Mensagem da Pastoral do Turismo – Portugal para o Dia Mundial do Turismo

«Propomos uma Pastoral do Turismo de “artífices da Paz”!»

Peregrinação à Mãe Soberana – Foto: Mariana Carriço | Sul Informação (arquivo)

Em 1999, quando criava o seu Código de Ética, a Organização Mundial do Turismo/United Nations World Turism Organization (OMT/UNWTO) fazia questão de considerar que, «pelos contactos diretos, espontâneos e não mediatizados que permite entre homens e mulheres de culturas e modos de vida diferentes, o turismo representa uma força viva ao serviço da paz, bem como um fator de amizade e compreensão entre os povos do mundo».

Também o Instituto Internacional para a Paz através do Turismo/The International Institute for Peace through Tourism (IPT/ IIPT) promove este conceito desde 1986, desafiando todos os que trabalham como Agentes de Turismo, bem como os turistas, a serem “Embaixadores da Paz”, sob o lema “Uma Terra, Uma Família (One Earth, One Family)”.

Referimo-nos, pois, frequentemente a esta atividade humana como a “Indústria da Paz”, dado que ela permite o contacto e o convívio entre seres humanos de diferentes culturas, religiões, etnias e formas de viver e a aquisição de conhecimento do outro e do diferente, fatores que diminuem/eliminam a discriminação, ou a rejeição do que nos é (ou era) estranho.

Para além disso, é uma atividade altamente inclusiva, já que, criando muito emprego para pessoas com diferentes níveis de qualificação, permite que todos possam ser integrados no mercado de trabalho, desde os que não tiveram a possibilidade de ter estudado muito (mas que, através de treino se tornaram profissionais reconhecidos pela sua capacidade de bem receber), passando pelos académicos e investigadores de diferentes ciências sociais, ou engenharias tecnológicas mais especializadas (hoje, essenciais, por exemplo, na distribuição e comercialização on-line dos produtos turísticos e que têm, neste setor, uma possibilidade de desenvolvimento e afirmação).

E não podemos esquecer que esta é uma indústria cujo produto é tão mais valorizado quanto melhor for a qualidade ambiental e a promoção do desenvolvimento social das populações que são visitadas, ou seja, quanto maior for o índice de sustentabilidade que promova.

Desta forma, os destinos, regiões e empresas turísticos que não estejam preocupados e não trabalhem para este objetivo, estão a matar o seu próprio mercado.

Vivemos dois anos de pandemia, provocada pela COVID-19. Ansiávamos por retomar todas as nossas atividades normais e, eis que o mundo é assolado pela guerra entre a Rússia e a Ucrânia, uma ameaça em termos globais, que a todos deixa entristecidos e preocupados e que, segundo a OMT/UNWTO, aumenta a pressão das incertezas económicas existentes, podendo dificultar, globalmente, a recuperação do turismo.

Dizia o Papa Francisco: “Descuidamos os compromissos assumidos como Comunidade das Nações e estamos a atraiçoar os sonhos de paz dos povos e as esperanças dos jovens”.

Atraiçoamos, igualmente, esta indústria da paz, que fica, mais uma vez, seriamente ameaçada, face a este cenário de dubiez, que traz dificuldades a um conjunto muito alargado de pessoas, de comunidades, de lugares, de cidades, que do Turismo dependem e que vêm, novamente, perturbado o seu caminho de crescimento e de construção de um mundo mais sustentável.

De novo se comprova que o setor do Turismo tem de se (re)inventar permanentemente, respondendo, a cada dia, aos desafios que enfrenta a Humanidade.

E temos assistido a isso mesmo, na alteração de alguns destinos turísticos, ou no reforço do uso das novas tecnologias e redes sociais, permitindo uma outra presença junto dos públicos-alvo.

Mais: a reflexão sobre estas temáticas tem sido reforçada com ideias que nos ajudam a perceber, melhor ainda, que os agentes de Turismo podem, no seu quotidiano, construir a Paz, trabalhando em rede, cooperando, tendo consciência de que podem aplicar medidas de uma mais justa repartição da riqueza e usando a tecnologia e o digital para construir a cooperação.

Podem, também, agir junto dos refugiados (que viveram a mesma situação da Sagrada Família quando fugia para o Egito), sendo atores decisivos na sua integração no mundo laboral e na sociedade, fazendo «com que encontrem acolhimento e solidariedade».

De outra parte, vemos que as necessidades, anseios e procuras do turista tendem, em algumas circunstâncias, a ser diferentes. A realidade aponta para uma procura de bem-estar mais integral, uma maior segurança, uma busca pela natureza, pelo original ou pela simplicidade, uma necessidade do espiritual e do religioso.

Neste sentido, importa encarar o Turismo Religioso como uma possibilidade de responder a uma incerteza e a uma demanda de segurança emocional, que todos procuramos, sendo este produto turístico algo que acrescenta ao turista, que se consubstancia numa séria proposta de atribuição de sentido a muitas questões da sociedade contemporânea.

Neste contexto, a abertura da Igreja, encarando o Turismo Religioso como uma atividade criadora de pontes, tona-se uma questão decisiva.

Francisco, que desde o início do seu pontificado exorta o mundo à construção da Paz, reforçava, na sua Mensagem do 52º Dia dedicado a este tema, o papel dos construtores, dos “artesãos”, daqueles que, com as suas mãos, o seu compromisso e o seu saber, modelam essa nova face do mundo.

A cultura da harmonia e da fraternidade «requer engenhosidade e o uso sábio de diferentes artes e habilidades», mas sobretudo requer a capacidade de entender que só abrindo as portas, promovendo uma Pastoral do Turismo que acolhe todas as visões e não mais vive cerrada em ideias limitadas e contidas, estaremos a caminhar no sentido de vencer os conflitos e as diferenças.

É imperioso pôr em prática essa “nova Pastoral”, já não somente preocupada com o peregrino, mas com todos os turistas, uma Pastoral que assenta a sua ação na ligação e disponibilidade para estar ao lado de quem trabalha neste setor (ou pode vir a trabalhar: agentes, académicos, comunicadores, etc.), tornando-se verdadeiramente útil e visível a todos, servindo o povo de Deus na sua totalidade.

É esta a Pastoral do Turismo que propomos: a que procura renovar os caminhos da evangelização, da Palavra, da partilha e da descoberta interior; uma Pastoral que nos faz sair dos lugares do quotidiano, do que é conhecido, ou comum, para lugares que acrescentam sentido à pertença religiosa; a que nos permite pensar de outra forma e que nos faz mais conhecedores do outro, dando as mãos a diferentes comunidades, no sentido de divulgar e valorizar a identidade, a cultura, o valor patrimonial de cada uma, de cada lugar, de cada pessoa. Propomos uma Pastoral do Turismo de “artífices da Paz”!

 

Autor: O Pe. Miguel Lopes Neto é Diretor da Pastoral do Turismo – Portugal, organismo da Conferência Episcopal Portuguesa

 

 



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