Casa da Cidadania de Lagoa já tem projeto de arquitetura e site para ser consultado

Convento de S. José acolheu sessão pública de apresentação do projeto

O novo corpo do edifício, em aço corten

O antigo edifício onde, desde 1861, funcionou a Câmara de Lagoa, vai ser transformado em Casa da Cidadania. Mas será complementado por um novo corpo edificado nas traseiras, revestido a aço corten. Ou seja, à brancura das paredes da antiga Câmara irá contrapor-se agora o castanho escuro do novo material.

Bruno Serrão, do ateliê Red Umbrella, arquiteto convidado para fazer o projeto da nova estrutura, afirmou, na apresentação que teve lugar no Convento de S. José, a vontade de criar algo de muito diverso no novo edifício. «Não queríamos colocar uma atitude idêntica ao que lá está, por isso optámos por uma atitude radical, de rotura em relação ao outro edifício», sublinhou.

É «um elemento moderno contra o que lá está», «o choque é propositado», admitiu.

Ainda assim, considerou, «a ideia do projeto de arquitetura foi conciliadora, foi a máquina que agarrou tudo».

José Águas da Cruz, presidente da Assembleia Municipal de Lagoa, também presente na sessão, admitiu que se trata de uma construção com «alguma ousadia». No entanto, defendeu, «como todos os grandes projetos, terá os seus opositores, mas a história dar-nos-á razão».

Antes, o antropólogo Paulo Lima, coordenador do projeto, já tinha explicado como nasceu, em 2018, a ideia de criar esta Casa da Cidadania. «Primeiro, pensou-se na criação de um museu dos movimentos sociais. Depois, começou a desenhar-se um projeto mais ambicioso», que tivesse em conta que uma Câmara Municipal é «um órgão próximo, direto e responsável pelo desenvolvimento local»», mas que não esquecesse também «o conceito de democracia» e «as políticas de género e de integração».

O projeto, resumiu Paulo Lima, será «composto por partes físicas, materiais, mas também por partes digitais e pelo espírito do lugar».

 

Antigos Paços do Concelho de Lagoa

 

Aliás, um dos aspetos fundamentais do projeto é, precisamente, esse espírito do lugar. O edifício principal da futura Casa da Cidadania foi inaugurado em 1861 para albergar os Paços do Concelho de Lagoa.

Foi o «génio de um homem», o lagoense João Bentes Castelo Branco, que era médico e tinha sido miguelista, que se lembrou de comprar a ermida de Nossa Senhora de ao Pé da Cruz, construída no século XVII à entrada da então vila, e parcialmente destruída pelo terramoto de 1755.

Poucos anos depois do sismo, em 1773, o rei D. José I criou o concelho de Lagoa, separando-o do termo de Silves, uma marca histórica que cumprirá 250 anos em 2023 e, por isso, será devidamente celebrada.

Só que, durante quase um século, a Câmara de Lagoa não teve uma casa. Daí que João Bentes Castelo Branco tenha decidido que era tempo de suprir essa falta, construindo «uma sede para o concelho, que não a tinha», como salientou Paulo Lima.

O médico lagoense comprou então o que restava da ermida e os trerrenos envolventes, para aí construir os Paços do Concelho. A ermida, aliás, ainda hoje está dentro do atual edifício, como salientaram Paulo Lima e o arquiteto Bruno Serrão. Tais vestígios serão preservados e até postos em evidência, no novo projeto.

Mas voltemos a João Bentes Castelo Branco: certamente influenciado pela sua faceta de médico e aderindo às práticas higienistas dos tempos liberais, o empreendedor mandou construir, no novo edifício, um moderno equipamento que não existia à data na vila de Lagoa: um urinol público. O problema é que o urinol foi criado numa lateral do altar da antiga ermida, o que foi considerado uma ofensa grave pela população, muito religiosa.

E terá sido isso que deu origem à lenda de que o fantasma de João Bentes Castelo Branco ainda anda por ali, entre as paredes dos seus Paços do Concelho, numa espécie de expiação eterna pela sua ousadia.

