafões

– Experimenta Paisagem, os roteiros de arte pública na paisagem

– Paisagens Literárias (Tormes) os roteiros e os lugares de criação da escrita

– Aveiro Tech Week, criatividade digital e animação do espaço público

– Festival Internacional dos Jardins, Ponte de Lima, os jardins dispersos pela vila

– Arouca Geoparque, as montanhas mágicas e os geossítios de um geoparque da Unesco

Esta é apenas uma lista indicativa, entre outras. Além disso, importa aprofundar outros conceitos operatórios, como é o caso das áreas de paisagem protegida, as zonas de intervenção florestal (ZIF), as áreas integradas de gestão paisagística (AIGP) e os condomínios de aldeia (CA) que constam do programa de transformação da paisagem (PTP).

Como facilmente se deduz, por detrás de um conceito ou ideia-força, há sempre uma mobilização, um evento importante e várias manifestações relevantes. Eu diria que há, também, muitos sinais distintivos, complementaridades e muitos efeitos-rede que importaria apurar e fazer convergir.

Em todos os casos, não devemos compartimentar as atividades que ocorrem pelo território. Um sistema agroalimentar local (SAL) num parque agroecológico pode perfeitamente conviver e coabitar com um espaço pedagógico, recreativo e terapêutico de apoio, por exemplo, a um programa de envelhecimento ativo, com um centro de demonstração de boas práticas de economia circular, com uma oficina de artesanato e um centro de artes públicas na paisagem e, evidentemente, com um programa de visitação turística ajustado a esta oferta integrada.

A ideia central desta abordagem integrada é a retenção dos efeitos de dispersão e a criação de uma economia de rede e aglomeração que seja não apenas um sinal distintivo, mas, sobretudo, que consolide um território em transição e a sua área de influência.

Um exemplo de caso prático que aponta nesta direção é aquele que agora se inicia no concelho de Almada, designado de Agroparque das Terras da Costa, ao longo de 140 hectares de terrenos municipais e privados, um empreendimento de fins múltiplos que se inscreve na filosofia da rede Foodlink para a transição alimentar na Área Metropolitana de Lisboa.

Aqui chegados, e tendo sempre presente esta economia dos efeitos rede e aglomeração, deixo algumas questões para discussão posterior:

– Qual é o conceito teórico-prático que presidiu à conceção e organização de cada um destes eventos e como podem eles interagir entre si?

– Quais são as estruturas de missão – curadorias, associações, comunidades intermunicipais – que promovem cada evento e de que modo podem elas cooperar entre si tendo em vista a conceção de uma malha de interligações úteis para vários eventos?

– Quem são os diversos públicos presentes e de que modo se pode estabelecer uma certa circularidade desses públicos por vários eventos tendo em vista prolongar a sua estadia e visitação e, ao mesmo tempo, desenvolver outras iniciativas complementares pelos territórios adjacentes?

– Qual é a plataforma ICC que, no plano regional e sub-regional, melhor pode representar a cartografia dos eventos culturais e criativos e, desse modo, servir como instrumento de programação articulada destes eventos no plano da CIM ou da NUTS II, tendo em vista, justamente, maximizar os efeitos de rede sobre a economia regional?

– Qual é a estratégia de desenvolvimento regional e intermunicipal que melhor pode absorver os efeitos de rede e aglomeração dos eventos ICC?

Nota Final

No final, um programa integrado que envolva a produção conjunta, bens e serviços, dos geossistemas locais e regionais – um SAL (sistema agroalimentar local), um SAF (sistema agroflorestal), um SAT (sistema agroturístico), um SAP (sistema agropaisagístico) – associados sempre que possível aos produtos certificados e denominados respetivos – IGP, DOC ou ETG – e estão criadas as condições mínimas para realizar o cenário apropriado para os eventos ICC, o que será seguramente um excelente cartão de visita para toda a região.

 

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

 

 

 



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