A história do fantasma foi recordada por Paulo Lima, que admitiu que ele será uma peça importante do tal espírito do lugar da futura Casa da Cidadania.

 

Implantação do atual edifício e do novo corpo

 

A Câmara de Lagoa tinha anunciado que a sessão que decorreu a 9 de Setembro, no Convento de S. José, se destinava a apresentar também os projetos museológico e museográfico da estrutura. Acontece que projeto museológico a Casa da Cidadania não tem, uma vez que não se trata, em rigor, de um museu. E o projeto museográfico, como se verá mais à frente, ainda não passa de ideias genéricas.

Foi o próprio coordenador do projeto que anunciou que a Casa da Cidadania «não será um museu, porque não tem objetos físicos». Não é que um museu precise de objetos físicos, como até afirma a nova definição de Museu há pouco tempo aprovada pelo ICOM.

«O que queremos ter é um diálogo com a comunidade, que hoje é um dos elementos mais importantes na definição da nova museologia», defendeu Paulo Lima. No fundo, explicou trata-se de «partir da experiência do municipalismo democrático para construir um projeto educativo», que poderá mesmo ter expressão global.  «Podemos pensar o mundo a partir de Lagoa», sublinhou.

A Casa da Cidadania, acrescentou, quer «contar a história do poder local nestes 250 anos», que também será uma «história das figuras» importantes. «Pode falar-se do povo, da comunidade, mas também se deve dar um rosto a essas figuras», disse.

Quanto ao projeto museográfico, a arquiteta Mariana Neto, da Napperon, a empresa que foi convidada para o conceber e que é responsável, por exemplo, pela museografia do Museu da Metalúrgica Duarte Ferreira (Tramagal), assumiu que falta ainda definir muita coisa no projeto de Lagoa. Talvez porque os conteúdos da Casa da Cidadania, pelo que se percebeu da apresentação, não estão ainda completamente fechados.

A arquiteta disse apenas que o projeto museográfico «não será uma coisa estática que depois seja difícil alterar».

 

Interior da Casa da Cidadania

 

Mas afinal, o que será esta Casa da Cidadania? O que conterá? Que funções terá? O que vai acontecer ao atual edifício? Para que servirá o novo?

O futuro edifício terá dois corpos – o atual, expurgado interior e exteriormente de alguns elementos que lhe foram sendo acrescentados, e o novo, o tal edifício revestido a aço corten.

Mas também a área exterior será alterada: desaparece a rua lateral e o largo (antes conhecido como “da palmeira”) será requalificado.

Apesar de se manter o atual acesso na fachada principal, a entrada para a Casa da Cidadania será feita pelo lado, no fundo reaproveitando a entrada da antiga ermida de Nossa Senhora de ao Pé da Cruz, voltada para a nova praça, que será ampliada com a eliminação da rua lateral.

No interior, serão demolidas as atuais escadas interiores – que serão mudadas para outra zona do edifício, de modo a torná-lo mais funcional.

Segundo o arquiteto Bruno Serrão, autor do projeto, no piso de cima, haverá a sala do cofre e o salão nobre, no fundo uma sala para as sessões da Assembleia Municipal, com capacidade para 50 pessoas, mas podendo adaptar-se a outras funções.

O acesso ao novo corpo será feito por rampa, ligando um edifício ao outro.

No edifício novo, explicou Bruno Serrão, «é como se estivéssemos numa zona de trabalho, mais pesada. Estas arestas e rugosidade volumétrica quase nos transportam para o trabalho, o esforço».

Esse novo corpo acolherá serviços técnicos e administrativos da Casa da Cidadania, mas também o «posto de informação turística da cidade de Lagoa», que nunca teve nenhum, já que o posto de turismo do concelho funciona na Praia do Carvoeiro.

 

Escultura «Árvore-Mundo (Orbis terrarum)» de José Teixeira

 

Graças a toda esta intervenção, grande parte das árvores que atualmente estão no pequeno jardim traseiro da antiga Câmara vai desaparecer. Em seu lugar, na lateral do edifício, vai nascer uma outra árvore especial: a escultura «Árvore-Mundo (Orbis terrarum)», também em aço corten.

A obra é da autoria de José Teixeira, escultor e mestre medalhista, professor na Faculdade de Belas Artes de Lisboa e também ele convidado para participar no projeto da Casa da Cidadania.

«Fui chamado para fazer um conjunto de intervenções para Lagoa, num total de «seis projetos», revelou.

E que projetos são esses? O primeiro foi um objeto para oferta nos Encontros Imagem e Política, depois um «cofre-relicário do Município de Lagoa», cuja função é guardar o facsímile da carta de D. José I, sobre a fundação do concelho de Lagoa.

Há ainda o «totem de inclusão ou de multiculturalidade do Município de Lagoa», a ser colocado na Casa da Cidadania, que deverá ser produzido em «pedra, talvez calcário do Escarpão».

No exterior, haverá então a tal «Árvore-Mundo (Orbis terrarum)». O escultor foi ainda incumbido de conceber a medalha de honra de Lagoa, bem como a chave da cidade, «que não será uma chave normal, mas uma caixinha para uma chave eletrónica ou o que se quiser».

O melhor resumo do que será e para que servirá a Casa da Cidadania acabou por ser feito por José Águas da Cruz, presidente da Assembleia Municipal de Lagoa. «A Casa da Cidadania não se pode resumir a um mero repositório histórico que podemos consultar com as tecnologias digitais mais avançadas. Tem de ser também um elemento congregador e um instrumento democrático para a cidadania ativa».

A democracia «incorpora não só a participação cívica, mas também a participação dos agentes culturais, económicos, sociais e ambientais. Portanto, o grande objetivo e desafio é ter a porta aberta a mais um instrumento de participação democrática dos cidadãos», acrescentou.

No final, Luís Encarnação, presidente da Câmara de Lagoa, anunciou que o projeto da Casa da Cidadania será desenvolvido ao longo de 2023, quando o concelho comemorar os 250 anos da sua fundação. O próximo ano será aproveitado para lançar o concurso público das obras de construção, ao mesmo tempo que continuará o trabalho de digitalização da informação a ser disponibilizada na plataforma casadacidadania.pt.

 

 


Plataforma casadacidadania.pt já está online
Mesmo sem ter ainda a sua casa, a Casa da Cidadania já existe, virtualmente. Desde 9 de Setembro que a plataforma digital casadacidadania.pt está disponível, como demonstrou Fernando Cabral, da empresa Sistemas de Futuro. Como se pode ler na página inicial da plataforma, sendo a Casa da Cidadania «um projeto de educação para uma Cidadania Democrática e para os Direitos Humanos», a casadacidadania.pt é «uma ferramenta digital para a partilha da memória, conhecimento e valores».O trabalho da plataforma ainda está em curso, tal como salientou o especialista. «A plataforma ainda não é a final», tendo sido criado, para já, «um interface de consulta». E, de facto, para já a navegação na plataforma não se afigura fácil, nem sequer intuitiva. Por outro lado, verifica-se que ainda falta carregar muita informação, havendo inúmeras funcionalidades que ainda não o são.No futuro, uma das mais valias será o facto de esta ser uma «plataforma aberta», que vai «comunicar com as pessoas». Ou seja, explicou Fernando Cabral, «as pessoas de fora poderão contribuir, porque é uma plataforma aberta, não só de consulta, mas também para receber informação».No total, a plataforma casadacidadania.pt deverá contar com perto de 18 mil registos: 1686 registos no Arquivo Histórico, 1833 referências bibliográficas, 1391 ficheiros multimédia, bem como 1336 referências a acontecimentos históricos, 3262 a entidades, 2284 a imóveis, 389 a património imaterial e 93 a objetos.  Estes registos não se referem apenas ao concelho de Lagoa, mas a todo o Sul de Portugal. Mas, do que já está no site, falta-lhes ainda contextualização e, sobretudo, interligação.

E ficou também por esclarecer como é que esta plataforma se articula com o Arquivo Municipal de Lagoa.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues | Sul Informação

 

 



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